LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: O DILÚVIO ANUNCIADO" e "UMA CIDADE ÀS AVESSAS"; "A MARIAZINHA FEZ ANOS"; "O BOM GIGANTE SOPROU UMA VELA"; e "FALECEU A SENHORA GEORGINA".
REFLEXÃO: O DILÚVIO ANUNCIADO
Apesar do inverno rigoroso e termos tido ameaças sérias na
véspera do ultimo Natal, ainda não foi este ano que a Baixa ficou completamente
inundada –em setembro de 2008, num
domingo e devido a intensas chuvas, a Praça 8 de Maio ficou com meio-metro de
água e com muitas lojas comerciais alagadas. Apesar disso, os avisos estão ao
olhar de um relance. O alagamento do Parque Verde várias vezes, este ano e em
final do transato, mostra bem o quanto as imagens dos anos de 1960 podem materializar-se
novamente e o dilúvio voltar a qualquer momento.
Está de ver que a dragagem do rio
deveria ser uma das preocupações para o verão que se aproxima. Mesmo com as
ameaças da empresa que gere o Bazófias,
o barco turístico que manobra no Mondego, de ir navegar para águas mais
profundas por impossibilidade de operar na bacia líquida que se apresenta à
cidade, aparentemente, os planos de desassoreamento vão sendo passados para as
calendas.
Ler todos os dias na imprensa local, por parte
do executivo municipal, e dos partidos que o compõem, uma preocupação com obras
megalómanas, como a construção de estradas, metro ligeiro, funiculares, gares,
aeroportos, dá que pensar. Os exemplos estão mesmo à mão de semear mas tudo
continua igual como até aqui. Ninguém quer saber do endividamento futuro. Empurram
todos com a barriga para a frente. Em vez de salvar e manter o que se tem
continua-se a apostar no betão. Este domingo ultimo o Diário de Notícias
mostrava a nu a situação insolvente da Câmara de Gaia. Alguém leu?
UMA CIDADE ÀS AVESSAS
A semana passada, na quarta-feira, os jornais
Diário as Beiras e Diário de Coimbra traziam à estampa a notícia de um prédio
camarário, de quatro andares, que está em vias de ruir no Largo do Romal.
Devido às intensas chuvas que têm caído nos últimos dias começou a soltar-se
caliça para a via pública. Segundo as declarações de um dos vizinhos, com quem
falei “Foi há cerca de 13 anos, já no
tempo de Encarnação (ex-presidente da Câmara Municipal), que os moradores foram
realojados e o edifício ficou vazio e a apodrecer. Ao longo destes anos, eu e
outros confinantes, fizemos várias chamadas de atenção para a edilidade e nunca
passaram importância ao assunto. Comuniquei para a proteção Civil e a mesma
coisa! Foi então que, esta semana, comecei a temer pela minha vida. Peguei no
telefone, liguei para o Diário de Coimbra e para o Diário as Beiras e disse
para a minha mulher: vais ver se isto agora vai ou não vai! O Machado não tem
nada a ver com isto, não quero prejudicá-lo, mas esta situação não pode
continuar!”
O Diário de Coimbra, do
dia seguinte, de quinta-feira, na primeira página, anunciava: “Prédio no Largo do Romal será demolido”. No
interior do caderno, “A Câmara Municipal
de Coimbra decidiu demolir “o mais rapidamente possível” o prédio degradado no
Largo do Romal (…). (…) Ainda assim, as vistorias técnicas concluíram que não
havia risco de ruir.”
Na sexta-feira, dois dias depois
da bomba ter rebentado, portanto, era
visível a azáfama na montagem de andaimes junto ao monumento da incapacidade e
desleixo da coisa pública. De
salientar que nas traseiras deste agora anunciado desastre está um outro prédio
em igual estado ou pior e também em risco de capitular.
Passando por cima da incúria, da obrigação, e
sobretudo o exemplo, da autarquia recuperar o que é seu (nosso) e servir de
motor auxiliar para a revitalização da Baixa, vou focar-me essencialmente na
decisão de demolir o prédio. Mesmo sem as declarações técnicas de que não
oferece perigo elevado de cair –o que, em boa verdade, não é fiável de todo,
basta lembrar a queda de dois edifícios na Rua dos Gatos, em 2006, depois de
ser assegurado por especialistas da edilidade de que não cairia- há um pormenor
que salta à vista: por que razão se vai arrasar um imóvel centenário no Centro
Histórico? Em nome do novo tudo é
justificável? Mais ainda, sendo esta parte velha qualificada como zona de proteção
na classificação de Património Mundial da UNESCO, como é que se pode entender
que se opte pela substituição do velho
pelo novo? –Aliás, ao que parece, a
declaração de interesse mundial obriga a que não se possam fazer demolições nas
áreas classificada e protegida. Alguém consegue conceber que, num qualquer
museu, se troque um prato “aranhões”,
do século XVII, meio esbeiçado e com cabelo, por uma cópia de faiança recente?
E ainda mais, do ponto de vista da racionalidade económica, será que fica mais
barato demolir e reconstruir de novo ou restaurar o velho e mantendo as traças
originais, interiores e exteriores?
Dá que pensar esta quase obsessão pelo
camartelo. Será que o espírito de Salazar andará por aqui à solta? Tudo teria
começado com a destruição da velha Alta, entre as décadas de 1940 e 1950. A
seguir foi aqui na Baixa, através do bota-abaixo,
no início de 1960, para dar início à idealizada avenida central. Em nome deste malfadado projeto, agora atrelado ao
Metro Ligeiro de Superfície, em 2006 desconstruiu-se mais umas partes
importantes de casario habitacional, comercial e de serviços.
Impressiona de sobremaneira a constatação de
que não há um plano diretor para a Baixa da cidade. Salvo melhor opinião, ninguém
tem ideia nenhuma do que se pretende. Num espaço que deveria ser tão rico em várias
áreas, turística, comercial, serviços, hotelaria, o que se apreende? Que não
passa, simplesmente, de uma manta de retalhos onde se fazem remendos atamancados,
aqui, ali, e outros acolá. É preciso gritar bem alto: o declínio e a tristeza
que se apanha às mãos cheias nestas
ruas de solidão, sem cor, sem odor, sem brilho, são o resultado aritmético, das
últimas décadas, de políticas que nunca tiveram em mente o superior interesse
do seu progresso e muito menos o respeito pela história da cidade. O que esteve
sempre em causa foi o marear ao sabor do vento e ao alcance de conveniências
pessoais e eleitorais de políticos carreiristas. A urbe foi sempre utilizada
como extensão das suas ambições desmedidas, onde primou sempre o livre arbítrio
do eleito e sem ouvir as partes interessadas.
A Baixa de Coimbra é uma zona de
calamidade social eminente. Em prédios a cair de podre –muitos deles propriedade
da autarquia-, só por sorte não há vítimas a lamentar. É uma superfície urbana onde
por de trás das fachadas decrépitas ou aparentemente consolidadas se movem
vidas em apego pela sobrevivência. É uma espécie de microcosmo de seres vivos
que, procurando não submergir, se entrelaçam em teias que visam somente a
salvação. Tal como se escreve no princípio do texto, só se acorda quando há
perigo elevado de se ser soterrado. Nesta altura, esquece-se os amigos
políticos, que podem dar um jeito e não convém hostilizá-los, e pede-se a
intervenção de todos os santos da terra, da imprensa escrita e falada, e do Céu
para que venham todos a correr para nos salvar. Deus, Nosso Senhor, nos acuda
para tanta inépcia!
A MARIAZINHA FEZ ANOS
Não haverá ninguém na Baixa que não conheça a botica da Mariazinha. Mesmo assim, e
para o caso de haver algum ignorante perdido, vou explicar que o nobel
estabelecimento da Mariazinha fica situado na Rua do Almoxarife. Entre outras delícias
pantagruélicas, vende uma pomada milagrosa que rivaliza com o melhor placebo do
mundo. Como quem diz, cura todas as doenças desde a ansiedade até às disfunções
psicossomáticas. Por outras palavras, trata do corpo e da alma de todos os
enfermos desta vida.
Mas eu não vim para aqui para
fazer publicidade ao seu estaminé. O
que me levou a escrever este arrazoado de palavras desconexas foi pelo melhor
motivo. A Maria Roseiro Girão, a nossa musa encantada que, fornecendo o elixir da juventude, nos ajuda a
caminhar com força nos caminhos tortuosos da existência, fez anos e, como tal,
não poderia deixar passar em branco a efeméride. Portanto, em coro, gritem
comigo: Parabéns, Mariazinha!
O BOM GIGANTE SOPROU UMA VELA
Do alto dos seus cerca de 1,90 de altura, o
Jorge Martins faz-nos lembrar o Bom
Gigante Amigo –é o personagem de um conto dedicado às crianças, de Roald Dahl.
Não leu? Deixe lá! Eu também não.
Ainda que a brincar, no meio de
tanta literatura que vende nos seus quiosques, na Rua da Louça e na Praça 8 de
Maio, era mais que natural que o Martins se transformasse em personagem de
enredo. Em boa verdade, e sem favor, o Jorge é um bom vizinho que nos acompanha
por aqui, pela Baixa, há cerca de uma dúzia de anos. É uma daquelas pessoas que
dá gosto ter por perto; um bom camarada, puro e leal, que nos transmite bons
fluidos, positivos e energéticos.
Mas eu não vim para aqui
para gabar as suas qualidades. O que me motivou a escrever mesmo foi o facto de
o nosso “jornaleiro e revisteiro”
diário ter feito anos. Como tal, e da praxe –afinal sou a favor da tradição-,
cá fica um grande abraço, de todos os colegas da zona histórica e também dos
leitores d’O Despertar, e um grito: parabéns e muitas felicidades, Jorge!
FALECEU A SENHORA GEORGINA
Durante anos e anos, a fio, em encontro de
vizinhos, passou por mim nestas ruelas estreitas. Sempre que me via, com uma
generosidade sem limites, parava e fazia-me uma festa prazenteira de palavras e
acompanhada de um cumprimento: “olá,
senhor Luís! Como é que está? E a família? Está tudo bem?”. Naturalmente,
respondia com agrado à sua tão viva e marcante saudação. Talvez num egoísmo sem
sentir, nunca procurei saber nada desta senhora. Nem o seu nome eu conhecia. Sabia
apenas que morava numa destas ruas estreitas. Quando falava com ela apreendia o
seu lado pachorrento e bom, com a mesma intensidade que se vê e ouve e recebe a
mensagem de paz da água límpida a correr no riacho. Dava gosto. Era um contentamento
para a alma.
Encontrei a sua foto numa comunicação de
necrologia plasmada num mural. Chamava-se Georgina Nunes dos Santos, tinha 69
anos, morava na Rua das Padeiras, e foi a enterrar neste último domingo. Fica
aqui a homenagem sentida à pessoa anónima, boa e gentil, que me deixou gratas
recordações e passou por nós. À família enlutada, em nome da Baixa, se posso
escrever assim, os nossos mais sentidos pêsames.
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