LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: OS NOSSOS BECOS DO CRACK" e "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FABULOSO CIDADÃO (2)".
REFLEXÃO: OS NOSSOS BECOS DO CRACK
A notícia já tinha vindo plasmada no Diário de Coimbra
(DC), do dia 27 do mês passado, com o título de primeira página: “Tráfico na Baixa está a desesperar moradores”.
No interior do caderno duas residentes davam conta da sua impotência para
resolver o problema que as afligia. Citando o DC, “Na opinião das moradoras, um dos pontos de atração do tráfico para o
centro histórico está relacionado com o funcionamento do gabinete de apoio aos
toxicodependentes da Cáritas Diocesana de Coimbra no Terreiro da Erva. Em
tempos, chegaram a circular abaixo-assinados contra aquela unidade que,
todavia, não surtiram qualquer efeito.”. No último domingo, dia 2 do corrente, no Jornal da
Noite, foi a televisão SIC a pegar no mesmo assunto.
Como já vem sendo hábito, os moradores –e até
alguns comerciantes- desvalorizam e culpam quem trabalha arduamente para tentar
minorar este problema. Refiro obviamente as instalações da Cáritas e os seus
técnicos que, num ambiente perfeitamente hostil e sem reconhecimento, dão o
corpo ao manifesto para tentar evitar o mal maior. Porque já escrevi sobre este
mesmo assunto, não vou perorar muito sobre a injustiça que recai sobre quem
tanto se esforça para salvar vidas na ponta da navalha e tentar dar alguma segurança
a quem se julga legitimamente com direito a tê-la –e na minha opinião, já que
quem se deve importar não liga, fazem
muito bem em chamar a atenção publicamente através dos media para o efeito. O que não se pode é
continuar é a morder a mão de quem
tanto nos ajuda.
No dia a seguir, na Baixa, as conversas eram
recorrentes em interrogação: “viste ontem
a reportagem da televisão? Ó pá, isto está cada vez pior! Quem é que aguenta
viver aqui? Por outro lado, não se viu lá, a prestar declarações, um vereador
do executivo, nomeadamente o do pelouro, não se viu ninguém da PSP a dar a
cara! Que peça tão pobrezinha! Até parece que a SIC só está interessada no
alarme social”.
Quanto a mim, e afinando pelo
mesmo diapasão, trabalhos televisivos como este da SIC são perfeitamente
dispensáveis. Tem um efeito de deflagração mortífero para todos os envolvidos. Mata
tudo à superfície e seca o que restar de vida no interior da terra –volto a
aflorar o direito inalienável dos moradores à sua segurança. Na minha opinião,
o canal de televisão não pode é ser instrumentalizado e, tal como aconteceu
ontem, apenas parecer interessado nos conteúdos para chamar a atenção ao
telespectador para o seu telejornal. Tal como qualquer meio de informação, e muito
mais este meio audiovisual que gera um impacto maior na coletividade, tem
obrigação de manter uma equidistância entre o facto e quem se queixa. Depois,
para se avaliar o que está a ser feito deve ouvir os operadores no terreno, no
caso a Cáritas, a Câmara Municipal e as polícias.
Quem quiser apreciar com olhos de ver saberá
que razão do tráfico de droga ter aumentado no eixo Praça 8 de Maio, Terreiro
da Erva, Largo das Olarias, para além das várias crises social e económica, se
deve sobretudo a dois fatores: a desertificação de moradores na Baixa da cidade
e o ambiente decrépito e de escombros que se amontoa naquela zona. Tenham
atenção a estas duas premissas e os toxicodependentes deixarão de se fazer
notar –não desaparecerão por milagre, mas não darão tanto nas vistas. Acho também
que, sabendo todos que será escassa a família que pelo menos não tenha um
drogado no seu seio, era bom que não fôssemos todos tão egoístas e, como se
fosse um assunto dos outros, enterrássemos a cabeça na areia. Este problema de
gravíssimas consequências é para ser discutido com honestidade. Deixemo-nos de
tentar chutar a bola para canto. Pode ser?
HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES
“Foi
neste último sábado. Chovia a potes como se o Céu tivesse aberto as comportas.
Seriam para aí umas 15h00 quando comecei a atravessar o tabuleiro da Ponte de
Santa Clara. Como é costume, enquanto caminho, vou embrulhada em coisas minhas.
Ando sempre na Lua. Por isso mesmo nem é de admirar que nem desse pela passagem
de quem se cruzou comigo de guarda-chuva aberto e a pingar grossas e frias
gotículas. Deu-me para olhar para o meu lado esquerdo, para o gradeamento
contrário, como se procurasse o Parque Verde. Foi então que vi um vulto prestes
a saltar para o rio. Parei estática. Nem queria acreditar! Seria uma visão? Interroguei-me
naquela fração de segundos que medeia a inatividade e a correria. Sem conseguir
explicar racionalmente, sei apenas que dei por mim a agarrar o rapaz de cerca
de 30 anos e que poderia ser o meu filho. Enquanto ele repetia obsessivamente
“deixe-me morrer, quero morrer!”, eu, em borrifo, despejava palavras de alento para
cima dele que, por serem sem pensar, nem recordo. Olhava para todos os lados em
busca de uma ajuda que tardava, mas ninguém dava atenção à minha súplica. Foi
então que apareceu um homem e abraçou o rapaz pelo peito. Neste movimento
brusco o candidato a suicida escorregou e ficou suspenso sobre o rio. Eu e o
outro salvador rogávamos para o rapaz colaborar, caso contrário cairíamos os
três à água. Foi então que parou um autocarro e o condutor veio ajudar também e
conseguimos içar aquela vida prestes a desfazer-se nas águas lodosas do infinito.
Veio o INEM e levou-o. Sei que ficou internado em psiquiatria e que era a
segunda vez que se tentava matar. Salvamo-lo desta vez mas e até quando? Quando
cheguei a casa chorei, chorei, chorei! O que se passa com os nossos filhos?”
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FABULOSO CIDADÃO (2)
Depois de uma pausa para um café e um bolinho de coco no Mui Chocolate, na Rua da Gala, tão saborosos que até nos deixou
assarapantados, vou então prosseguir a minha conversa com o nosso arguto e carismático “Cidadão José
Dias”, como se apresenta oficialmente à comunidade coimbrã. Para me poupar,
e não vá eu cometer umas calinadas, quem vai desfiar o rol da sua vida, na
primeira pessoa, é o próprio. Fala “Cidadão”:
“Lá no teu boteco, contava eu que, em 1965, entrei para o curso de
Engenharia Eletrotécnica, na Universidade do Porto. Disse-te também que estes
cursos estavam alinhados na célebre alínea F –inicial de Fadista, como deves
calcular- e que era para onde iam parar todos os futuros Enstein’s –a
propósito, Luisinho, sabias que este mais famoso físico teórico alemão foi um
grande cábula nos estudos liceais? Não sabias? Pois! É para veres que a teoria
da relatividade, desenvolvida por ele, já era antes de o ser.
Prosseguindo, como te disse anteriormente, o meu pai era dirigente da Ação
Católica, Rural e Operária. Como era natural, também tive formação religiosa, e
era também praticante apostólico-romano. Disse-te também que desde o liceu que
era dirigente da JOC, Juventude Operária Católica –claro que os meus pais
sabiam. Então, na universidade acontecia uma coisa interessante: eu era o único
católico no meio de comunistas –talvez por isso, creio, nunca fui convidado
para integrar o partido. Mas o cerco ao meu segredo no seio da família começou
a apertar-se. Apesar de não pertencer ao Partido Comunista comecei a receber o
Avante, o jornal da foice e martelo. Ora o meu pai, que já deveria andar
desconfiado que o filho mais velho era a ovelha negra da prole, foi chamado
pelo diretor da Faculdade, Jaime Rios de Sousa, e confrontado com a verdade nua
e crua: o seu filho-varão andava no meio de comunistas. Imagino que, dito assim
de chofre, teria sido um choque. Sei lá quantas vezes o meu progenitor teria
feito o sinal da cruz. A partir da verdade descoberta, lá em casa, começou o
confronto direto e a intimação: “ou mudas de amigos ou mudas de casa!”.
Em 1968 vim para Coimbra. Como era dirigente da Associação Académica e católico,
fui acolhido sobre o manto do CADC, Centro Académico da Democracia Cristã, e
fui morar para a Rua Antero de Quental, no 83 e em frente ao Quartel General.
Vivi intensamente a crise académica de 1969 e em 1970, na pós-crise, fui
prevenido pela vice-reitora, Helena da Rocha Pereira, de que a PIDE andava à
minha procura. Agarrei na trouxa, fui para Lisboa e matriculei-me no Instituto
Superior Técnico, em Engenharia Civil. Aqui passei a integrar o Movimento
Católico Progressista. Em 1970, no escritório de Jorge Sampaio, conjuntamente
com outros camaradas, fiz parte da criação embrionária do MES –embora,
contrariamente à verdade, se afirme que este movimento de militantes do
catolicismo progressista só nasceu depois da Revolução dos Cravos. O tempo foi
passando e comecei a trabalhar no Ministério da Educação. Em 1973 a PIDE
prendeu alguns membros do MES. Um deles, sobre tortura, confessou que o Dias
(eu) era o responsável pela distribuição da propaganda e a Polícia
Internacional e Defesa do Estado tenta caçar-me. Entrei na clandestinidade e
passei a não permanecer muito tempo no mesmo sítio, entre Braga, Porto, Coimbra
e Lisboa, e até ao 25 de Abril de 1974. Reunia na clandestinidade com militares
como Melo Antunes. Foram eles que, na iminência do golpe militar correr mal, me
recomendaram que saísse do país. Fui a salto para Espanha, enquanto a minha
mulher foi a Bruxelas arranjar um passaporte falso. Já com o documento, fui
para Genebra, onde estavam à minha espera Medeiros Ferreira, o António Barreto
e outros, e pedi asilo político às autoridades suíças. Como, felizmente, correu
bem a intentona militar, regressei a Portugal. Fui funcionário e dirigente do
MES até 1977.
Em 1978 retornei a Braga e fui trabalhar para o Sindicato das
Costureiras e Alfaiates –como curiosidade, tinha 12 mil associados, onde só um
milhar eram homens filiados- exercendo a função de técnico sindical –fazia
formação nas empresas para delegados sindicais. Nesta cidade fui dirigente de
vários movimentos cívicos. Em 1982, na cidade dos arcebispos, fui para
funcionário da Agência Abreu como técnico de turismo. Em 1996 voltei a Coimbra
e fui trabalhar para o INATEL. Para além de técnico de turismo na ex-FNAT
–Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, de 1935 a 1974-, em programas
para seniores, fui dirigente da Organização Mundial de Turismo Social. Na
cidade dos estudantes integrei vários movimentos cívicos. Na comemoração do 25
de Abril de 2004, juntamente com António Arnaut, Gomes Canotilho, Almeida
Santos e outros, fui agraciado com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente
da República, Jorge Sampaio. Neste mesmo ano fui convidado para seu assessor
político. No final do seu mandato, em 2006, fui condecorado com a comenda da
Ordem do Infante D. Henrique –a mesma distinção que foi concedida a Ronaldo, o
C7, estás a ver? Com duas diferenças, vivo com uma pensão de pouco mais de mil
euros e a minha Irina quando olha para mim já só vê um homem cansado. Não achas
que já chega, Luisinho? Ai, é verdade, queres que te conte por que comecei a
juntar “Cidadão” ao meu nome? Eu conto. Sempre que, em Coimbra, entrava numa
livraria, porque me conheciam ou me apresentava como José Dias, era logo
tratado por Doutor José Dias. Outras vezes por professor. Tanto fazia eu alertar
que não era licenciado como não. Então, por causa das confusões, passei a
assinar “Cidadão José Dias”. Queres saber também para onde vou? Continuarei a
lutar por uma sociedade mais justa e equilibrada. Vai ser assim até não poder
mais. Estás a agradecer-me? Por gentileza, meu bom amigo! Foi um prazer!” –e
leva os dois dedos, em gancho, ao boné.
1 comentário:
Amigo:
Como as andanças aparentes do nosso sol levam o seu tempo, por aqui são só onze e meia da manhã! Acabo de tomar o meu pequeno almoço . Sei que é tarde, mas é Sábado e ontem fiz companhia à minha esposa, assistindo a dois filmes e como o frio lá fora é de rachar, 16 graus negativos estando abrigado e ao vento 21, nada como gozar umas horas extraordinárias entre as quentinhas agasalhadoras mantas!
E que pequeno almoço este foi! Este seu artigo tornou-o em algo especial! Transportou-me! Senti-me aí! Sentado, com a vossa licença, à mesa, daquelas com tampo de mármore que aqui não existem, dando pequenos tragos no meu café e sem me meter na conversa, escutando um descrever pachorrento de uma vida feita nobre, pela luta continua por aquilo em que se acredita e por ideais que acabaram por nos beneficiar a todos.
Gostei muito de conhecer o Excelentíssimo Cidadão José Dias, também eu o acho digno do título de professor pois tem muito a nos ensinar, e ao título de doutor pois foi grande e valiosa a tese que defendeu.
Muito obrigado por mo ter apresentado!
Muito boa tarde, também o é agora aqui e um abraço:
Álvaro José da Silva Pratas Leitao
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