sábado, 8 de fevereiro de 2014

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: OS NOSSOS BECOS DO CRACK" e "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FABULOSO CIDADÃO (2)".



REFLEXÃO: OS NOSSOS BECOS DO CRACK

 A notícia já tinha vindo plasmada no Diário de Coimbra (DC), do dia 27 do mês passado, com o título de primeira página: “Tráfico na Baixa está a desesperar moradores”. No interior do caderno duas residentes davam conta da sua impotência para resolver o problema que as afligia. Citando o DC, “Na opinião das moradoras, um dos pontos de atração do tráfico para o centro histórico está relacionado com o funcionamento do gabinete de apoio aos toxicodependentes da Cáritas Diocesana de Coimbra no Terreiro da Erva. Em tempos, chegaram a circular abaixo-assinados contra aquela unidade que, todavia, não surtiram qualquer efeito.”. No último domingo, dia 2 do corrente, no Jornal da Noite, foi a televisão SIC a pegar no mesmo assunto.
Como já vem sendo hábito, os moradores –e até alguns comerciantes- desvalorizam e culpam quem trabalha arduamente para tentar minorar este problema. Refiro obviamente as instalações da Cáritas e os seus técnicos que, num ambiente perfeitamente hostil e sem reconhecimento, dão o corpo ao manifesto para tentar evitar o mal maior. Porque já escrevi sobre este mesmo assunto, não vou perorar muito sobre a injustiça que recai sobre quem tanto se esforça para salvar vidas na ponta da navalha e tentar dar alguma segurança a quem se julga legitimamente com direito a tê-la –e na minha opinião, já que quem se deve importar não liga, fazem  muito bem em chamar a atenção publicamente através dos media para o efeito. O que não se pode é continuar é a morder a mão de quem tanto nos ajuda.
No dia a seguir, na Baixa, as conversas eram recorrentes em interrogação: “viste ontem a reportagem da televisão? Ó pá, isto está cada vez pior! Quem é que aguenta viver aqui? Por outro lado, não se viu lá, a prestar declarações, um vereador do executivo, nomeadamente o do pelouro, não se viu ninguém da PSP a dar a cara! Que peça tão pobrezinha! Até parece que a SIC só está interessada no alarme social”.
Quanto a mim, e afinando pelo mesmo diapasão, trabalhos televisivos como este da SIC são perfeitamente dispensáveis. Tem um efeito de deflagração mortífero para todos os envolvidos. Mata tudo à superfície e seca o que restar de vida no interior da terra –volto a aflorar o direito inalienável dos moradores à sua segurança. Na minha opinião, o canal de televisão não pode é ser instrumentalizado e, tal como aconteceu ontem, apenas parecer interessado nos conteúdos para chamar a atenção ao telespectador para o seu telejornal. Tal como qualquer meio de informação, e muito mais este meio audiovisual que gera um impacto maior na coletividade, tem obrigação de manter uma equidistância entre o facto e quem se queixa. Depois, para se avaliar o que está a ser feito deve ouvir os operadores no terreno, no caso a Cáritas, a Câmara Municipal e as polícias.
Quem quiser apreciar com olhos de ver saberá que razão do tráfico de droga ter aumentado no eixo Praça 8 de Maio, Terreiro da Erva, Largo das Olarias, para além das várias crises social e económica, se deve sobretudo a dois fatores: a desertificação de moradores na Baixa da cidade e o ambiente decrépito e de escombros que se amontoa naquela zona. Tenham atenção a estas duas premissas e os toxicodependentes deixarão de se fazer notar –não desaparecerão por milagre, mas não darão tanto nas vistas. Acho também que, sabendo todos que será escassa a família que pelo menos não tenha um drogado no seu seio, era bom que não fôssemos todos tão egoístas e, como se fosse um assunto dos outros, enterrássemos a cabeça na areia. Este problema de gravíssimas consequências é para ser discutido com honestidade. Deixemo-nos de tentar chutar a bola para canto. Pode ser?


HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES

“Foi neste último sábado. Chovia a potes como se o Céu tivesse aberto as comportas. Seriam para aí umas 15h00 quando comecei a atravessar o tabuleiro da Ponte de Santa Clara. Como é costume, enquanto caminho, vou embrulhada em coisas minhas. Ando sempre na Lua. Por isso mesmo nem é de admirar que nem desse pela passagem de quem se cruzou comigo de guarda-chuva aberto e a pingar grossas e frias gotículas. Deu-me para olhar para o meu lado esquerdo, para o gradeamento contrário, como se procurasse o Parque Verde. Foi então que vi um vulto prestes a saltar para o rio. Parei estática. Nem queria acreditar! Seria uma visão? Interroguei-me naquela fração de segundos que medeia a inatividade e a correria. Sem conseguir explicar racionalmente, sei apenas que dei por mim a agarrar o rapaz de cerca de 30 anos e que poderia ser o meu filho. Enquanto ele repetia obsessivamente “deixe-me morrer, quero morrer!”, eu, em borrifo, despejava palavras de alento para cima dele que, por serem sem pensar, nem recordo. Olhava para todos os lados em busca de uma ajuda que tardava, mas ninguém dava atenção à minha súplica. Foi então que apareceu um homem e abraçou o rapaz pelo peito. Neste movimento brusco o candidato a suicida escorregou e ficou suspenso sobre o rio. Eu e o outro salvador rogávamos para o rapaz colaborar, caso contrário cairíamos os três à água. Foi então que parou um autocarro e o condutor veio ajudar também e conseguimos içar aquela vida prestes a desfazer-se nas águas lodosas do infinito. Veio o INEM e levou-o. Sei que ficou internado em psiquiatria e que era a segunda vez que se tentava matar. Salvamo-lo desta vez mas e até quando? Quando cheguei a casa chorei, chorei, chorei! O que se passa com os nossos filhos?”


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FABULOSO CIDADÃO (2)

Depois de uma pausa para um café e um bolinho de coco no Mui Chocolate, na Rua da Gala, tão saborosos que até nos deixou assarapantados, vou então prosseguir a minha conversa com o nosso arguto e carismáticoCidadão José Dias”, como se apresenta oficialmente à comunidade coimbrã. Para me poupar, e não vá eu cometer umas calinadas, quem vai desfiar o rol da sua vida, na primeira pessoa, é o próprio. Fala “Cidadão”:
“Lá no teu boteco, contava eu que, em 1965, entrei para o curso de Engenharia Eletrotécnica, na Universidade do Porto. Disse-te também que estes cursos estavam alinhados na célebre alínea F –inicial de Fadista, como deves calcular- e que era para onde iam parar todos os futuros Enstein’s –a propósito, Luisinho, sabias que este mais famoso físico teórico alemão foi um grande cábula nos estudos liceais? Não sabias? Pois! É para veres que a teoria da relatividade, desenvolvida por ele, já era antes de o ser.
Prosseguindo, como te disse anteriormente, o meu pai era dirigente da Ação Católica, Rural e Operária. Como era natural, também tive formação religiosa, e era também praticante apostólico-romano. Disse-te também que desde o liceu que era dirigente da JOC, Juventude Operária Católica –claro que os meus pais sabiam. Então, na universidade acontecia uma coisa interessante: eu era o único católico no meio de comunistas –talvez por isso, creio, nunca fui convidado para integrar o partido. Mas o cerco ao meu segredo no seio da família começou a apertar-se. Apesar de não pertencer ao Partido Comunista comecei a receber o Avante, o jornal da foice e martelo. Ora o meu pai, que já deveria andar desconfiado que o filho mais velho era a ovelha negra da prole, foi chamado pelo diretor da Faculdade, Jaime Rios de Sousa, e confrontado com a verdade nua e crua: o seu filho-varão andava no meio de comunistas. Imagino que, dito assim de chofre, teria sido um choque. Sei lá quantas vezes o meu progenitor teria feito o sinal da cruz. A partir da verdade descoberta, lá em casa, começou o confronto direto e a intimação: “ou mudas de amigos ou mudas de casa!”.
Em 1968 vim para Coimbra. Como era dirigente da Associação Académica e católico, fui acolhido sobre o manto do CADC, Centro Académico da Democracia Cristã, e fui morar para a Rua Antero de Quental, no 83 e em frente ao Quartel General. Vivi intensamente a crise académica de 1969 e em 1970, na pós-crise, fui prevenido pela vice-reitora, Helena da Rocha Pereira, de que a PIDE andava à minha procura. Agarrei na trouxa, fui para Lisboa e matriculei-me no Instituto Superior Técnico, em Engenharia Civil. Aqui passei a integrar o Movimento Católico Progressista. Em 1970, no escritório de Jorge Sampaio, conjuntamente com outros camaradas, fiz parte da criação embrionária do MES –embora, contrariamente à verdade, se afirme que este movimento de militantes do catolicismo progressista só nasceu depois da Revolução dos Cravos. O tempo foi passando e comecei a trabalhar no Ministério da Educação. Em 1973 a PIDE prendeu alguns membros do MES. Um deles, sobre tortura, confessou que o Dias (eu) era o responsável pela distribuição da propaganda e a Polícia Internacional e Defesa do Estado tenta caçar-me. Entrei na clandestinidade e passei a não permanecer muito tempo no mesmo sítio, entre Braga, Porto, Coimbra e Lisboa, e até ao 25 de Abril de 1974. Reunia na clandestinidade com militares como Melo Antunes. Foram eles que, na iminência do golpe militar correr mal, me recomendaram que saísse do país. Fui a salto para Espanha, enquanto a minha mulher foi a Bruxelas arranjar um passaporte falso. Já com o documento, fui para Genebra, onde estavam à minha espera Medeiros Ferreira, o António Barreto e outros, e pedi asilo político às autoridades suíças. Como, felizmente, correu bem a intentona militar, regressei a Portugal. Fui funcionário e dirigente do MES até 1977.
Em 1978 retornei a Braga e fui trabalhar para o Sindicato das Costureiras e Alfaiates –como curiosidade, tinha 12 mil associados, onde só um milhar eram homens filiados- exercendo a função de técnico sindical –fazia formação nas empresas para delegados sindicais. Nesta cidade fui dirigente de vários movimentos cívicos. Em 1982, na cidade dos arcebispos, fui para funcionário da Agência Abreu como técnico de turismo. Em 1996 voltei a Coimbra e fui trabalhar para o INATEL. Para além de técnico de turismo na ex-FNAT –Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, de 1935 a 1974-, em programas para seniores, fui dirigente da Organização Mundial de Turismo Social. Na cidade dos estudantes integrei vários movimentos cívicos. Na comemoração do 25 de Abril de 2004, juntamente com António Arnaut, Gomes Canotilho, Almeida Santos e outros, fui agraciado com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. Neste mesmo ano fui convidado para seu assessor político. No final do seu mandato, em 2006, fui condecorado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique –a mesma distinção que foi concedida a Ronaldo, o C7, estás a ver? Com duas diferenças, vivo com uma pensão de pouco mais de mil euros e a minha Irina quando olha para mim já só vê um homem cansado. Não achas que já chega, Luisinho? Ai, é verdade, queres que te conte por que comecei a juntar “Cidadão” ao meu nome? Eu conto. Sempre que, em Coimbra, entrava numa livraria, porque me conheciam ou me apresentava como José Dias, era logo tratado por Doutor José Dias. Outras vezes por professor. Tanto fazia eu alertar que não era licenciado como não. Então, por causa das confusões, passei a assinar “Cidadão José Dias”. Queres saber também para onde vou? Continuarei a lutar por uma sociedade mais justa e equilibrada. Vai ser assim até não poder mais. Estás a agradecer-me? Por gentileza, meu bom amigo! Foi um prazer!” –e leva os dois dedos, em gancho, ao boné.

(Pode ler a primeira parte do artigo aqui -clique em cima)

1 comentário:

Super-febras disse...

Amigo:

Como as andanças aparentes do nosso sol levam o seu tempo, por aqui são só onze e meia da manhã! Acabo de tomar o meu pequeno almoço . Sei que é tarde, mas é Sábado e ontem fiz companhia à minha esposa, assistindo a dois filmes e como o frio lá fora é de rachar, 16 graus negativos estando abrigado e ao vento 21, nada como gozar umas horas extraordinárias entre as quentinhas agasalhadoras mantas!
E que pequeno almoço este foi! Este seu artigo tornou-o em algo especial! Transportou-me! Senti-me aí! Sentado, com a vossa licença, à mesa, daquelas com tampo de mármore que aqui não existem, dando pequenos tragos no meu café e sem me meter na conversa, escutando um descrever pachorrento de uma vida feita nobre, pela luta continua por aquilo em que se acredita e por ideais que acabaram por nos beneficiar a todos.
Gostei muito de conhecer o Excelentíssimo Cidadão José Dias, também eu o acho digno do título de professor pois tem muito a nos ensinar, e ao título de doutor pois foi grande e valiosa a tese que defendeu.
Muito obrigado por mo ter apresentado!

Muito boa tarde, também o é agora aqui e um abraço:
Álvaro José da Silva Pratas Leitao