LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: A LIÇÃO QUE NÃO SE APRENDE" e "NAMORAR A VIDA"; e "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O ARDINA"; e "PARABÉNS AO VICTOR".
REFLEXÃO: A LIÇÃO QUE NÃO SE APRENDE
Encerrou a semana passada o café “Mui
Chocolate, na Rua da Gala. Abriu portas em final de Agosto do ano transato. Passados
cinco meses, Leonor Prazeres, a investidora do negócio, depois de apostar forte
em obras, máquinas e decoração, perante o pouco movimento de transeuntes na
Baixa, viu-se obrigada a claudicar agora. Quando falei com esta senhora, numa
reportagem que fiz para este jornal, era bem patente o seu otimismo: “Estou na meia-idade, naquela altura de balanço
existencial em que uma pessoa dá por si a interrogar-se sobre o que fez até
agora, o que faz neste momento, e o que quer fazer no futuro. Há quem diga que
esta catarse toca todos. O problema será conseguirmos dar resposta. O medo de
tomar decisões toma-nos de assalto e condiciona-nos na inação. Eu era
secretária de direção numa empresa na cidade há cerca de duas décadas. Estava
portanto empregada. Há muitos anos que me deitava embrulhada no sonho de ter um
negócio meu e acordava com a mesma pergunta: quando vais ser capaz de ser capaz
de dar o salto, Leonor?”
Ora, apesar
de provavelmente ter conseguido passar o seu café, perante esta evidência, está
de ver que este sonho, mais que certo, se tornou num pesadelo de terror, de consequências
imprevisíveis. Gostaria de ressalvar que, com este texto, não pretendo de modo
nenhum julgar a proprietária do encantador estabelecimento –sem favor estava
primoroso e tinha um serviço espetacular. Falhar é humano e só não erra quem
nada arrisca como a Dona Leonor, que aproveito para lhe enviar um grande abraço
pela coragem que sempre demonstrou. O que gostaria de chamar a atenção pública
–e já escrevi imensos textos sobre este assunto- é sobre o modo facilitista,
quase de encantamento cego, como qualquer um, sem se informar previamente,
julgando que está a fazer bem, o melhor, pode sair afetado, quer no campo
psicológico, financeiro –porque sai pior do que entrou- e sobretudo familiar. É
urgente alertar –e este trabalho de sensibilização deveria caber por inteiro à
Câmara Municipal de Coimbra, sempre que possível, na altura do pedido de
informações no Atendimento- que qualquer ator, pouco preparado e
mal informado, que entre num filme destes, de enredo mercantil onde a
desertificação e a escassez de procura marcam a história, pode ficar ferido
para o resto dos seus dias. Repare-se que a renda descrita desta senhora era de
200 euros, o que quer dizer que, contrariamente ao que escrevi anteriormente
noutras crónicas, o custo fixo do “aluguer” já não é o principal óbice
ao sucesso de um qualquer empreendimento comercial. Tomai muita atenção! A
Baixa precisa de novos investidores, de novos negócios como de pão para a boca,
mas dispensa as desgraças que possam vir adicionar a outras que por cá estão.
Tratemos o insucesso comercial com o mesmo respeito que um combatente mereceu ao
lutar por nós e que sucumbiu no campo de batalha. Porém, em nome de uma moral
tantas vezes esquecida pelo nosso egoísmo comum, alerte-se e evite-se novas
tragédias.
NAMORAR A VIDA
Na próxima sexta-feira, 14 do corrente, comemora-se
o Dia de Namorados. Num tempo em que tanto se fala de amizade e de amor parece
quase paradoxal ter de haver uma data para nos lembrar de que é preciso
praticar a afeição e o dar-se ao
outro. Com a proliferação das redes sociais banalizou-se completamente a
amizade –do latim amicus, amigo, cujo
étimo teria derivado de amore- e,
quem sabe por arrastamento histórico, aconteceu a mesma futilidade ao afeto
genuíno. Hoje, falar em amor tornou-se uma vulgaridade. O que deveria ser um
sentimento de convulsão pura, leve e de sensação inconsciente, onde ressaltava
a afeição e o altruísmo como chaves universais do mundo relacional, passou a
ser uma mera alavanca sem substância com propósito bem definido. O amor petrificou
e materializou-se. Transformou-se no meio
e fim para chegar à posse. Meio porque através da sua palavra
proferida, numa sociedade isolacionista e solitária, individual e vazia, serve
de ponte entre o emissor calculista e o recetor ansioso por carinho. Fim porque passou a ser o objeto a querer
alcançar sem princípios custe lá o que custar. Depois de conquistada a presa
passou a ser troféu do conquistador. Talvez esta minha teoria explique as 38
mortes de mulheres, no ano passado, por violência doméstica –ou foi por amor?
É preciso
libertar o amor. Dar-lhe a carta de alforria, talvez perdida no último
meio-século. O bem-querer é um fluido invisível, a tal chama que arde sem se ver, como nos deixou Camões em testamento, ou
lição aos vindouros. Neste dia internacional do namoro ofereçamos uma flor a
quem estiver mais próximo do nosso coração e aos outros, a quem passa por nós,
um sorriso de simpatia. O amor verdadeiro agradece.
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O ARDINA
Desde há cerca de dois anos que, todas as quintas e
sextas-feiras, dando mais vida ao Centro Histórico se faz ouvir pelas ruas da
Baixa. À quinta o seu grito inconfundível ecoa pelos becos e ruelas: “olha o Campeão! Traz as últimas frescas e
boas!”. No antepenúltimo dia da semana, à sexta, o seu pregão é
inconfundível: “Olha O Despertar! Lê-se há
um século sem nunca cansar!”
Quem é este homem, de educação
esmerada e uma gentileza notada, que invadiu o nosso espaço urbano trazendo à
nossa memória uma profissão que se julgava extinta? Posso adiantar que este “self made man”, que se fez sozinho nos
caminhos da vida e aprendeu os sete
ofícios que hão-de garantir a sua sustentabilidade, dá pelo nome de Vitor
Costa. Mas quem nos vai contar um pouco da sua história é ele mesmo. Vamos lá,
Vitor! Despeja aí o saco:
“Nasci em Lisboa, no Intendente, decorria o
ano de 1962. Na Capital fiz a escola primária, hoje básica, até que quando
conclui o ensino os meus pais emigraram para a Alemanha e fiquei com a minha
avó, que era natural de Malhada do Rei, em Pampilhosa da Serra. Em 1975, pela
sua mão, fomos viver para esta bonita terra do Pinhal Interior Norte. Como
sempre tive queda para as artes plásticas, enquanto estive em Lisboa, desde
muito cedo, frequentei a antiga Escola do Ultramar, no Campo Grande, e aprendi
a misturar as tintas na paleta. Em 1986, com 24 anos, peguei na minha mala de
cartão e fui à procura de um novo mundo, no outro lado do globo, na Austrália.
Durante quase uma década, por lá, fui pintor da construção civil. Em 1995
regressei a Portugal e fui viver para a Lousã. Em 1998 fui para a Suíça. Entre
motorista e pintor passei neste país helvético 14 anos. Há dois anos regressei
novamente à terra que deu origem ao Licor Beirão. Desde essa altura que, apesar
de estar sempre ocupado nos meus restauros vários em madeira e cerâmica e a
pintar telas, continuo desempregado –fiz uma grande exposição de pintura no
Museu de Pampilhosa da Serra. Podes crer, conheces-me e sabes que não tenho a
mania de que sou artista, ponho a mão a qualquer coisa. Sou uma pessoa humilde.
Com facilidade, adapto-me a qualquer situação. Preciso é de trabalhar! Pinto
casas, muros e o que aparecer, ou pequenos trabalhos de carocas. Nunca digo que
não. Faço parte de uma geração que não se pode ver inativa.
Esta minha experiência de ardina, que começou na venda d’O Despertar,
está a ser muito rica. Contacto com todas as classes de pessoas. Sinto-me muito
bem a fazer o que faço. Podes achar que é vaidade mas, sobretudo quando os
turistas me pedem para tirar uma fotografia e para eu assinar o jornal para
levarem como recordação, sinto-me importante. Uma figura típica da Baixa de
Coimbra. Parece-me que sou o único ardina em exercício no país. Segundo me
disseram uns espanhóis há dias, ao que parece, há apenas um a operar em Madrid.
Muito obrigado por deixares que eu seja a notícia dentro da notícia. É giro não
é?”
PARABÉNS AO VICTOR
Na semana passada, na Rua das Padeiras
ouviu-se um coro afinado a cantar “Parabéns a você”. Tratava-se de uma pequena
homenagem dos vizinhos ao Victor Espírito Santo, da Sapataria Pessoa, por ter
feito 59 anos -já agora, aproveitando a oportunidade, desejemos todos também parabéns
e muitas felicidades ao nosso vizinho e bom amigo. A Clara, a esposa, perante
aquela manifestação de carinho de quem lhes quer bem, não disfarçava um sorriso
de contentamento em forma de sol primaveril. Pela sua cordialidade e
camaradagem, deveria escrever muito mais sobre o Victor Espírito Santo, e que
há mais de quatro décadas nos faz companhia nestas ruas estreitas onde os dias de
chuva teimam em se alongar neste inverno que se eterniza e nos fragiliza a alma,
mas vou ficar somente nas suas curtas frases: “encaro sempre o futuro com esperança. Dou graças a Deus por ter saúde
e todos os meus e tão bons amigos. Que hei-de querer mais?”
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