Para além de todos os dias espetar os olhos na mais
linda pérola arquitectónica da Baixa e em solilóquio, cá com os meus botões,
maldizer o seu estado de semi-abandono, com o tempo fui acreditando que um
destino de utilidade turística lhe estaria reservado. Escrevo sobre a Casa Medieval, construída com paredes de
“enxaimel” –técnica ancestral constituída por tirantes de madeira entrelaçada que
suportam pedras ou tijolos e ligados por barro, na antiguidade. Este ícone da
nossa monumentalidade possui pisos de sobrado e com loja no piso térreo destinada
ao mester da época remota. De propriedade particular, o prédio está implantado
na confluência das Ruas Sargento-mor, dos Gatos e Adro de Cima. Uma parte do
imóvel, provavelmente a original, normalmente esteve sempre encerrada até agora.
Na outra parte, talvez a que ao longo dos séculos foi sendo modificada, está
uma das mais lindas lojas de artesanato da Baixa, a “Casa Anita”.
Há dias chamou-me a
atenção o facto de a parte de construção mais antiga ter as portas abertas e
sobre as janelas, duas capas pretas académicas, em formato de avental, esvoaçarem
ao vento. Junto à porta de entrada, com pouco mais de um metro de altura, uns
cartões miniatura, de visita, apresentavam o novo inquilino em forma de projecto:
“Go! Walks” – Percursos Pedonais”. Subi as escadas. Lá ao cimo estava uma mulher linda. Interroguei: o que é
isto?
“Chamo-me Sara Cruz e sou o rosto humano desta nova sede de uma empresa
Unipessoal, turística, a Go! Leisure & Heritage, que já existe desde Julho
de 2012 –embora até agora estivesse situada em minha casa. Juntamente com colaboradores,
nestes quase dois anos e no dia-a-dia, estivemos sempre no Largo da Portagem
debaixo de um chapéu e com bandeirinhas de sinalização. O objecto da minha
empresa é apresentar a turistas nacionais ou estrangeiros, em grupo ou
individualmente, percursos pedonais a quem nos contratar para mostrar a cidade em
toda a sua monumentalidade no que está acima do olhar comum e abaixo do
conhecimento linear. Sou licenciada em turismo pela Universidade de Coimbra. A
ideia surgiu-me depois de fazer o estágio profissional numa empresa sediada no
Centro Histórico, e também no ramo turístico, e verificar que havia uma lacuna
na forma de dar a conhecer a urbe a quem nos visita. Felizmente está a correr
muito bem. Agora estamos na época baixa, mas a partir de Abril começarão a
surgir muitos turistas. Por enquanto não se nota muito os efeitos da declaração
de interesse mundial consagrada pela UNESCO. O visitante individual ainda não sabe. Há um
grande esforço a fazer. Sem falsa modéstia, sei que o meu trabalho, para além
de dignificar o turismo, é muito importante. Sei muito bem que um bom guia
turístico pode transformar completamente a ideia de cidade de quem nos visita.
Somos nós que a “vendemos” ao mundo, em amostra de palavras de amor e carinho.
Surgiu agora a oportunidade de me instalar aqui neste encantador espaço
medieval, que é propriedade de familiares do meu marido. Com o pouco que tenho
e sem alterar nada do existente, pintando e limpando, tento dar utilidade a
esta fracção que estava encerrada. Gostava de sentir mais apoio por parte da
edilidade mas, infelizmente, não sinto. Continuo à espera de ser recebida pela
vereadora do turismo da Câmara Municipal. Até na colocação de uma placa ali ao
cimo das escadas do Gato, a indicar esta edificação medieval, tem sido de uma
dificuldade imensa. É tudo tão difícil!”
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