Esta semana, na quarta-feira, os jornais
Diário as Beiras e Diário de Coimbra traziam à estampa a notícia do prédio
camarário, de quatro andares, que está em vias de ruir. Devido às intensas
chuvas que têm caído nos últimos dias começou a soltar-se caliça para a via
pública. Segundo as declarações de um dos vizinhos, com quem falei “Foi há cerca de 13 anos, já no tempo de
Encarnação (ex-presidente da Câmara Municipal), que os moradores foram
realojados e o edifício ficou vazio e a apodrecer. Ao longo destes anos, eu e
outros confinantes, fizemos várias chamadas de atenção para a edilidade e nunca
passaram importância ao assunto. Comuniquei para a proteção Civil e a mesma
coisa! Foi então que, esta semana, comecei a temer pela minha vida. Peguei no
telefone, liguei para o Diário de Coimbra e para o Diário as Beiras e disse
para a minha mulher: vais ver se isto agora vai ou não vai! O Machado não tem nada
a ver com isto, não quero prejudicá-lo, mas esta situação não pode continuar!”
O Diário de Coimbra, do
dia seguinte, de quinta-feira, na primeira página, anunciava: “Prédio no Largo do Romal será demolido”. No
interior do caderno, “A Câmara Municipal
de Coimbra decidiu demolir “o mais rapidamente possível” o prédio degradado no
Largo do Romal (…). (…) Ainda assim, as vistorias técnicas concluíram que não
havia risco de ruir.”
Hoje, sexta-feira, dois dias depois
da bomba ter rebentado, portanto, era
visível a azáfama na montagem de andaimes junto ao monumento da incapacidade e
desleixo da coisa pública. De
salientar que nas traseiras deste agora anunciado desastre está um outro prédio
em igual estado ou pior e também em risco de capitular.
Passando por cima da incúria, da obrigação, e
sobretudo o exemplo, da autarquia recuperar o que é seu (nosso) e servir de
motor auxiliar para a revitalização da Baixa, vou focar-me essencialmente na
decisão de demolir o prédio. Mesmo sem as declarações técnicas de que não
oferece perigo elevado de cair –o que, em boa verdade, não é fiável de todo,
basta lembrar a queda de dois edifícios na Rua dos Gatos, em 2006, depois de
ser assegurado por especialistas da edilidade de que não cairia- há um pormenor
que salta à vista: por que razão se vai demolir um imóvel centenário no Centro
Histórico? Em nome do novo tudo é
justificável? Mais ainda, sendo esta parte velha qualificada como zona de proteção
na classificação de Património Mundial da UNESCO, como é que se pode entender
que se opte pela substituição do velho
pelo novo? –Aliás, ao que parece, a
declaração de interesse mundial obriga a que não se possam fazer demolições nas
áreas classificada e protegida. Alguém consegue conceber que, num qualquer
museu, se troque um prato “aranhões”,
do século XVII, meio esbeiçado e com cabelo, por uma cópia de faiança recente?
E ainda mais, do ponto de vista da racionalidade económica, será que fica mais
barato demolir e reconstruir de novo ou restaurar o velho e mantendo as traças
originais, interiores e exteriores?
Dá que pensar esta quase obsessão pelo
camartelo. Será que o espírito de Salazar andará por aqui à solta? Tudo teria
começado com a destruição da velha Alta, entre as décadas de 1940 e 1950. A
seguir foi aqui na Baixa, através do bota-abaixo,
no início de 1960, para dar início à idealizada avenida central. Em nome deste malfadado projecto, agora atrelado ao
Metro Ligeiro de Superfície, em 2006 desconstruiu-se mais umas partes
importantes de casario habitacional, comercial e de serviços.
Impressiona de sobremaneira a constatação de
que não há um plano diretor para a Baixa da cidade. Salvo melhor opinião, ninguém
tem ideia nenhuma do que se pretende. Num espaço que deveria ser tão rico em várias
áreas, turística, comercial, serviços, hotelaria, o que se apreende? Que não
passa, simplesmente, de uma manta de retalhos onde se fazem remendos atamancados,
aqui, ali, e outros acolá. É preciso gritar bem alto: o declínio e a tristeza
que se apanha às mãos cheias nestas
ruas de solidão, sem cor, sem odor, sem brilho, são o resultado aritmético, das
últimas décadas, de políticas que nunca tiveram em mente o superior interesse
do seu progresso e muito menos o respeito pela história da cidade. O que esteve
sempre em causa foi o marear ao sabor do vento e ao alcance de conveniências
pessoais e eleitorais de políticos carreiristas. A urbe foi sempre utilizada
como extensão das suas ambições desmedidas, onde primou sempre o livre arbítrio
do eleito e sem ouvir as partes interessadas.
A Baixa de Coimbra é uma zona de
calamidade social eminente. Em prédios a cair de podre –muitos deles
propriedade da autarquia-, só por sorte não há vítimas a lamentar. É uma superfície
urbana onde por de trás das fachadas decrépitas ou aparentemente consolidadas
se movem vidas em apego pela sobrevivência. É uma espécie de microcosmo de
seres vivos que, procurando não submergir, se entrelaçam em teias que visam somente
a salvação. Tal como se escreve no princípio do texto, só se acorda quando há
perigo elevado de se ser soterrado. Nesta altura, esquece-se os amigos
políticos, que podem dar um jeito e não convém hostilizá-los, e pede-se a
intervenção de todos os santos da terra, da imprensa escrita e falada, e do Céu
para que venham todos a correr para nos salvar. Deus, Nosso Senhor, nos acuda
para tanta inépcia!
2 comentários:
Em tambem muito mau estado está a Casa das Talhas na Rua Fernandes Tomás, cuja proprietária é nada mais nada menos que a Camara Municipal.
Obras ...nada.
Quanto à Casa das talhas esteve-se à espera de arranjar financiamento para a obra, uma vez que fruto da quantidade de achados arqueológicos relevantes no referido edificado, será uma reabilitação de valor elevado. A obra irá iniciar-se este ano sem falta.
Cumprimentos
Sidónio Simões
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