(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
“Em
verdade e consequência, porque
estamos todos encadeados,
num
processo incessante de pescadinha de rabo-na-boca,
as
lojas foram encerrando por falta de moradores-consumidores
e
à medida que foram fechando, levando atrás de si milhares de
empregados,
fomos assistindo devagarinho
ao empobrecimento
da
maioria e
ao desaparecimento paulatino
mas
certo
de
todos.
Naturalmente
que,
causado por esta desertificação comercial e habitacional,
aumentou
o consumo de droga e o sentimento de
insegurança
nos seus frequentadores.”
Como
escrevi antes-de-ontem aqui, alguém se deu ao trabalho de
anonimamente,
durante a noite anterior, colocar nas brechas das portas dos
estabelecimentos um pequeno recorte onde, sobre o título “A
Baixa está de luto”,
perorava sobre o estado lastimoso do Centro Histórico. E terminava a
missiva com “Comerciante
desesperado”.
Provavelmente,
as primeiras interrogações que nos atravessam serão: Quem é o
autor? Por que o fez na qualidade de anónimo? Que razões subsistem
para legitimar a sua condição?
Antes
de entrar directamente nas respostas, vou fazer uma introdução
alargada que, de certo modo, consubstanciam em parte uma explicação. E começo com uma frase que bem poderia ser atribuída a “La
Palisse”: os comerciantes actuais (no qual me incluo), para
o bem e para o mal, são o resultado de uma degradação acentuada do
Centro Histórico. Verdade ou mentira? E se invertermos as
premissas e escrevermos o contrário? Isto é, a Baixa actual é o
resultado de uma degradação acentuada dos comerciantes.
Podia,
lá isso podia, mas, para além de ser falso, não era a mesma coisa
para o que pretendo defender. Como já escrevi em largas dezenas de
textos no blogue, falando concretamente de Coimbra, o esvaziamento da
zona antiga começou com a abertura das grandes superfícies, a Makro
e o Continente, em 1993 – e continuou nos anos seguintes, até
hoje, com o licenciamento de novas grandes áreas comerciais – mas
não só. Também não se pode escamotear a incapacidade do mercado de rua se adaptar a novos horários praticados pelo grande comércio. Houve ainda outras razões que contribuíram para a sua queda
económica.
Convém
salientar que até aqui, princípio de 1990, todo o retalho multi-sectorial estava centralizado nesta área comercial instalada a céu
aberto. Para Coimbra, considerada a capital do Centro, confluía toda
a população entre Aveiro e Leiria.
OUTROS
FACTORES EXÓGENOS
Por
esta altura, a concorrer para o esvaziamento das zonas velhas das
urbes, sistematizando ao país, o abandono do sector primário
imposto pela então CEE, Comunidade Económica Europeia, e seguido à
letra pelos governos de Cavaco Silva, como única saída possível,
empurrou muitos milhares de pessoas para o comércio de rua. Com este
forçado êxodo de agricultores, abrindo pontos de venda em tudo o
que era vila e cidade, descentralizou-se a oferta.
Mais:
em 1994, com uma indústria nacional frágil, Portugal aderiu à
Organização Mundial do Comércio e escancarou as portas à entrada
de produtos asiáticos. Nesta onda consumista de produtos sem grande
qualidade, surgiram as “Lojas dos 300”. Por força do
baratismo, começou o extermínio de um leque alargado de
fábricas nacionais. Como exemplo, a fabricação de ferramentas,
fechaduras, guarda-chuvas. Mais tarde, na primeira década do novo
milénio, passaria aos têxteis. A seguir, no segundo assalto ao que sobrou, vieram as lojas de comerciantes chineses com utilidades domésticas e roupas, e a influenciar o aumento de rendas.
No
que toca ao ramo alimentar, com políticas de preços de
terra-queimada, o grande retalho rebenta completamente com a pequena
mercearia de bairro. Hoje monopoliza completamente o sector.
Por
outro lado, o rendimento das famílias foi caindo cada vez mais por
força do aumento dos impostos directos e indirectos. Com a dívida
pública a aumentar assustadoramente – em 1974 era 14% do Produto
Interno Bruto (PIB), em 1995 andava pelos 95%, em 2012 somava 120% e
em 2015 atingia a proximidade dos 130%.
Convém
referir também a dívida privada que, por força de incentivos
públicos -nomeadamente os juros bonificados à compra de casa -,
entre 2000 e 2008 cresceu exponencialmente e deixou a parentada
completamente vulnerável e sem reacção à crise mundial do
subprime.
Por
outro lado ainda, José Sócrates, a partir de 2005, num exacerbado
neo-liberalismo que iria ter seguidor no governo de Passos Coelho,
tende a liberalizar a Lei dos Saldos. Ficou a porta aberta às
promoções nos shopping’s durante todo o ano, exercício na
maioria das vezes de “dumping” que iria fazer desaparecer
muitos sectores representados em pequenas lojas por este Portugal
fora. Os exemplos são vários, mas lembremos as livrarias, os
bazares de brinquedos, e as lojas de electrodomésticos, ferragens e
outros. Estava em marcha o ciclone "adeus comércio de rua".
Uma
outra ameaça quase invisível, entre constatações e paradoxos, que se tornará viral e destrutiva do
tradicional, começava dar os primeiros passos: o comércio
electrónico.
Por
conseguinte, sempre em nome do interesse maior do consumidor e numa
alegada democratização de acesso aos bens, paulatinamente fomos
assistindo a vários movimentos contrários ao equilíbrio do pequeno
comércio. Entre si, foram diminuindo a procura e alargando a oferta
de produtos cada vez de pior qualidade mas de preço mais acessível.
É
um princípio da Economia que, mesmo se a procura se mantiver
estabilizada, quando a oferta aumenta os preços caem a pique.
Portanto, a partir de 2000 a economia entra num ciclo de recessão.
Por força das circunstâncias, perde-se o princípio de ganhar o
mais possível na transacção para se perseguir somente a
sobrevivência vendendo com as margens de lucro próximo do vermelho.
Os
preços, por força de uma concorrência feroz, começam a cair para
nunca mais pararem e geram uma deflação contínua – venda dos
produtos ao consumidor sem provento e gerando falências em
série – excepto os produtos essenciais detidos em oligopólio
(com poucas empresas a comercializarem o mesmo), como é o caso dos
combustíveis, electricidade, comunicações e outros.
MAS
FALEMOS DA BAIXA…
Incidindo
mais propriamente na Baixa de Coimbra, que é o que nos interessa de
sobremaneira, com uma oferta de habitação muito degradada e
insalubre por força de um congelamento de rendas de décadas de más
políticas governamentais e com habitantes muito envelhecidos, o
parque habitacional não se renovando continuou em declínio. Já se
sabe que, como na Natureza, para haver harmonia social é preciso
haver um ecossistema a funcionar um pleno.
Em
verdade e consequência, porque estamos todos encadeados, num
processo incessante de pescadinha de rabo-na-boca, as lojas foram
encerrando por falta de moradores-consumidores e à medida que foram
fechando, levando atrás de si milhares de empregados, fomos
assistindo devagarinho ao empobrecimento da maioria e ao
desaparecimento paulatino mas certo de todos. Naturalmente que,
causado por esta desertificação comercial e habitacional, aumentou
o consumo de droga e o sentimento de insegurança nos seus
frequentadores.
É
certo que a classificação da UNESCO, em 2013, catalogando Coimbra
Alta e Sofia como Património Mundial da Humanidade, embora
distorcido no seu objecto por falta de planeamento camarário, foi um
alento importante no sector turístico que, tal como o todo nacional,
por arrastamento envolveu o aumento de transacções no imobiliário
e fez crescer assustadoramente o número de hotéis na cidade, o
alojamento local e também os cafés e restaurantes na Baixa – este
fenómeno, apesar de ser notório o excesso de oferta, continua em
velocidade de cruzeiro.
Mas
como nem tudo são rosas, esta invasão de turistas trouxe consigo
uma inflação desenfreada, sobretudo, nas rendas comerciais. Valores
entre 3000 euros e 5000 euros passam a ser normais numa cidade de
serviços, sem caudal industrial onde o emprego escasseia e a
perder, desde há vários anos, milhares de habitantes na sua população. A cidade fica sem identidade e as ruas ficam vazias de estabelecimentos que, durante muitas décadas, foram parte integrante na sua alma, no colorido e na sua animação.
Resultado:
já muito fragilizado pelo que vinha de trás, o comércio de rua
está completamente vulnerável, exposto e sem defesas para qualquer
ataque, e sem forças para respirar. Somente falando de 2013 para cá,
já teriam encerrado cerca de duas centenas de pontos de venda, entre
eles muitas casas centenárias. A média actual de vivência de um
estabelecimento comercial é de um ano.
A
questão que se coloca é: estando o fluxo turístico a diminuir, o
que vai acontecer à Zona Histórica se o gráfico continuar a
inclinar-se? Vale a pena pensar nisto, enquanto é tempo?
…E
TAMBÉM DOS POLÍTICOS DE MÁ MEMÓRIA
No
período de 1993 a 2001, presidindo à Câmara Municipal Manuel
Machado, e entre 2001 e 2013, com Carlos Encarnação e Barbosa de
Melo, e entre 2013 e 2019, liderando novamente Manuel Machado, a
cidade dos estudantes não teve governantes que olhassem para o
futuro da Baixa. Quaisquer destes, limitaram-se a marear à bolina,
navegando sem riscos perto da costa, e cada um deles – com maior
agravo para Machado – quase em confisco, a tentarem esmifrar o mais
que podiam os mercadores. Estes políticos, que não deixam história,
olharam sempre os comerciantes como fonte de receita inesgotável e
não como agentes de transformação necessários e importantíssimos
neste lugar histórico.
No
caso presente de Manuel Machado, tratando os operadores da Baixa como
o burro espanhol, sempre
a colocar-lhe mais carga no lombo,
numa
altura em que o turismo já apresentava sinais de saturação e
implícita inclinação
de queda,
em Janeiro de 2016, de uma assentada aumentou desmesuradamente
a ocupação de espaço público. Até aqui gratuito, passou a cobrar
2 euros por metro quadrado de apropriação
de esplanadas. Bem como cavaletes indicativos de ementas e outras
informações de
cadastro comercial,
que até aí tinham
um custo de 10 euros por ano, passou a
custar
145 euros.
A
ocupação de vitrines nas paredes dos comércios, toldos, reclames e
bancas junto
das frontarias
seguiram
o mesmo índice
de
encargo.
Basta atentar-se nas fachadas dos tão pitorescos comércios para se
verificar o desadornado da maioria deles.
Para
se evitar mais um custo fixo,
a
solução
foi desarmar para não pagar. O que sobrou nos que resistem à
investida, nos dias que decorrem, constata-se uma perseguição
implacável a todos os que persistirem na vontade de manterem uma
zona emblemática, um
postal turístico peculiar
e
sui
generis.
Mesmo
sendo agnóstico, sem Deus e todos os Santos a ajudarem, Machado,
antes de deixar o cadeirão do poder, por
implícita promessa, parece jurar que vai
rebentar com todos os vendedores com
loja física.
Há pequenas excepções, mas poucas.
Num
aparente ódio de estimação, até ao último cêntimo, o político
de que escrevo, e
há-de ficar na história conhecido por “O
Exterminador Implacável”,
só descansa quando todos trancarem
portas por insolvência.
Até porque, compreende-se, alguém vai ter de pagar as verbas
atribuídas a tudo o que é agremiação
no concelho de Coimbra e outros, como a dádiva de 150 mil euros para Moçambique.
COMERCIANTES
PERDIDOS
Com
uma classe comercial, órfã de pai e mãe, desmotivada e abandonada
à sua sorte, os mercadores, perdidos e sem orientação, não sabem
o que fazer à vida. Contrariamente ao que seria suposto mas nem
admira, ninguém contesta uma decisão camarária, poucos lêem um
regulamento que orienta as regras comerciais. Entre o passado e o presente há um notório conflito de gerações.
Depois
de terem perdido a ACIC, Associação Comercial e Industrial de
Coimbra, num processo que foi tudo menos claro, mas que ajudou a
programar este presente sem futuro que se adivinha, sobra pouco. Em
dois galhos secos, num lado, está a APBC, Agência de Promoção da
Baixa de Coimbra, encostada e manietada pela edilidade por força de
subsídios que lhe permitem sobreviver, e manter um protagonismo que
dá jeito, não se ouve um clamor protestante contra a indignidade
que se verifica aos nossos olhos. No outro galho seco, sem se saber o
que pretende e a manobrar num certo anonimato, está a recém-formada
AICEC, Associação de Indústria, Comércio e Empresas de Coimbra.
Por tudo o que foi escrito é preciso plasmar mais alguma coisa para explicar o temor reverencial manifestado em anonimato que grassa por aqui?
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1 comentário:
Boa tarde
Caro Sr. QUINTANS
Em resposta ao ultimo parágrafo do seu texto,venho responder como comerciante e como Presidente da AICEC (ASSOCIAÇÃO INDÚSTRIA COMÉRCIO E EMPRESAS DE COIMBRA).
Permita-me que lhe esclareça que a AICEC não está nem nunca esteve no anonimato,e que sabe bem o que quer para a nossa Cidade.
Se o SR.QUINTANS ou outro colega precisar do apoio da Associação a mesma está ao dispor de todos os comerciantes da zona de Coimbra.Os nossos contactos estão bem visíveis.
Sempre que precisar de algum esclarecimento não hesite em nos contactar, não se esconda atrás de um monitor..
Sempre ao seu dispor
A Presidente da AICEC
ZITA ALEXANDRE
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