quarta-feira, 14 de junho de 2017

FECHOU PORTAS A F(PH)ARMÁCIA NAZARETH


IMAGEM E EDIÇÃO DO VÍDEO: ALEX RAMOS
LOCUÇÃO E REALIZAÇÃO: LUÍS FERNANDES



Encerrou esta semana a Farmácia Nazareth, na Rua Ferreira Borges, o mais antigo estabelecimento da Lusa Atenas. Esta vetusta botica, que abriu portas em 1815, foi a primeira distribuidora para Portugal de artigos para revelação de fotografia e material radiológico. Estamos a falar dos primórdios do retrato, por volta de 1860, das placas de vidro de gelatino-brometo. Nos clientes célebres da farmácia de artigos radiológicos, entre muitos, contavam-se os falecidos médicos Moura Relvas e Adolfo Rocha, o escritor Miguel Torga. Embora o final já estivesse anunciado, pensa-se sempre que o destino, se houver vontade, pode ser alterado.
Sem prantos de lamúria melosa e esparramada pelo seu desaparecimento, sem que se conheçam esforços para manter em actividade este ícone da cidade, em especulação inventiva, só vai restar uma espécie de epitáfio silencioso na memória colectiva: “Durante mais de dois séculos, aqui existiu um boticário que atravessou a Monarquia e a República. Pelo desleixo e mal-agradecimento dos homens, que não preservam a história de Portugal, morreu abandonado em Junho de 2017. Paz à sua alma comercial.
Como curiosidade, salienta-se que este bicentenário estabelecimento, contrariando os habitantes da urbe, os guias turísticos da cidade e as autoridades municipais ligadas à cultura que nunca lhe deram os devidos valores utilitário e museológico e sempre passaram ao lado, é referido no Guia Michelin com uma menção honrosa, apontando o bom exemplo de conservação do património comercial, e a aconselhar a sua visita como de interesse municipal.
Hoje, nos vidros das montras pode ler-se: “Estamos nas novas instalações Farmácia Nazareth Avenida Afonso Henriques n.º 42 (ao lado do Café Avenida) OU AQUI AO LADO Farmácia Rodrigues da Silva (em frente ao Café Nicola).
O que quererá dizer este aviso? Será que o museu farmacológico, com todo o acervo, e tectos pintados sobre gesso, se transferiu para novas instalações? Nada disso. Pelas leis da física o imóvel não poderia ser trasladado para outro local. Quanto aos ancestrais móveis, que destino lhe será dado? Quanto ao uso futuro daquele magnifico espaço de recordação que tanto enriquecia a Baixa, o que vai acontecer? O que se sabe é que o alvará da Farmácia Nazareth foi adquirido pela gerência da congénere Rodrigues da Silva, que dista menos de uma centena de metros na mesma rua, e, na sua posse exclusiva de autorização legal, abriu hoje uma nova farmácia na Avenida Afonso Henriques. Como declaração de interesses, fica escrito que nada opomos contra esta transacção comercial legítima e de acordo com a lei.
Como já é hábito, numa pergunta incómoda, interrogo: a Câmara Municipal de Coimbra, pelo pelouro da cultura, fez alguma coisa? Isto é, através de magistratura de influência junto do proprietário do edifício, tentou pelo menos que aquelas instalações tenham um futuro digno ligado à farmacopeia nacional e mundial?


UMA RESSALVA E UMA DECLARAÇÃO DO “CORVO”

Como ressalva, tentando adiantar-me a certos comentários jocosos, declaro solenemente que, apesar de lidar bem com a morte, não tenho jeito para cangalheiro. Quero dizer que, embora faça de anjo da desgraça ao anunciar aqui os enterros de muitas superfícies comerciais tradicionais que nos deixam sem um “ai que já foste”, a intenção é, por um lado, para que a sua passagem entre nós não fique nas brumas do silêncio, por outro, em vão, para tentar alertar para a hecatombe, para o extermínio comercial que está acontecer na cidade. Consigo alguma coisa com isso? Obviamente que, para além da sensibilização de quem faz o favor de me ler, pouco ou nada.
Em palavra de honra, o que posso afirmar é que sobre o que plasmo é com total honestidade intelectual. Então sobre assuntos da cidade, que dizem respeito a todos os munícipes, não escrevo por encomenda, nem para agradar a esta agremiação política de esquerda ou aqueloutra de direita. O meu partido é a Baixa -enquanto cá trabalhar e habitar. Sobre assuntos de sociedade, já escrevo há mais de quatro décadas. Até há cerca de três anos, entre a “Página do Leitor” e colaborador semanal, escrevi para os jornais da cidade. Há dez anos que criei este blogue Questões Nacionais. Aqui, até hoje, já espreitaram 1.212.518 visitantes.
Se, como escrevi em cima poucos ligam aos meus desabafos, pode interrogar-se: porque persisto? Por factores vários, entre eles e principais, por um lado, por ser comerciante e estar imbricado na mesma massa da maioria, por outro, já que detenho esta facilidade em me exprimir, exteriorizo o que sinto e divulgo, ampliando e dando eco, às preocupações que apreendo em conversas cruzadas e que algumas vezes, pela lacuna de “editoriais” ou “reportagens” da comunicação social local, seria impossível analisar de fora através de uma crítica fundamentada. Por outro lado ainda, tendo noção que estou no mesmo paralelo de aflições dos meus colegas comerciantes, levo muito a sério a letra do poema de Bertold Brecht (1898-1956):

Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse"

Mas há mais: em jeito de expiação confesso que devo ser masoquista. Só pode! Se assim não fosse como entender que, levando pancada a montante e a jusante, continue a escrever?
A montante pelos políticos que ocupam a cadeira do poder da Praça 8 de Maio, que, se por um lado, num alheamento intencional acabam a respeitar o que faço pro bono, por outro, numa relação complicada, não conseguem disfarçar o ostracismo a que sempre me votaram -e isto já vem desde há décadas. A independência paga-se cara, digo eu.
A jusante vem a reacção negativa daqueles que mais teriam a ganhar pelo conhecimento de certas situações: os operadores comerciais. Muitos deles, num enterrar a cabeça na areia, ainda levam a mal ou manifestam-se em surdina venenosa que se escreva sobre o Apocalipse, em exposição e revelação, do que está acontecer às actividades comerciais na cidade.
Para os dois grupos vou deixar uma declaração: como comerciante com loja aberta, se as coisas me correrem bem, conto andar por cá pouco tempo. De modo que, pedindo mais alguma paciência, quando me for embora e deixar de escrever sobre a Baixa, acredito, todos ficarão melhor. Pelo menos faço votos para que assim seja.

2 comentários:

Ponzi disse...

Podiam ter feito ao contrário, ficava a Nazareth na Baixa e ia a Rodrigues da Silva para a Avenida!

Anónimo disse...

Eu, se encontrar a vereadora Carina a sair do Audi com motorista pergunto-lhe...
E até a convido para lá ir ver, que lhe faz bem andar a pé...