Para
os mais atentos e que se preocupam com questões de cidadania local,
este final do mês de Dezembro, do ano transacto, diferindo um pouco
dos anteriores finais de ano, ficou marcado por uma manifestação
pública de cerca de quatro dezenas de comerciantes em frente à
Câmara Municipal de Coimbra, no dia 20, a pugnarem por uma intervenção, ou
seja, um outro olhar camarário sobre o estado decadente
da Baixa comercial.
Por
parte do executivo, em constatação, parece que nada
aconteceu na cidade. Isto é, usando o ostracismo, o desprezo, como
arma política, os vereadores do executivo, com pelouro, fazem de
conta que tudo continua na modorra e na paz dos anjos de sempre.
Assim como se o que tivesse de encerrar encerrasse de vez e já
estancasse a sangria. Acontece que não é assim.
Em paradoxo, o
executivo, fingindo que não vê, não ouve, não pressente, está a
fugir à sua responsabilidade. Porque vejamos, em metáfora, se uma
árvore no Parque Manuel Braga adoecer e morrer, em princípio, não
será assunto a ser discutido em reunião camarária, mas,
continuemos a imaginar, se todas as plantas do parque público, uma
atrás de outras, começarem a apresentar indícios de maleita e a
morrer já é obrigação do governo local tomar providências para
acautelar a calamidade.
Agora passemos para a realidade
comercial. Nos últimos tempos, sobretudo na meia dúzia de anos que
passou, praticamente assistimos a uma razia no desaparecimento de
lojas comerciais mais antigas. Especulando, é de antever que o seu universo, na actualidade, nesta zona velha teria passado de cinco
para cerca de três centenas, pergunta-se:
-Sabendo
a importância que estes pontos de venda têm na vivência da urbe e
que fazem parte da atracção turística, é possível compreender a
quietude do órgão municipal?
-Mais:
sabendo nós que as Ruas Visconde da Luz e Ferreira Borges, sendo as
artérias principais da Baixa, têm neste momento 17 estabelecimentos
comerciais encerrados (incluindo três entradas de porta que foram,
durante muitos anos, negócios) e que outros estão em linha, não
será assunto para ser debatido pelo governo local?
-E
percebermos que a Rua da Sofia, uma notável antiga artéria de
colégios que, pela sua longa historicidade, deu aso a ser
classificada pela UNESCO como Património da Humanidade, tem 8
estabelecimentos encerrados, não deveria gerar preocupação?
-Se
considerarmos que a Rua Adelino Veiga, outrora uma das mais
importantes para o comércio, hoje tem 18 lojas encerradas -há
poucos dias encerrou uma ourivesaria-, isto não deveria constituir
um ponto na ordem de trabalhos dos dirigentes pela (des)ordem
pública?
-Se
entendermos que a Rua Eduardo Coelho, até há poucos anos uma das
vias estreitas com mais movimento de transeuntes, hoje está
desertificada e tem 8 lojas encerradas, isto não será tema para
quem manda?
Enquanto
eleitos por sufrágio popular, fosse por escassa ou larga margem,
estas pessoas com assento parlamentar são os
representantes dos eleitores. Esperando que a sua insensibilidade não
seja para lamentar -resta sempre uma vã esperança de
intervenção-, são elas que têm obrigação de analisar o que está
acontecer e tomar medidas para contrapor a devastação. A lamentação de
que os comerciantes são assim ou assado, não se entendem, ou não
têm quem os represente são simplesmente desculpas esfarrapadas para
se manterem quietos e calados. Questões internas de associação, se
é certo que os fragilizam, apenas dizem respeito aos intervenientes.
O que deve prevalecer é a defesa da cidade, da sua segurança -um
encerramento contribui fortemente para a sensação psicológica de
temor de quem cá permanece ou simplesmente passeia- da sua
vitalidade, do seu futuro. Uma urbe, como catalizador, deve gerar
vários movimentos de regeneração -e até sentimentos- entre
emprego, prazer de viver, orgulho citadino, e, acima de tudo, deve
ser um polo gerador de riqueza -que, tendo governantes justos, a
devem distribuir com equidade e tomando atenção aos mais frágeis.
Um lugar habitado sem vida é um poço de doenças sociais.
E
A OPOSIÇÃO? COMO É QUE SE APRESENTA?
Nem
sei se estas palavras serão minhas, mas costumo dizer que a oposição
só governa bem quando está no lado oposto da barricada. Para
perceber melhor, basta ver que a Baixa caiu muito mais a partir de
2013, ano em que o Partido Socialista (PS) tomou conta dos destinos
da cidade. Com a Coligação PSD e CDS no poder, entre 2001 e 2013,
a Junta de Freguesia de São Bartolomeu, com Carlos Clemente a
liderar, elevou sempre a Baixa bem alto na Assembleia Municipal.
Nessa altura, Clemente era o rosto visível da oposição no terreno.
Já a Junta de Santa Cruz, com representante eleito nas cores do
então executivo, nem por isso dava nas vistas. Hoje, com Clemente a
ser “comido” pelo poder -é adjunto da presidência-, o
Centro Histórico está afónico, sem voz e sem representantes que se
notem. É certo que a agregação das juntas de freguesia pelo país
fora concorreu para isso, e, neste caso, em que se transferiu a sede
da União de Freguesias de Coimbra para os Arcos do Jardim, juntando
as duas premissas, tudo concorreu para a Baixa continuar órfã, sem
voz no hemiciclo. É certo que os
novos eleitos só há pouco tomaram posse e, sendo justo, sobre a sua
posição e sobre o que vão fazer ao longo dos próximos quatro
anos, mantém-se a dúvida. Com justiça, não é fácil de mostrar ao
público o seu trabalho já que os jornais locais pouca importância
dão à oposição.
Portanto,
em constatação, verifica-se que, pela passividade, a
forma de estar da oposição sobre a decadência do comércio local é
algo oportunista. E, pelo desaire, incomodativa. Pelo nada fazer, é
como se esperasse que caia ainda mais no charco para ver o que
acontece e só depois agir. É verdade que os manifestantes, até
certo ponto numa certa inocência -ou arrogância?-, até repudiaram
o seu papel, mas, tendo em conta o interesse público, cabe a esta
mesma oposição escolher, com bom-senso, entre os valores menor e
maior.
Em paradoxo, salta
à vista o lugar escolhido, cómodo, de nada fazer, pela oposição.
Sabe-se que o seu desempenho instrumental, perante os eleitores, deve
resultar sempre da inoperância do partido que ocupa o poder, no
preenchimento de lacunas governativas, e mostrar que é uma
alternativa. Ora, ao não aproveitar as notórias deficiências da
vereação PS, parece que os eleitos pelo contra, tal
como os seus congéneres, estão a dormir em serviço.
E
OS COMERCIANTES? ESTARÃO MESMO EM CRISE?
Já
nem pego nas milhares de frases e orações que tenho escrito nos
últimos anos acerca da depressão continuada que atravessa o
comércio tradicional, mas basta olhar para o clima, pesado e de
apelo, lamentoso nas redes sociais, e sem esquecer o protesto no
passado dia 20 para a constatação de que o comércio
de proximidade está atravessar a sua pior fase. Já muito escrevi
sobre as várias ameaças que saltam de todo o lado, desde o comércio
electrónico até à continuada proliferação de grandes áreas
comerciais, tudo parece indicar que os tempos que se avizinham serão
de muita preocupação.
Em
paradoxo,
como entender que hoje, terça-feira, somente cerca de trinta por
cento das lojas da Baixa se encontrem abertas? Afinal, estamos em
crise ou não? Se calhar só alguns a sentem, poucos, como eu.
Para ilustrar, os meus
desaparecidos pais, nas décadas de 1950 e seguintes, trabalharam
sempre durante todos os dias da semana, incluindo Domingos e
feriados. Porquê? Porque eram muito pobres e só assim evitaram que
a fome entrasse na nossa casa. Apesar de nem um nem outro saber ler,
pelo bom-senso, pela sua experiência de vida, sabiam que de
pouco valeria pregar ajuda ao povo do lugar que eram necessitados se
o seu comportamento não fosse consequente.
Os
mais velhos, com toda a sua ignorância, querendo nós ver,
ensinam-nos muito. O problema reside quando os mais novos não querem saber. Claro que nunca pensaram que mudando-se os tempos,
tão marcadamente, se mudariam os procedimentos e as vontades.
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