LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: ENCERROU A SAPATARIA TRINITÁ"; e "NOTÍCIAS CURTAS DO NOSSO BAIRRO"
REFLEXÃO: ENCERROU A SAPATARIA TRINITÁ
Há uma semana que a sapataria Trinitá, na Rua Eduardo Coelho, se mantém de portas cerradas
–agora mais recentemente já com as montras forradas a papel pardo. Embora tenha
feito vários telefonemas para o senhor Quirino, um estimado vizinho e
reconhecido por todos, não tem sido possível chegar ao seu contacto para saber
o que aconteceu. Por aqui, nos becos e ruelas, as perguntas, misturadas com
respostas, repetem-se à exaustão: “o que
aconteceu ao Quirino? É verdade que encerrou de vez? Nem é admirar, as coisas
estão tão más!”
A sapataria
Trinitá abriu portas, salvo erro, em 1970. Até aí, por essa década, todo o
espaço que veio a ocupar esteve destinado a duas pequenas lojas. Do lado da Rua
Eduardo Coelho, era a Casa das Amêndoas
e do lado da Rua das Padeiras era uma velhinha sapataria. Nessa altura, o senhor
Quirino foi empregado em várias sapatarias da Baixa, de grande nome, como A Elegante, por exemplo. Veio então a
estabelecer-se por conta própria, agregando os dois comércios, e fazendo um
belíssimo espaço comercial que muito contribuiu para manter a revitalização
desta zona comercial. Para que se saiba, e para que muitos mais não escorreguem
na mesma armadilha, foram os compromissos assumidos com o Procom, Programa de incentivos ao comércio, em 1999, que ajudou a
mandar este reputado estabelecimento para o charco. Escrevo isto porque as
ciladas com novos programas de ajuda à modernização do comércio continuam. “Façam obras! Modernizem-se! Mudem tudo!”,
parecem dizer os governantes. Mas ninguém, a começar pelos edis locais, se
preocupa com a desertificação, o extermínio e a capitulação dos Centros
Históricos no seu todo, comercial e habitacional. O que interessa ter boas
lojas renovadas se não há pessoas para comprar? De que vale vestir bem um
cidadão se progressivamente, de forma deliberada, lhe é sugado o sangue que lhe
corre nas veias? Foi isto mesmo que arrumou a sapataria Trinitá. Por um lado,
convenceram-no a injetar-se com o soro da modernidade, por outro, com a
desculpa de que estamos numa economia de livre concorrência, extraíram-lhe o
plasma que lhe dava vida, ou seja, entregaram a cidade às grandes superfícies
numa bandeja de prata. É isto mesmo, a desertificação acelerada -pelo desvio de
pessoas para outras grandes áreas e a quebra abrupta de rendimentos nas
famílias que provoca a queda do consumo interno- que, tal como outras no país,
está a matar a Baixa de Coimbra diariamente. Só os cegos podem dizer que não veem.
Está à vista de todos!
Foi o desleixo, a falta de
política para a cidade que enterrou esta loja e muitas outras que se foram e
outras que irão nos próximos tempos. Foi apenas e só e é um dó! Os governos dos
últimos 20 anos e acompanhados pelos presidentes das autarquias locais são os
coveiros dos centros das cidades. Que a terra lhes seja leve pelas tragédias
familiares que causaram a milhares de famílias portuguesas. Só gentalha sem
vergonha e sem coração, que apenas busca o voto e o tacho, sem consciência
social, pode continuar a licenciar mais grandes superfícies e olhar sem
sofrimento o que se está a passar nesta Baixa de Coimbra.
Durante mais de quarenta anos
este estabelecimento serviu a Baixa, a Cidade, o País e o Mundo. O senhor
Quirino tem mais de oitenta anos e passou toda a sua vida de trabalho agarrado
ao balcão. No mínimo podemos interrogar: é justo acabar assim? É óbvio que não!
Mas claro que ninguém se importa. É apenas mais um que se vai. Solidariedade,
em caridade por quem está pior do que nós, é sentimento que não existe por aqui.
Estamos numa guerra civil comercial onde a vida de cada um nada vale. Se ao
menos pensássemos que estamos todos inseridos numa roda e mais tarde ou mais
cedo vai chegar a nossa vez talvez nos tornássemos mais humanitários perante a
dor de quem parte. Estou fartíssimo de escrever isto mesmo. Vale alguma coisa?
Nada! Cada um, olhando para o seu umbigo, somente está preocupado consigo
mesmo. Como é que fica o proprietário desta loja? Alguém se questiona? Enfim! É
muito triste um estabelecimento cerrar portas assim, desta maneira. É um grande
sopapo! Um homem, que lutou a vida inteira, ser obrigado a sair assim, por esta
conjuntura económica, de capital selvagem e coadjuvado por comissários
políticos sem escrúpulos, que tudo trituram, tudo esmagam sem qualquer ponta de
sensibilidade pela sorte de cidadãos nacionais que deram a vida pela Nação. Nos
últimos cinco anos foram tantos que até se me secam as palavras!
Não é isto que este velho
comerciante precisa mas, pelo respeito que nos deve merecer, um baixar a cabeça
e uma grande salvas de palmas para o Quirino Adelino!
NOTÍCIAS CURTAS DO NOSSO BAIRRO
Há cerca de um mês, na minha Rua Eduardo
Coelho, depois de umas obras sumárias, abriu uma loja de roupas para infantes,
dos 5 até aos 14 anos. Três semanas depois encerrou.
Uma reconhecida sapataria, a Trinitá, com
cerca de quatro décadas de existência, subitamente encerrou há dois dias, na
Rua Eduardo Coelho. Embora se presuma, ao certo, ao certo não se sabe o que
aconteceu. A verdade é que não se consegue contactar o proprietário. Espera-se
o pior para a vida futura do Quirino Adelino, um comerciante com mais de 80
anos.
É público e sabido que a Perfumaria Balvera, instalada na nossa
rua há cerca de três décadas, a partir de Junho, próximo, deixará de perfumar
os becos e ruelas em redor.
Embora não se saiba a fonte, presumindo-se a
informação saída de uma andorinha provinda do Norte de África e recentemente
chegada a um destes beirais, ao que parece, para além das acima enunciadas,
mais três lojas estão na eminência de encerrar nesta antiga Rua dos Sapateiros.
Partiu para férias a “Lili”, a Liliana
Rodrigues, o nosso candeeiro de luz, o ícone da alegria cujo grito estridente
de exultação inundava toda a área circundante. Ao que parece, provavelmente, a
“Lili”, que entretanto está a finalizar o seu contrato de trabalho, não voltará
mais à sapataria onde durante quase dois anos prestou serviço. É pena, digo eu
com a total certeza no que escrevo. Vai perder o seu ainda atual patrão, porque
a “Lili” é, de facto, uma excelente funcionária, vai perder a nossa rua,
porque, a ser verdade a sua partida, esta calçada vai ficar mais triste e mais
ensimesmada. Vai ganhar o novo patrão que contratar a “Lili” –sei bem do que
falo, é uma vendedora como já não há.
Presumivelmente irá abrir uma loja de
tatuagens no Largo da Freiria, no antigo espaço da Boutique Romy. Dentro de pouco tempo, se for mesmo verdade, iremos
constatar.
Por recente acordo com o seu senhorio, o
Carlos Jorge Monteiro, mais conhecido por
“Cajó”, reconhecido fotojornalista do Diário as Beiras, está de malas
aviadas para outras paragens e, dentro de dias, deixará de vez as suas
instalações no Largo da Freiria. Foi uma honra para quem cá ainda vai
resistindo ter privado com o “Cajó”
nos últimos vinte anos. Mais uma perda comercial e de boa vizinhança para todos
nós.
Depois de três meses em funcionamento encerrou
há dias uma frutaria na Rua das Padeiras.
Nas antigas instalações da Materna –que depois
de quatro décadas ao serviço da Baixa encerrou no último Dezembro- abriu
recentemente, com novas instalações, a
sapataria Veludo Carmim. Esta reconhecida marca de sapatos, para além de um
estabelecimento na Rua Eduardo Coelho, tinha também uma pequena loja ao lado
desta agora nova instalação. Tratou-se, como se confirma pelo encerramento, de
uma troca uma vez que a anterior era de pequenas dimensões e não estaria à
altura da dimensão necessária da marca “Veludo
Carmim”.
Abriu a semana passada, na Rua Ferreira Borges
e número 100, uma espetacular loja de artesanato. Dá pelo nome de “Coimbra na Bagagem”. Não deve
surpreender ninguém o facto de estar tão agradável. Quem está à frente deste
projeto sabe da poda e, para além de
ter outro estabelecimento na mesma rua, a arte de comprar e vender, está-lhe no
sangue. Ou não fosse o velho Moura, dos
carimbos, um conquistador de ventos e paragens comerciais. Um dia destes
conto a história com mais pormenores.
A semana passada, de segunda para terça-feira,
a horas indeterminadas, pelo presumível caudal de águas da chuva e consequente
entupimento de uma conduta de saneamento por trás do Banco de Portugal, o
Empório Gourmet, um estabelecimento comercial com sede na Rua Sargento-Mor, foi
parcialmente inundado. Segundo Janette Baracho, a gerente e proprietária da
bonita loja de produtos gourmet, em declarações no próprio dia, “deparei-me com esta situação anómala. A esta
hora, 15h00, ainda estamos a limpar a água, a ligar e desligar os fios de
comunicações e a contabilizar os prejuízos. Ainda não sabemos bem o alcance
deste desastre e muito menos quem vamos responsabilizar. O computador estava no
chão e outros artigos, todos juntos, ficaram cheios de água.”
Segundo um dos trabalhadores dos
SMASC, Serviço Municipal de Águas e Saneamento de Coimbra, presente na
reparação, “ainda não sabemos o que
aconteceu. Presumimos que teria havido problemas com o coletor. Como esta noite
choveu muito, com grande intensidade, pode ter sido essa a origem desta
anormalidade.”
Abriu esta semana a Sportino, Ld.ª, na Rua Visconde da Luz, nas antigas instalações dos
supermercados Colmeia e mais recentemente o Armazém
Americano. Com uma decoração revivalista, a fazer lembrar as grandes lojas
americanas, da Flórida, onde não falta o vinil de Elvis, ao Fiat 600 e ao
monomotor de outras grandes estrelas da pop-art
desaparecidas, este estabelecimento está simplesmente fantástico. Sem dúvida
nenhuma de que constitui uma boia de esperança na recuperação anímica e
comercial da Baixa da cidade. Muita felicidade para a Sportino, Ld.ª. O ambicionado sucesso deste empreendimento será
também a nossa esperança futura, de todos quantos ainda acreditam que a esta
zona terá futuro. Muitos parabéns pela coragem!
ADEUS COMÉRCIO DE RUA
Com o terramoto legislativo governamental previsto
para breve, e anunciado na comunicação social de total liberalização da atividade
mercantil, está em marcha a destruição absoluta do comércio tradicional. Do
pequeno estabelecimento de tecidos a metro, ao pronto-a-vestir, à sapataria, à
pequena loja de ferragens, à perfumaria, não restará pedra sobre pedra. A
partir do momento em que entre em vigor o diploma, depois de passar pela Assembleia
da República, o comércio generalista entra em contagem decrescente em direção à
tumba. A partir daqui os centros históricos, a braços com uma desertificação
acelerada de moradores, estarão apenas destinados à hotelaria.
A ser verdade que se vai liberalizar
a época de saldos durante todo o ano, abrir-se novas superfícies comerciais com
mais de 2000 metros quadrados através de uma simples declaração, abertura de
esplanadas com diferimento tácito –aprovadas se não houver resposta da entidade
municipal no prazo de 20 dias- e a liberalização total de horários para cafés,
cervejarias, discotecas e casas de fado –que até agora só podiam estar abertas
até às quatro da manhã, está em marcha uma revolução com consequências
imprevisíveis. Com esta medida, ao dar-se plena liberdade empresarial à
iniciativa privada, totalmente sem regras e saindo da tutela do Estado, está a
dar-se aos grandes grupos económicos a possibilidade de assistirem ao completo
aniquilamento dos mais pequenos. Guerreando-se entre si, com margens praticadas
abaixo de custo e apenas para a sobrevivência, numa política de preços de
terra-queimada, os pequeníssimos vendedores estarão a autodestruir-se e a fazer
o jogo dos grandes hipermercados.
Se havia dúvidas de que a pequena
loja de bairro tinha os dias contados, a partir de agora é oficial. Vai
desaparecer completamente dos centros das cidades. Se até aqui as diretrizes
governamentais deste Governo e anteriores eram subtis, agora caiu a máscara da
pouca-vergonha. Este extermínio é um escândalo. É uma afronta à dignidade de
tantos e tantos comerciantes que deram a vida na prossecução da revitalização
harmoniosa das urbes, no último século. De aqui para a frente está em marcha a
desvalorização completa do edificado nas zonas velhas. Será o fim destas áreas
como zonas residenciais. Em face do ruído previsto durante toda a noite,
ninguém ousará vir morar para o centro de um vulcão.
Ressalve-se a manutenção da boa
moral e dos bons costumes ao continuar-se a proibir a abertura de sex-shops a menos de 300 metros de
escolas ou igrejas. Se isto não fosse trágico dava vontade de rir até
escancarar.
É o golpe fatal na classe média e
nos pequenos artesãos, comerciantes e lojistas. É bom lembrar que foi uma
ofensiva assim, da escravidão ao despotismo, que esteve na origem da Revolução
Francesa de 1789 e que deu origem ao iluminismo. Convém também recordar que o
mesmo se passou no império germânico, na Alemanha, com a revolução entre 1830 e
1848, pelo domínio absoluto da Prússia, e que, para além de originar várias
crises em países europeus como a França, daria o germinar crescente do
nacionalismo até à 1.ª Grande Guerra. Por cá, em Portugal, também pelo
descontentamento popular, a descambar na violência, esteve o fim da Monarquia e
ascensão da 1.ª República, em 1910, e o nacionalismo institucional liderado por
Salazar com a implantação do Estado Novo, em 1933.
Estou em acreditar que, no último
meio-século e por parte da hegemonia capitalista selvagem, estamos em face da
maior ofensiva perpetrada alguma vez contra os pequenos proprietários, artesãos
e negociantes. Estamos perante uma agressão aviltante, aberrante, uma pilhagem
neoliberal visando o descarado empobrecimento e a miséria dos mais pequenos.
É muito triste o que está
acontecer. Todo o comércio tradicional está de luto. Vamos esperar a resposta
da população.
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