sexta-feira, 19 de junho de 2015

UM CASO DE ESTUDO




Eu sou tipo muito modesto. Tão modesto que às vezes até pareço invisível para não me tornar notado. Isto tudo para dizer que se fosse gabarolas até poderia dizer que descendo geneticamente do Sigmund, o Feud, não sei se estão a ver. Aquele gajo que era neurologista judeu e, como não tinha mais nada que fazer, deu-lhe para observar as pessoas.
Está de ver que, tal como o meu ancestral, também não tenho nada para me ocupar o tempo. Então, na falta de trabalho –porque é mesmo o que preciso- leio jornais e o que calha. Hoje li nos diários da cidade a notícia de que o Joaquim Basílio, o prestimoso actor -tão modesto como eu e que foi recentemente agraciado com a medalha da cidade- na última Feira Medieval, que decorreu no Sábado, há cerca de uma semana no Largo da Sé Velha, no tão conhecido papel de mendigo, angariou 410,10 euros –que doou a duas instituições de solidariedade. Segundo o Diário de Coimbra, “quando veio uma bátega de água em pleno auge da feira, fiz uma espécie de prece, salienta o intérprete daquela personagem mais conhecida da feira Medieval”. Isto quer dizer que se não tivesse chovido, ainda poderia ter sido maior o óbolo.
Vamos então por partes. Ajude-me a pensar, leitor. Quem deu a “esmola” ao Basílio pensaria em quê? Teria sido tão generoso por quê? Pela sua colagem extraordinária ao personagem teria sido enganado e deu por pensar que era um “desgraçadinho”? Quem doou teria conhecimento da recente homenagem e, sabendo da alteridade deste homem de rara bondade, ofereceu por reconhecer o fim a que se destinava? Perguntas que ficam no ar. Para saber mais a fundo, deveria interrogar o meu antepassado, o Sigmund, ou, se calhar, também o Nietzsche, um filósofo alemão, que não é para me armar aos cucos mas também descendo dele. Mas, para já e com a ajuda dos dois, não posso dizer nada.
Então, vai daí, sem respostas objectivas que me apagassem o fogo ardente da curiosidade, isto é, tendo por fundo a pobreza, o que leva alguém a dar? Será que é a imagem do pedinte que desencadeia e motiva a caridade? É essa projecção que justifica o dar sem aparentemente receber nada em troca?
Deu-me para testar os transeuntes. Partindo do individual para o geral, e se eu fizesse o contrário? Tentar dar ao público algo material sem pedir retribuição? Ou seja, dando algo, absolutamente gratuito, sem exigir nada em troca, as pessoas irão aceitar ou, pelo contrário, negam? Será que aceitam? Ou, sabe-se lá, com base na desconfiança, páram, olham, voltam a mirar e continuam o seu caminho sem mexer?
Durante a manhã de hoje, coloquei um monte de livros e um papel com a inscrição: “OFERTA”. Ninguém remexeu em nenhum livro. Por volta do meio-dia alterei a mensagem para: “Não oferecemos Audi A4 (esgotou), mas damos um livro. Escolha! (É mesmo de borla) E ganhe também uma visita grátis às velharias d’O Encanto da Freiria.”
Poucos foram aqueles que levaram um qualquer exemplar. E quem o fez, na maioria das vezes, perguntava se o poderia fazer. A verdade é que a pilha de livros, ao entardecer, teve de ser recolhida. Interessante! Não acha?

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