(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
A ARTE DOS OFÍCIOS TRADICIONAIS AMEAÇADA
Este Sábado, 31 de Maio, foi o último dia em
que José Rosa, licenciado em artes plásticas, pintor, professor e restaurador
de arte, permaneceu no seu estabelecimento. Foi uma aventura que durou seis
meses. Com ateliê no Travasso, Mealhada, em Dezembro último, em busca de um
outro mundo mais virado para as artes, arribou à Baixa e estabeleceu-se na Rua
da Fornalhinha. Mas a grande cidade, igualmente como a aldeia, tal como o
país, não correspondeu ao seu apelo porque morreu para as artes e ofícios
tradicionais. Este divórcio, porventura, teria começado há cerca de vinte e
cinco anos quando os produtos chineses, a preços irrisórios, irromperam, com
frente nas chamadas “lojas de 300”, e
levaram tudo à frente. Curiosamente, estas lojas eram constituídas integralmente,
desde os empregados ao patrão, por pessoal português. Eram estes nacionais que
importavam e vendiam. Foi de tal modo o sucesso que, salvo erro em 1994, quando
Portugal passou a fazer parte da Organização Mundial do Comércio, na Rua das Padeiras
havia grandes filas intermináveis de pessoas para entrarem na loja. Mais tarde
estes armazéns de bugigangas seriam sepultados pelas lojas de chineses e países
emergentes –já com estes orientais à frente dos seus negócios. Foi o enterrar de
vez de vários artigos produzidos em Portugal, como guarda-chuvas, ferramentas,
máquinas, peças para automóveis, têxteis, ferro para construção, etc. A própria pintura em tela, em produção industrial e feita em computador, passou a ser oferecida a metro.
A título de curiosidade, salienta-se que em
1993 abriram as duas primeiras grandes áreas comerciais, o Continente e a
Makro, no Vale das Flores, na cidade dos estudantes.
Nesta altura, numa visão geral da diversidade de
oferta comercial e pequena indústria nesta zona velha, para além de muitos
estabelecimentos de pronto-a-vestir, sapataria e tecidos a metro –estas lojas
praticamente desapareceram, só duas resistem, felizmente, com alguma pujança. Havia
várias lojas de desporto –hoje há uma que, com visíveis dificuldades,
se mantém; havia várias lojas de artigos decorativos –hoje há uma
firma com dois pontos de venda; havia várias mercearias –hoje ainda
subsistem pequenos espaços que intervalam com fruta e vão resistindo com
contrariedades; havia várias peixarias –hoje só uma vai aguentando;
havia vários talhos de carne –hoje resistem três, aparentemente muito bem; havia
várias retrosarias –hoje, creio, mantém-se três a laborar. Nos artigos
para o lar, cortinados, tapetes e afins eram imensas lojas que davam
cor a esta zona de antanho –hoje, penso resistem três firmas. Lojas de cabedais
e artigos para sapataria havia várias –hoje não há nenhuma para amostra. Havia
uma loja de artigos militares –hoje não há nenhuma. Sobretudo na Rua
Adelino Veiga, havia vários bazares de brinquedos –hoje só lá há uma firma que resiste. Havia várias lojas de ferragens –hoje ainda há
três. Havia várias lojas de sementes –há uma loja e uma entidade
ligada à lavoura. Havia três armazéns de tabaco –hoje não há nenhum.
Havia várias tipografias –hoje só há uma. Havia várias lojas de venda electrodomésticos
–hoje ainda há uma. Havia várias de móveis novos –hoje desapareceram
todas. Perfumarias havia várias –hoje
só uma grande firma nacional resiste com duas lojas. Na fotografia havia vários
profissionais –hoje ainda resistem três com loja aberta. Máquinas e ferramentas havia
várias –hoje só há uma. Barbearias eram bastantes –hoje só
duas persistem. Armazéns de vinhos eram vários estabelecidos na Baixa –hoje nem
um. Armazéns de malhas e miudezas eram vários –hoje nem um. Venda de barros
e vimes havia vários –hoje nenhuma. Lojas de material eléctrico eram
várias –hoje só três ainda resistem. Venda de peças de automóveis havia
várias –hoje extinguiram-se desta parte velha.
Sucateiras eram duas que se mantinham para
recolher o ferro, o cobre e outros utensílios fora de uso –hoje extinguiram-se
do panorama comercial e industrial.
Salões de jogos, de bilhar e máquinas, eram
três –hoje desapareceram.
Consultórios médicos eram muitos –hoje contam-se
pelos dedos.
Por alturas do início de 1990, a pequena
oficina marcava presença e era parte integrante da Baixa. Sapateiros de consertos
eram vários –hoje, creio, cinco ainda cosem sapatos. A Serração desapareceu
desta zona. Serralheiros de ferro forjado, arte tão típica de Coimbra, apagaram-se. Oficinas de arranjos de motorizadas e bicicletas
desapareceram. Oficinas de auto-rádios e parte eléctrica de automóveis
havia várias –hoje só uma resiste. Na carpintaria havia pelo menos duas –hoje
finou-se esta arte de transformar a madeira. No restauro de móveis havia
pelos duas oficinas –hoje nem uma. Estofadores havia vários –hoje só há
um. Oficinas de mecânica automóvel havia várias –hoje nem uma. Na latoaria,
com arranjos e fabrico de peças manualmente em folha de flandres, havia várias –hoje
desapareceram. Lojas de consertos de electrodomésticos havia
várias –hoje há uma, que se instalou recentemente. Oficinas de ourives
havia várias –hoje, creio, ainda fazem pela vida duas. Oficina de relojoaria
havia várias –hoje, creio, só uma continua. Oficina de olaria, com fabrico e
venda de peças em barro, havia duas fábricas –hoje nem uma para passar o saber
aos vindouros. Oficina de cromagem havia várias –hoje só uma
se mantém na zona da Relvinha. Alfaiataria havia várias –hoje só
uma resiste com o mestre já de bastante idade. Modistas havia várias –Hoje,
creio, que não há nenhuma profissional que faça um fato de saia e casaco para
senhora. No seu lugar há duas ou três costureiras de pequenos arranjos de
costura.
Várias questões se levantam, mas deixo duas à
consideração: a China, os países emergentes e o progresso são os principais carrascos desta
destruição de emprego familiar e riqueza nacional? Ou foram as (péssimas) políticas
locais que, procurando uma homogeneização asséptica, conduziram a Baixa para uma
formatização sem diversidade e para o extermínio das suas artes e ofícios
tradicionais?
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