segunda-feira, 1 de junho de 2015

ENSAIO PARA PERCEBER A QUEDA DA ECONOMIA NACIONAL (4)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



A ARTE DOS OFÍCIOS TRADICIONAIS AMEAÇADA

Este Sábado, 31 de Maio, foi o último dia em que José Rosa, licenciado em artes plásticas, pintor, professor e restaurador de arte, permaneceu no seu estabelecimento. Foi uma aventura que durou seis meses. Com ateliê no Travasso, Mealhada, em Dezembro último, em busca de um outro mundo mais virado para as artes, arribou à Baixa e estabeleceu-se na Rua da Fornalhinha. Mas a grande cidade, igualmente como a aldeia, tal como o país, não correspondeu ao seu apelo porque morreu para as artes e ofícios tradicionais. Este divórcio, porventura, teria começado há cerca de vinte e cinco anos quando os produtos chineses, a preços irrisórios, irromperam, com frente nas chamadas “lojas de 300”, e levaram tudo à frente. Curiosamente, estas lojas eram constituídas integralmente, desde os empregados ao patrão, por pessoal português. Eram estes nacionais que importavam e vendiam. Foi de tal modo o sucesso que, salvo erro em 1994, quando Portugal passou a fazer parte da Organização Mundial do Comércio, na Rua das Padeiras havia grandes filas intermináveis de pessoas para entrarem na loja. Mais tarde estes armazéns de bugigangas seriam sepultados pelas lojas de chineses e países emergentes –já com estes orientais à frente dos seus negócios. Foi o enterrar de vez de vários artigos produzidos em Portugal, como guarda-chuvas, ferramentas, máquinas, peças para automóveis, têxteis, ferro para construção, etc. A própria pintura em tela, em produção industrial e feita em computador, passou a ser oferecida a metro.
A título de curiosidade, salienta-se que em 1993 abriram as duas primeiras grandes áreas comerciais, o Continente e a Makro, no Vale das Flores, na cidade dos estudantes.
Nesta altura, numa visão geral da diversidade de oferta comercial e pequena indústria nesta zona velha, para além de muitos estabelecimentos de pronto-a-vestir, sapataria e tecidos a metro –estas lojas praticamente desapareceram, só duas resistem, felizmente, com alguma pujança. Havia várias lojas de desporto –hoje há uma que, com visíveis dificuldades, se mantém; havia várias lojas de artigos decorativos –hoje há uma firma com dois pontos de venda; havia várias mercearias –hoje ainda subsistem pequenos espaços que intervalam com fruta e vão resistindo com contrariedades; havia várias peixarias –hoje só uma vai aguentando; havia vários talhos de carne –hoje resistem três, aparentemente muito bem; havia várias retrosarias –hoje, creio, mantém-se três a laborar. Nos artigos para o lar, cortinados, tapetes e afins eram imensas lojas que davam cor a esta zona de antanho –hoje, penso resistem três firmas. Lojas de cabedais e artigos para sapataria havia várias –hoje não há nenhuma para amostra. Havia uma loja de artigos militares –hoje não há nenhuma. Sobretudo na Rua Adelino Veiga, havia vários bazares de brinquedos –hoje só lá há uma firma que resiste. Havia várias lojas de ferragens –hoje ainda há três. Havia várias lojas de sementes –há uma loja e uma entidade ligada à lavoura. Havia três armazéns de tabaco –hoje não há nenhum. Havia várias tipografias –hoje só há uma. Havia várias lojas de venda electrodomésticos –hoje ainda há uma. Havia várias de móveis novos –hoje desapareceram todas.  Perfumarias havia várias –hoje só uma grande firma nacional resiste com duas lojas. Na fotografia havia vários profissionais –hoje ainda resistem três com loja aberta. Máquinas e ferramentas havia várias –hoje só há uma. Barbearias eram bastantes –hoje só duas persistem. Armazéns de vinhos eram vários estabelecidos na Baixa –hoje nem um. Armazéns de malhas e miudezas eram vários –hoje nem um. Venda de barros e vimes havia vários –hoje nenhuma. Lojas de material eléctrico eram várias –hoje só três ainda resistem. Venda de peças de automóveis havia várias –hoje extinguiram-se desta parte velha.
Sucateiras eram duas que se mantinham para recolher o ferro, o cobre e outros utensílios fora de uso –hoje extinguiram-se do panorama comercial e industrial.
Salões de jogos, de bilhar e máquinas, eram três –hoje desapareceram.
Consultórios médicos eram muitos –hoje contam-se pelos dedos.
Por alturas do início de 1990, a pequena oficina marcava presença e era parte integrante da Baixa. Sapateiros de consertos eram vários –hoje, creio, cinco ainda cosem sapatos. A Serração desapareceu desta zona. Serralheiros de ferro forjado, arte tão típica de Coimbra, apagaram-se. Oficinas de arranjos de motorizadas e bicicletas desapareceram. Oficinas de auto-rádios e parte eléctrica de automóveis havia várias –hoje só uma resiste. Na carpintaria havia pelo menos duas –hoje finou-se esta arte de transformar a madeira. No restauro de móveis havia pelos duas oficinas –hoje nem uma. Estofadores havia vários –hoje só há um. Oficinas de mecânica automóvel havia várias –hoje nem uma. Na latoaria, com arranjos e fabrico de peças manualmente em folha de flandres, havia várias –hoje desapareceram. Lojas de consertos de electrodomésticos havia várias –hoje há uma, que se instalou recentemente. Oficinas de ourives havia várias –hoje, creio, ainda fazem pela vida duas. Oficina de relojoaria havia várias –hoje, creio, só uma continua. Oficina de olaria, com fabrico e venda de peças em barro, havia duas fábricas –hoje nem uma para passar o saber aos vindouros. Oficina de cromagem havia várias –hoje só uma se mantém na zona da Relvinha. Alfaiataria havia várias –hoje só uma resiste com o mestre já de bastante idade. Modistas havia várias –Hoje, creio, que não há nenhuma profissional que faça um fato de saia e casaco para senhora. No seu lugar há duas ou três costureiras de pequenos arranjos de costura.
Várias questões se levantam, mas deixo duas à consideração: a China, os países emergentes e o progresso são os principais carrascos desta destruição de emprego familiar e riqueza nacional? Ou foram as (péssimas) políticas locais que, procurando uma homogeneização asséptica, conduziram a Baixa para uma formatização sem diversidade e para o extermínio das suas artes e ofícios tradicionais?


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