Lembro-me
muito bem dele no início da década de 1980. Nessa altura, conservava a mesma
timidez e contenção no falar –como hoje- e, naturalmente, tinha melhor aspecto
físico. Para além de ser mais novo apresentava-se sempre de fato e gravata
como qualquer causídico. Hoje o tempo, como castigo ou não, parece ter passado
por cima da sua pessoa e, agora, já só resta o mesmo sorriso de menino, o ar de
bom samaritano, e o falar calmo e mais espaçado, como se procurasse as palavras
no éter. Recordo bem o então advogado Rui Fernando de Mesquita Figueiredo, o doutor Mesquita como era conhecido na
zona da Sé Velha, na Alta da cidade. Era uma espécie de solicitador dos mais
carenciados que, quase sempre com um “grão
na asa”, nos fazia lembrar o doutor Ezequiel
Prado, da novela Gabriela, Cravo e Canela. A troco de nada, ou ressarcido tantas
vezes por pouco mais do que uma cerveja, defendia todos. Estou convencido que
nunca teria ganho dinheiro com a advocacia. Se calhar, por andar amiúde
abraçado ao Deus Baco a saúde, quem sabe por ciúmes, não lhe perdoou e há
poucos anos atirou-lhe com um AVC, acidente Vascular Cerebral. Mas como a natureza
compensa quem carrega humanidade, recuperou parcialmente e podemos vê-lo tantas vezes a
cruzar-se connosco nas ruas largas. Vamos saber mais do doutor Mesquita. Fale, apresente-se,
senhor doutor:
“Nasci em Coimbra há 78 anos –como curiosidade, para a semana, dia 27,
farei 79. Entrei na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1953 e,
juntamente com a minha mãe, fui morar para a Rua dos Coutinhos. Em 1958, já licenciado
fui exercer para Moçâmedes e Novo Redondo, em Angola. A minha mãe continuou por
cá na mesma morada. Por lá, em terras africanas, fui também professor do
Ensino Técnico –ensinava as cadeiras de direito, no Curso Comercial. Foi o
melhor tempo da minha vida! Quando se deu a independência, em 1974, regressei
novamente a Coimbra, à Sé Velha, à Praça Vermelha como era então conhecida.
Nunca me meti em política. Sempre estive alheado. Era respeitado por todos.
Sempre tratei bem toda a gente. Bebia um copo com qualquer um. Talvez por ser
formado e ser, de certo modo, o advogado dos pobres, fui poupado algumas vezes.
Na cidade, tive escritório na Avenida Fernão de Magalhães e na Rua da Sofia.
Nunca ganhei dinheiro a advogar. Dava apenas para as despesas.
A minha mãezinha morreu já há muitos anos e larguei tudo o que me recorde álcool. Deixei também de exercer há cerca
de uma década. Actualmente, estou a ser acompanhado no Centro de Dia 25 de
Abril, no Ateneu de Coimbra. Tratam-me muito bem. Ainda hoje me deram banho
porque já não posso. Os seus trabalhadores são o meu Anjinho da Guarda. Tenho
familiares mas estão muito longe. Se não fosse o Centro de Dia não sei o que
seria de mim! Recebo de Reforma 369 euros. É pouco! Pouquíssimo, se comparar
com a verba que eu ganhava em África e quando trabalhava aqui. Está tudo bem
para mim. Não me enervo! Estou em paz com o mundo! Só quero saúde, descanso e
bom trato. E mais nada!”
2 comentários:
Vai daqui um abraço de S. Paulo para o Doutor Rui Mesquita. Muitas histórias de África eu ouvi no 22 dto dos Coutinhos.
Obrigado por esta lembranca e homenagem ao meu ilustre e mestre Dr. Mesquita. Nao ha um dia que nao penso nele... Saudosos anos de boa convivencia com o doutor. Fara sempre parte da minha vida e de muitas... "Mas que grandes companheiros, se juntaram nesta mesa..." onde estiver um abraco do seu sempre amigo Dinis.
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