sábado, 15 de março de 2014

(MAL)TRATADO SHENGEN



Passava pouco das 14 na torre cimeira do relógio da Igreja de Santa Cruz –que, por acaso, há uns três anos deixou de bater não se sabe se em solidariedade e pesar para com um padre, desta catedral, que tive a honra de conhecer e se finou. De cabeça molhada, que minutos antes mergulhara no repuxo popular da Praça 8 de Maio, o homem, carregado de brincos, piercings e anéis, provavelmente em alemão, gesticulava e barafustava alto e bom som. Ora se firmava no céu azul, ora apontava para o infinito, ora se baixava e falava com o cachorro. O animal -que fiquei sem saber se percebia alemão e entendia, ou não, o que ele dizia-, como eu e outros assistentes faziam o que a situação aconselhava: baixar as orelhas e nada de provocar o dono.
O furibundo levava numa das mãos um pequeno atrelado de rede, que mais que certo seria para transportar o viajante de quatro patas, e um instrumento de cordas. De repente, abandonou o carrinho e foi ter com mais uns turistas iguais a ele e que se banhavam também no lavadouro público. Uma senhora idosa, perante o estrebuchar do homem atirou ao vento: “este país é o caixote do lixo da Europa. Toda a merda cá vem parar!” –olhou para mim, engelhou a fronte, deu-me meio sorriso escarninho e partiu em frente. Calculo que em busca de uma outra Europa.

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