terça-feira, 11 de março de 2014

HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)

“Decorria o ano de 1968 quando comecei a trabalhar no comércio, como marçano -moço de recados. Tinha 10 anos acabadinhos de fazer e ainda não tinha largado os cueiros. Aprendi depressa a medir uma peça de pano e a cortar um retalho para um fato de saia e casaco. Fui testemunha viva do apogeu da Baixa e de muitos colegas, empregados como eu, que se tornaram empresários de sucesso. Acompanhei as suas vidas, desde o calcorrear das pedras e passando pela ronceira carrinha 4L, até ao Mercedes ostentatório. Numa interrogação que me há-de acompanhar até à tumba e sem resposta, pergunto-me: porque nunca fui capaz de arriscar num negócio meu? Sei lá! Sei apenas que, como destino pré-definido, me entreguei de coração à minha função e continuei a vender trapos por contra de outrem. Do alto dos meus 55 verões, olho para trás e recordo que conheci somente três patrões. No último estive 25 anos. Comecei lá em finais de 1980. Estava o comércio tradicional da Baixa a subir ao pico. Nesta altura e anos subsequentes não havia mãos a medir. Na última década, sem nada poder fazer, sempre a decrescer na vivência, assisti à sua morte lenta. Depois de umas falhas aqui e ali, no princípio do ano passado o patrão, dirigindo-se a mim e a mais colegas, afirmou que não tinha dinheiro para nos pagar e que fizéssemos o que bem entendêssemos. Foi um choque. Custou-me a acreditar no que ouvia. Durante três meses aguentei trabalhar sem receber até as minhas contas falarem mais alto. Foi então que contactei um advogado. Hoje estou a receber mensalmente uma parte acordada. Fui tratado com o mesmo desrespeito que a velhinha 4L. Estará certo este procedimento?”

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