(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
“Decorria
o ano de 1968 quando comecei a trabalhar no comércio, como marçano -moço de
recados. Tinha 10 anos acabadinhos de fazer e ainda não tinha largado os
cueiros. Aprendi depressa a medir uma peça de pano e a cortar um retalho para
um fato de saia e casaco. Fui testemunha viva do apogeu da Baixa e de muitos
colegas, empregados como eu, que se tornaram empresários de sucesso. Acompanhei
as suas vidas, desde o calcorrear das pedras e passando pela ronceira carrinha
4L, até ao Mercedes ostentatório. Numa interrogação que me há-de acompanhar até
à tumba e sem resposta, pergunto-me: porque nunca fui capaz de arriscar num
negócio meu? Sei lá! Sei apenas que, como destino pré-definido, me entreguei de
coração à minha função e continuei a vender trapos por contra de outrem. Do
alto dos meus 55 verões, olho para trás e recordo que conheci somente três
patrões. No último estive 25 anos. Comecei lá em finais de 1980. Estava o
comércio tradicional da Baixa a subir ao pico. Nesta altura e anos subsequentes
não havia mãos a medir. Na última década, sem nada poder fazer, sempre a
decrescer na vivência, assisti à sua morte lenta. Depois de umas falhas aqui e ali,
no princípio do ano passado o patrão, dirigindo-se a mim e a mais colegas,
afirmou que não tinha dinheiro para nos pagar e que fizéssemos o que bem
entendêssemos. Foi um choque. Custou-me a acreditar no que ouvia. Durante três
meses aguentei trabalhar sem receber até as minhas contas falarem mais alto.
Foi então que contactei um advogado. Hoje estou a receber mensalmente uma parte
acordada. Fui tratado com o mesmo desrespeito que a velhinha 4L. Estará certo
este procedimento?”
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