A notícia caiu-me de chofre pelo
telefone: “morreu o teu vizinho Joaquim Carriço!”. Como? Interroguei meio
atónito. Ainda um dia antes o avistara e ouvira a sua voz em monólogo com os seus cães. Os
seus animais de caça eram uma extensão de si mesmo. Uma certa descrença no homem e um acreditar que o cachorro, na sua irracionalidade, será mais leal do que o humano.
O Joaquim era uma presença forte da Baixa. Era odontologista com consultório no Largo das Ameias e com muitos amigos nesta zona antiga.
O Joaquim era uma presença forte da Baixa. Era odontologista com consultório no Largo das Ameias e com muitos amigos nesta zona antiga.
Mas afinal o que aconteceu? Quem
responde é o seu amigo de sempre, o Rui Alves –que o acompanhava no momento
fatídico em que se desenrolou a tragédia. “Éramos
três amigos. Estávamos a pescar na Costa Nova. Não sei bem explicar, mas eu
pressentia qualquer coisa. Logo de manhã o Carriço insistiu em ir à Figueira da
Foz comprar isco. Depois do regresso foi instalar as canas um pouco longe de
nós, no molhe. Havia uma rampa com dois metros e, como a maré estava a
esvaziar, pressupunha que iria ser bom para a pesca. Com a cana puxei-o. Foi
então que o “merdita” –como nos tratávamos todos com carinho- disse: “ estou a ver
as pedras a abanar!”. Achei estranha aquela observação. E até pensei que ele
estava a brincar. Seriam cerca de 12h20 quando pegou numa sandes e em três
cervejas -uma para cada um. Deu uma dentada e, de repente, começou a fazer-me sinais de aflição
para eu o apertar no peito e dando-me a entender que estava sem ar. A pigarrear
num sufoco indescritível, sem conseguir respirar, comecei a envolver o seu
tronco, numa tentativa de expulsar o pão que estaria preso na sua garganta. Mas
não conseguia e comecei a verificar que o Joaquim estava a ficar com as orelhas
roxas. Ligámos para o INEM e, através do telemóvel, disseram para lhe fazer uma
massagem cardíaca. Mas eu não estava a conseguir. E o INEM nunca mais chegava.
Chegou 25 minutos depois. Ao que parece trocaram o endereço. Os bombeiros chegaram
primeiro que a emergência médica. Tentaram tudo e até usaram um desfibrilhador, mas debalde! O médico do INEM disse que a sua morte,
provavelmente, teria sido causada por engasgamento, mas é normal acontecer ficar-se
sem conseguir ingerir alimentos quando a ocorrência é provocada por um AVC,
Acidente Vascular Cerebral. Ora o Carriço já tinha um historial clínico de
doença do coração. Há três anos teve um ataque grave. Tinha 67 anos, feitos a 3
de Janeiro, último. Ainda nem estou em mim. O meu melhor amigo morreu nos meus
braços e sem que eu pudesse fazer alguma coisa! A vida é muito injusta, carago!”
Nos Carvalhais de Cima, não se ouvirá mais a
voz grave e melodiosa do meu vizinho Carriço a cantar o fado. Desde os seus amados
cães até aos passarinhos do seu quintal, e sobretudo por todos nós, os seus
confinantes que o estimávamos muito, vamos sentir a sua falta. Descanse em paz,
meu amigo. Foi uma honra ter privado consigo. Até sempre.
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