LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: 97 ANOS"; "PARTIU O "ZÉ" MARIA DO ARCÁDIA"; "PELOS CAMINHOS DA FÉ ATÉ SANTIAGO"; e "A ÚLTIMA TREMOCEIRA FEZ ANOS"; e "UM CRÉDITO PARA O PINA"
REFLEXÃO: 97 ANOS
Se, metaforicamente, O Despertar fosse um homem dar-lhe ia um grande abraço e diria: estás mesmo bom, com bom aspeto, pá! Quem me
dera chegar à tua idade e ser tomado nos braços por tantas e lindas mulheres,
de todos os estratos sociais e de todas as eras! És um caso sério de
resistência e longevidade! Dá cá outro abraço, pá! Parabéns!
Depois desta imaginária congratulação, agora
estou sentado sobre a mesa, com o braço apoiado e a mão a fazer de concha para
sustentação do rosto –na posição do Pensador
de Rodin. Penso no que está acontecer à imprensa escrita, no jornalismo em
papel. Nos últimos anos, sem que nada se possa fazer, estamos a assistir à
morte continuada de títulos que fizeram parte da nossa existência, nesta liberdade
recente. Com a sua partida a vida em comunidade ficou mais pobre. Se folhearmos
os grandes jornais nacionais, para além de haver um repetição da notícia sem
tratamento –numa espécie de aceitar a fonte central de notícias e colar-,
verificamos que só interessam as grandes questões do mundo. Desapareceu a
pequena informação relativa à nossa rua, ao nosso bairro, à crónica sobre a
pessoa anónima. O homem comum tornou-se invisível nesta osmose purificadora do
disparate. Mesmo correndo o risco de estar a ser juiz em causa própria, tenho
de dizer que os jornais modestos, simples, feitos com a colaboração gratuita de
escritores de fim-de-semana –refiro a minha pessoa-, como O Despertar, cada vez
mais fazem sentido. O problema será aguentar, subsistir neste universo plastificado,
formatado e obcecado pela novidade do usar
e deitar fora, que rebentará pelo excesso de oferta e não pela carência. Nesta sociedade descartável, esta
prática a que chamamos desenvolvimento tecnológico, que no seu objeto faz do
homem um parasita que vive sem esforço à custa da máquina, tritura tudo o que é
tradicional e assente no passado. Hoje a História está para o país como o burro
para a agricultura. Ambos são tratados como instrumentos sem valor, sem um
segundo olhar, e que não merecem respeito. A História passou a ser um fim em si
mesmo e não um meio de formação intelectual para mais facilmente perceber o
presente e o futuro.
Cada vez mais o colaborador do
pequeno jornal, ao intervir na denúncia, é um missionário em terras abandonadas
da iliteracia funcional. Um grande abraço a todos quantos contribuem para a
feitura d´O Despertar.
PARTIU O “ZÉ” MARIA, DO ARCÁDIA”
Foi a enterrar na quarta-feira da semana passada, no
cemitério de Luso, José Maria Cerveira. Para a maioria este nome comum nada
dirá. Mas se eu escrever que faleceu o “Zé”
Maria, do Arcádia”, tenho a certeza, metade da Baixa fará um segundo olhar
sobre a notícia. Conheci bem o “Zé” Maria”.
Eu sou, ele foi, da mesma povoação que durante décadas nos viu por lá: Barrô,
do Luso. Curiosamente, na nossa terra, era tratado distintamente por “Senhor José Maria”. Noutros tempos, nas
aldeias, quando o estatuto era notado e implícito para quem se distinguia do
comum, esta era a forma manifestada a quem, para além do sucesso, era
reconhecido valor, respeito e afeição. Senhor de uma educação esmerada e de uma
visão alargada sobre o humano, imediatamente fazia o retrato psicológico de
quem estava à sua frente. Na sua calma natural, sem nunca levantar a voz, era
um “gentleman” na forma como falava
para qualquer um. Apesar de o ter conhecido bem e guardar dele uma boa memória,
e lamentar a sua partida apresentando públicas condolências à família, vou dar
voz a quem o conheceu melhor ainda, José António Machado:
“Comecei a trabalhar no Café Arcádia, Na Rua
Ferreira Borges, em 1976. Durante quase um quarto de século fui seu empregado.
Foi como um pai para mim. Tive sempre um bom relacionamento com ele. Sempre que
precisei emprestou-me dinheiro. Materialmente, tudo o que tenho foi com a ajuda
do Senhor José Maria. Era um homem de 5 estrelas! Ligava a todos por igual.
Tanto lhe fazia que fosse um pobre cigano como um rico capitalista. Enquanto
pessoas, mereciam o mesmo respeito. Ele nunca fazia distinções. Era bom que
este país seguisse o seu exemplo no trato e na equidade. No café Arcádia
chegámos a ser 19 funcionários, entre homens e mulheres. Tinha uma forma
incrível de nos avaliar. Quando fui pedir-lhe trabalho, em 1976, já ele tinha
uma grande lista de candidatos ao lugar. Eram 5h30 da madrugada quando falámos.
Eu viera no comboio correio da manhã, desde a Aguim. Estava ele a preparar as coisas
para abrir o café –nessa altura o Arcádia era já um ex-libris na Lusa Atenas.
Aqui parava a fina flor da cidade. Então admirou-se de eu vir tão cedo.
Respondi-lhe que estava habituado a erguer-me ainda a noite estava a sonhar.
Deu-me trabalho e desabafou mais tarde que fora por esta minha qualidade que me
escolhera. “Quem dorme muito não faz andar o moinho a tempo e horas”, dissera.
Tive sempre por ele uma consideração fora de série. Lembro-me, chegaram
a oferecer-me três vezes mais ordenado do que lá ganhava, mas eu respondia que
não se cospe no prato onde comemos a sopa. Só saí do Arcádia aquando do seu
encerramento, em final da década de 1990. Indemnizou todos e não ficou a dever
nada a ninguém. Era muito escrupuloso nas contas. O senhor José Maria foi um
dos históricos da Baixa. Já poucos restam do seu tempo. Fez muito bem a talvez
mais de metade dos comerciantes da Zona Histórica. Gostava muito de dinheiro,
era muito poupado. E sobretudo muito justo. Gostava de atribuir a cada um o que
é seu. E se via que o candidato ao empréstimo detinha qualidades emprestava sem
receio. Mereceu tudo o que ganhou. Foi uma honra tê-lo conhecido, sendo seu
empregado, senhor José Maria. Descanse em paz, meu amigo!”
PELOS CAMINHOS DA FÉ ATÉ SANTIAGO
Neste último domingo, dia 16, um grupo de oito membros da Irmandade da Rainha Santa Isabel, alguns
deles residentes na Baixa, pelas 11h00, assistiu à missa com bênção especial
feita pelo pároco Sousa. Com votos de boa sorte, deste sacerdote e de todos os
presentes na homilia dominical da Igreja da Rainha Santa Isabel e desejando a todos
estes caminheiros que tenham um bom desempenho e finalizem a sua jornada com
saúde e paz, o grupo partiu em direção a Santiago de Compostela. Iniciando a
sua missão de caminheiros de Valença terão
o seu regresso marcado para o próximo dia 22.
Luís Brito, o nosso vizinho e o
mentor entusiasta da caminhada, sem disfarçar o orgulho de participar, cheio de
força, enfatizou: “como já fizemos os
Caminhos de Santiago várias vezes, embora importe algum esforço físico, somos
tomados pela fé e com a ajuda de Deus vai correr tudo muito bem.”
A ÚLTIMA TREMOCEIRA FEZ ANOS
Batizei-a de última tremoceira por vender na Baixa, há mais de meio século, o
famoso acepipe. Maria Adelaide está sempre presente na Praça 8 de Maio rodeada
de tremoços, amendoins, pistachos e pinhoadas. No outono e no inverno vende
castanhas e nos restantes meses do ano vira-se então para o petisco tão próprio
das cervejarias portuguesas. Com o seu inconfundível lenço floreado na cabeça
Adelaide é uma reconhecida figura típica desta zona antiga.
Mas o que me levou a escrever sobre
a mulher mais querida do Centro Histórico não foi contar a sua vida, até porque
já escrevi montanhas de crónicas sobre a sua pessoa. É que a nossa Adelaide fez
90 anos. Como se fosse a coisa mais banal do mundo não liga muito ao facto.
Apenas pede a Deus saúde para continuar a trabalhar. Debaixo de um sorriso
matreiro lá vai enfatizando: “vou
continuar a trabalhar até morrer. A minha médica não quer que eu esteja parada
– porque já estive acamada quatro meses e, por isso, ia batendo a caçoleta.
Gosto muito de trabalhar, menino! Que quer? É um vício que está cá na
cachimónia! Pela alminha do meu falecido marido, que foi sacristão na Igreja de
São Tiago e com certeza deve estar no céu!”
Embora considere que merecesse
uma homenagem maior deixo-lhe esta singela. Em nome de toda a Baixa, se posso
escrever assim, uma grande salva de palmas de parabéns para a senhora Adelaide.
UM CRÉDITO PARA O PINA
Para
quem não souber, o cabo-verdiano Lourenço Pina, para além de tocar muito bem
viola acústica, tem uma voz caninha
impressionante. Para mal dele, teima em não mostrar os seus dotes de
intérprete. Até há pouco tempo fez parte da denominada Orquestra de Músicos de
Rua de Coimbra.
Depois da sua apresentação,
pegando no cartaz que se apresenta no BES, na Praça 8 de Maio, em que a
mensagem é “Crédito não é só para os
grandes” –apareça e cresça”, fazendo analogia com a mensagem, pelo que
vemos, constatamos que o Lourenço para além de não ser grande, apareceu e não cresceu. O que espera o BES para lhe dar
crédito? Talvez por ele estar em pé –digo eu! O melhor é o Pina esperar
sentado. Ou, porque somos pragmáticos e não acreditamos em milagres, demos nós,
eu e você, créditos ao Lourenço. Vá lá! Quando encontrar novamente, peça-lhe
para ele soltar a voz e dê-lhe uma moeda. Este é o verdadeiro crédito popular,
que se não o ajuda a crescer ajuda-o a sobreviver.
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