sexta-feira, 21 de março de 2014

LEIA O DESPERTAR


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: 97 ANOS"; "PARTIU O "ZÉ" MARIA DO ARCÁDIA"; "PELOS CAMINHOS DA FÉ ATÉ SANTIAGO"; e "A ÚLTIMA TREMOCEIRA FEZ ANOS"; e "UM CRÉDITO PARA O PINA"


REFLEXÃO:  97 ANOS

Se, metaforicamente, O Despertar fosse um homem dar-lhe ia um grande abraço e diria: estás mesmo bom, com bom aspeto, pá! Quem me dera chegar à tua idade e ser tomado nos braços por tantas e lindas mulheres, de todos os estratos sociais e de todas as eras! És um caso sério de resistência e longevidade! Dá cá outro abraço, pá! Parabéns!
Depois desta imaginária congratulação, agora estou sentado sobre a mesa, com o braço apoiado e a mão a fazer de concha para sustentação do rosto –na posição do Pensador de Rodin. Penso no que está acontecer à imprensa escrita, no jornalismo em papel. Nos últimos anos, sem que nada se possa fazer, estamos a assistir à morte continuada de títulos que fizeram parte da nossa existência, nesta liberdade recente. Com a sua partida a vida em comunidade ficou mais pobre. Se folhearmos os grandes jornais nacionais, para além de haver um repetição da notícia sem tratamento –numa espécie de aceitar a fonte central de notícias e colar-, verificamos que só interessam as grandes questões do mundo. Desapareceu a pequena informação relativa à nossa rua, ao nosso bairro, à crónica sobre a pessoa anónima. O homem comum tornou-se invisível nesta osmose purificadora do disparate. Mesmo correndo o risco de estar a ser juiz em causa própria, tenho de dizer que os jornais modestos, simples, feitos com a colaboração gratuita de escritores de fim-de-semana –refiro a minha pessoa-, como O Despertar, cada vez mais fazem sentido. O problema será aguentar, subsistir neste universo plastificado, formatado e obcecado pela novidade do usar e deitar fora, que rebentará pelo excesso de oferta e não pela carência. Nesta sociedade descartável, esta prática a que chamamos desenvolvimento tecnológico, que no seu objeto faz do homem um parasita que vive sem esforço à custa da máquina, tritura tudo o que é tradicional e assente no passado. Hoje a História está para o país como o burro para a agricultura. Ambos são tratados como instrumentos sem valor, sem um segundo olhar, e que não merecem respeito. A História passou a ser um fim em si mesmo e não um meio de formação intelectual para mais facilmente perceber o presente e o futuro.
Cada vez mais o colaborador do pequeno jornal, ao intervir na denúncia, é um missionário em terras abandonadas da iliteracia funcional. Um grande abraço a todos quantos contribuem para a feitura d´O Despertar.


PARTIU O “ZÉ” MARIA, DO ARCÁDIA”

 Foi a enterrar na quarta-feira da semana passada, no cemitério de Luso, José Maria Cerveira. Para a maioria este nome comum nada dirá. Mas se eu escrever que faleceu o “Zé” Maria, do Arcádia”, tenho a certeza, metade da Baixa fará um segundo olhar sobre a notícia. Conheci bem o “Zé” Maria”. Eu sou, ele foi, da mesma povoação que durante décadas nos viu por lá: Barrô, do Luso. Curiosamente, na nossa terra, era tratado distintamente por “Senhor José Maria”. Noutros tempos, nas aldeias, quando o estatuto era notado e implícito para quem se distinguia do comum, esta era a forma manifestada a quem, para além do sucesso, era reconhecido valor, respeito e afeição. Senhor de uma educação esmerada e de uma visão alargada sobre o humano, imediatamente fazia o retrato psicológico de quem estava à sua frente. Na sua calma natural, sem nunca levantar a voz, era um “gentleman” na forma como falava para qualquer um. Apesar de o ter conhecido bem e guardar dele uma boa memória, e lamentar a sua partida apresentando públicas condolências à família, vou dar voz a quem o conheceu melhor ainda, José António Machado:

“Comecei a trabalhar no Café Arcádia, Na Rua Ferreira Borges, em 1976. Durante quase um quarto de século fui seu empregado. Foi como um pai para mim. Tive sempre um bom relacionamento com ele. Sempre que precisei emprestou-me dinheiro. Materialmente, tudo o que tenho foi com a ajuda do Senhor José Maria. Era um homem de 5 estrelas! Ligava a todos por igual. Tanto lhe fazia que fosse um pobre cigano como um rico capitalista. Enquanto pessoas, mereciam o mesmo respeito. Ele nunca fazia distinções. Era bom que este país seguisse o seu exemplo no trato e na equidade. No café Arcádia chegámos a ser 19 funcionários, entre homens e mulheres. Tinha uma forma incrível de nos avaliar. Quando fui pedir-lhe trabalho, em 1976, já ele tinha uma grande lista de candidatos ao lugar. Eram 5h30 da madrugada quando falámos. Eu viera no comboio correio da manhã, desde a Aguim. Estava ele a preparar as coisas para abrir o café –nessa altura o Arcádia era já um ex-libris na Lusa Atenas. Aqui parava a fina flor da cidade. Então admirou-se de eu vir tão cedo. Respondi-lhe que estava habituado a erguer-me ainda a noite estava a sonhar. Deu-me trabalho e desabafou mais tarde que fora por esta minha qualidade que me escolhera. “Quem dorme muito não faz andar o moinho a tempo e horas”, dissera.
Tive sempre por ele uma consideração fora de série. Lembro-me, chegaram a oferecer-me três vezes mais ordenado do que lá ganhava, mas eu respondia que não se cospe no prato onde comemos a sopa. Só saí do Arcádia aquando do seu encerramento, em final da década de 1990. Indemnizou todos e não ficou a dever nada a ninguém. Era muito escrupuloso nas contas. O senhor José Maria foi um dos históricos da Baixa. Já poucos restam do seu tempo. Fez muito bem a talvez mais de metade dos comerciantes da Zona Histórica. Gostava muito de dinheiro, era muito poupado. E sobretudo muito justo. Gostava de atribuir a cada um o que é seu. E se via que o candidato ao empréstimo detinha qualidades emprestava sem receio. Mereceu tudo o que ganhou. Foi uma honra tê-lo conhecido, sendo seu empregado, senhor José Maria. Descanse em paz, meu amigo!”


PELOS CAMINHOS DA FÉ ATÉ SANTIAGO

 Neste último domingo, dia 16, um grupo de oito membros da Irmandade da Rainha Santa Isabel, alguns deles residentes na Baixa, pelas 11h00, assistiu à missa com bênção especial feita pelo pároco Sousa. Com votos de boa sorte, deste sacerdote e de todos os presentes na homilia dominical da Igreja da Rainha Santa Isabel e desejando a todos estes caminheiros que tenham um bom desempenho e finalizem a sua jornada com saúde e paz, o grupo partiu em direção a Santiago de Compostela. Iniciando a sua missão de caminheiros de Valença terão o seu regresso marcado para o próximo dia 22.
Luís Brito, o nosso vizinho e o mentor entusiasta da caminhada, sem disfarçar o orgulho de participar, cheio de força, enfatizou: “como já fizemos os Caminhos de Santiago várias vezes, embora importe algum esforço físico, somos tomados pela fé e com a ajuda de Deus vai correr tudo muito bem.”


A ÚLTIMA TREMOCEIRA FEZ ANOS

Batizei-a de última tremoceira por vender na Baixa, há mais de meio século, o famoso acepipe. Maria Adelaide está sempre presente na Praça 8 de Maio rodeada de tremoços, amendoins, pistachos e pinhoadas. No outono e no inverno vende castanhas e nos restantes meses do ano vira-se então para o petisco tão próprio das cervejarias portuguesas. Com o seu inconfundível lenço floreado na cabeça Adelaide é uma reconhecida figura típica desta zona antiga.
Mas o que me levou a escrever sobre a mulher mais querida do Centro Histórico não foi contar a sua vida, até porque já escrevi montanhas de crónicas sobre a sua pessoa. É que a nossa Adelaide fez 90 anos. Como se fosse a coisa mais banal do mundo não liga muito ao facto. Apenas pede a Deus saúde para continuar a trabalhar. Debaixo de um sorriso matreiro lá vai enfatizando: “vou continuar a trabalhar até morrer. A minha médica não quer que eu esteja parada – porque já estive acamada quatro meses e, por isso, ia batendo a caçoleta. Gosto muito de trabalhar, menino! Que quer? É um vício que está cá na cachimónia! Pela alminha do meu falecido marido, que foi sacristão na Igreja de São Tiago e com certeza deve estar no céu!”
Embora considere que merecesse uma homenagem maior deixo-lhe esta singela. Em nome de toda a Baixa, se posso escrever assim, uma grande salva de palmas de parabéns para a senhora Adelaide.


UM CRÉDITO PARA O PINA

Para quem não souber, o cabo-verdiano Lourenço Pina, para além de tocar muito bem viola acústica, tem uma voz caninha impressionante. Para mal dele, teima em não mostrar os seus dotes de intérprete. Até há pouco tempo fez parte da denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra.
Depois da sua apresentação, pegando no cartaz que se apresenta no BES, na Praça 8 de Maio, em que a mensagem é “Crédito não é só para os grandes” –apareça e cresça”, fazendo analogia com a mensagem, pelo que vemos, constatamos que o Lourenço para além de não ser grande, apareceu e não cresceu. O que espera o BES para lhe dar crédito? Talvez por ele estar em pé –digo eu! O melhor é o Pina esperar sentado. Ou, porque somos pragmáticos e não acreditamos em milagres, demos nós, eu e você, créditos ao Lourenço. Vá lá! Quando encontrar novamente, peça-lhe para ele soltar a voz e dê-lhe uma moeda. Este é o verdadeiro crédito popular, que se não o ajuda a crescer ajuda-o a sobreviver.

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