quinta-feira, 27 de março de 2014

EDITORIAL: ADEUS COMÉRCIO DE RUA

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Com o terramoto legislativo governamental previsto para breve, e anunciado na comunicação social de total liberalização da actividade mercantil, está em marcha a destruição absoluta do comércio tradicional. Do pequeno estabelecimento de tecidos a metro, ao pronto-a-vestir, à sapataria, à pequena loja de ferragens, à perfumaria, não restará pedra sobre pedra. A partir do momento em que entre em vigor o diploma, depois de passar pela Assembleia da República, o comércio generalista entra em contagem decrescente em direcção à tumba. A partir daqui os centros históricos, a braços com uma desertificação acelerada de moradores, estarão apenas destinados à hotelaria.
A ser verdade que se vai liberalizar a época de saldos durante todo o ano, abrir-se novas superfícies comerciais com mais de 2000 metros quadrados através de uma simples declaração, abertura de esplanadas com diferimento tácito –aprovadas se não houver resposta da entidade municipal no prazo de 20 dias- e a liberalização total de horários para cafés, cervejarias, discotecas e casas de fado –que até agora só podiam estar abertas até às quatro da manhã, está em marcha uma revolução com consequências imprevisíveis. Com esta medida, ao dar-se plena liberdade empresarial à iniciativa privada, totalmente sem regras e saindo da tutela do Estado, está a dar-se aos grandes grupos económicos a possibilidade de assistirem ao completo aniquilamento dos mais pequenos. Guerreando-se entre si, com margens praticadas abaixo de custo e apenas para a sobrevivência, numa política de preços de terra-queimada, os pequeníssimos vendedores estarão a auto-destruir-se e a fazer o jogo dos grandes hipermercados.
Se havia dúvidas de que a pequena loja de bairro tinha os dias contados, a partir de agora é oficial. Vai desaparecer completamente dos centros das cidades. Se até aqui as directrizes governamentais deste Governo e anteriores eram subtis, agora caiu a máscara da pouca-vergonha. Este extermínio é um escândalo. É uma afronta à dignidade de tantos e tantos comerciantes que deram a vida na prossecução da revitalização harmoniosa das urbes, no último século. De aqui para a frente está em marcha a desvalorização completa do edificado nas zonas velhas. Será o fim destas áreas como zonas residenciais. Em face do ruído previsto durante toda a noite, ninguém ousará vir morar para o centro de um vulcão.
Ressalve-se a manutenção da boa moral e dos bons costumes ao continuar-se a proibir a abertura de sex-shops a menos de 300 metros de escolas ou igrejas. Se isto não fosse trágico dava vontade de rir até escancarar.
É o golpe fatal na classe média e nos pequenos artesãos, comerciantes e lojistas. É bom lembrar que foi uma ofensiva assim, da escravidão ao despotismo, que esteve na origem da Revolução Francesa de 1789 e que deu origem ao iluminismo. Convém também recordar que o mesmo se passou no império germânico, na Alemanha, com a revolução entre 1830 e 1848, pelo domínio absoluto da Prússia, e que, para além de originar várias crises em países europeus como a França, daria o germinar crescente do nacionalismo até à 1.ª Grande Guerra. Por cá, em Portugal, também pelo descontentamento popular, a descambar na violência, esteve o fim da Monarquia e ascensão da 1.ª República, em 1910, e o nacionalismo institucional liderado por Salazar com a implantação do Estado Novo, em 1933. 
Estou em acreditar que, no último meio-século e por parte da hegemonia capitalista selvagem, estamos em face da maior ofensiva perpetrada alguma vez contra os pequenos proprietários, artesãos e negociantes. Estamos perante uma agressão aviltante, aberrante, uma pilhagem neoliberal visando o descarado empobrecimento e a miséria dos mais pequenos.
É muito triste o que está acontecer. Todo o comércio tradicional está de luto. Vamos esperar a resposta da população.

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