sábado, 1 de março de 2014

EDITORIAL: UM PAÍS MASCARADO

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



 Numa decisão populista em que se pretendia convencer –somente demonstrar e nada mais- de que é preciso trabalhar, o Governo retirou a tolerância de ponto ao dia de Carnaval. Agindo como Talião, pegou na espada e cortou a cabeça ao Rei Momo. Esqueceu que um costume empírico tem mais de sete vidas e, pela ancestralidade e enraizamento na população, por mais proibições e cortes que se executem, é inevitável, jamais desaparecerá. Tentar apagar esta prática popular será o mesmo que tentar evitar que as águas corram para o mar. Só citadinos de fatinho e gravata, burgueses sem conhecimento do povo no seu dia-a-dia, que nunca desceram ao país do "poeta Aleixo" e do salteador “Zé do Telhado” podem tomar decisões contra-natura e ferir a cultura de um colectivo que precisa da festa para expurgar os demónios que se exercitam dentro de si.
Como era de prever, os efeitos resultantes e conclusivos da medida de proibição são catastróficos. O que se vê é um país à deriva, acéfalo, sem cabeça –ou o contrário, com muitas cabeças-, onde parece não se saber quem manda nem para onde se caminha. As autarquias dão o mote para que toda a orquestra económica desafine. Então, num ano de eleições europeias, assistimos a coisas do arco-da-velha. Como os autarcas se estão a marimbar para o executivo e para a Nação e só lhes interessa o futuro próximo, que é já em Maio, resolvem a seu bel-prazer e sobretudo para agradar às suas clientelas. Os edis do contra, representando a oposição e as cores mais à esquerda, aproveitam para desalinhar das ordens emanadas de Lisboa e, fazendo política partidária, encerram os serviços camarários na terça-feira. Numa vergonha sem precedentes, e numa altura de crise económica, a Câmara Municipal de Lisboa fecha dois dias, na segunda e na terça. Não está em causa a legítima autonomia das autarquias. O que deveria estar -e é isso que se espera de um político eleito- era que, mesmo discordando do decreto governamental, o superior interesse público fosse colocado acima de todas as conveniências. Mais ainda, o que se salienta nestes egoístas despachos arbitrais é o fraco modelo que estes governantes transmitem aos eleitores e à sociedade. Numa altura em que a credibilidade dos agentes políticos anda pelas ruas da amargura e era necessário mostrar que o que conta menos é a ideologia e seus proveitos ocasionais, com estas medidas sem racionalidade cai a máscara a todos e faz-nos acreditar que não teremos futuro com esta gente que nos administra.
Não tenho dúvidas que até se entende a decisão dos edis, em cujas terras tenham grande tradição do corso, como é o caso de Mealhada, Ovar, Torres Novas e outras, em fazerem feriado. Nestes casos, fazer ponte, é estarmos perante uma decisão de necessidade. É a economia da cidade, ou da vila, que está em causa. Mas e as outras como Coimbra, por analogia, que não têm tradição carnavalesca? Fará algum sentido os serviços camarários da cidade dos estudantes encerrarem no dia do entrudo? Será que o executivo municipal não deveria fazer passar uma ideia de grande responsabilidade pela deficitária economia da cidade? Em face deste (mau) exemplo, e seguindo o ano passado, a maioria das lojas da Baixa vão estar fechadas. Afinal, estamos ou não estamos em tempo de vacas magras? Não era melhor o Governo decidir de uma vez para que se não passe esta ignomínia?


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