LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "BAIXA: POR DUAS CANAS DE PESCA"; "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O INTUITIVO"; e "PARABÉNS AO CHEFE"; "REABRIU A PASTELARIA "MUI CHOCOLATE"; e "UMA TROCA FELIZ"
BAIXA: POR DUAS CANAS DE PESCA
A loja Baía, situada com frentes
para as Ruas de Sargento-Mor e da Sota, foi assaltada em plena luz do dia do
último domingo. Seriam cerca das 7h00, já o sol entrava pelas persianas dentro,
quando uma vizinha do histórico estabelecimento, a laborar desde 1974, ouviu um
estrondo. Foi à janela e apercebeu-se de um indivíduo debruçado sobre a montra
e a retirar objetos do seu interior. Contactou imediatamente o Celso Magalhães
Baía, o proprietário, e este rapidamente veio avaliar os estragos e contactar a
Polícia de Segurança Pública (PSP). Tinham desaparecido 10 carretos e duas
canas de pesca.
Vamos ouvir o Celso, “cerca das 8h00, estava dentro da loja a
contabilizar os danos quando um amigo veio bater à porta a dizer que o meliante
tinha acabado de tentar vender uma cana e um carreto por 5 euros no Largo das
Ameias e naquela altura, calmamente, estava a tomar o pequeno-almoço num dos
cafés da praceta. Veio então a PSP e os agentes prenderam o arrombador de
montras e violador de sonos soltos de velhinhas, um toxicodependente e
reconhecido trabalhador polidor de esquinas na zona histórica. Foi recuperado
todo o material e o homem, sob detenção, foi encaminhado para a Esquadra de
polícia para ser identificado. Cerca de duas horas depois a PSP, porque outra
coisa não poderia fazer à face da lei, soltou o meliante.”
COIMBRA, CIDADE DE TRABALHADORES
Pelo que vou contar a seguir, é óbvio que
estamos perante um “workaholic”, um
trabalhador compulsivo, que não se pode ver inativo. Continuando a citar o
Baía, “conforme me disseram, passada uma
hora já estava no interior da igreja de São Tiago a “dar a palmada” a uma
carteira de uma velhinha. Mais uma vez, porque também será a sina dos polícias
divididos entre o prende solta, lá colocaram o gatuno em liberdade.”
Pergunto eu, mero escriba e contador de histórias,
o que seria de nós, coletividade, sem estas crónicas matinais de domingo? Saúde
franca e duradoura para este trabalhador incansável destes becos e ruelas e
para a PSP. Ah, é verdade, sem esquecer o legislador que, no seu remanso de
pensador, que só quer o bem de quem labuta, cuida dos direitos, liberdade
garantias de quem tanto faz para quebrar as rotinas das nossas cidades. Se
assim não fosse tudo isto seria uma pasmaceira. E mais, provavelmente, se a mão
da lei fosse dura lex para biltres
como este e fossem arrecadados o mais certo era haver ainda mais insolvências e
desemprego. Não só iam os serviços prisionais de vela como a própria PSP
começava a não ter trabalho. E depois?
HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES
“Decorria
o ano de 1968 quando comecei a trabalhar no comércio, como marçano -moço de
recados. Tinha 10 anos acabadinhos de fazer e ainda não tinha largado os
cueiros. Aprendi depressa a medir uma peça de pano e a cortar um retalho para
um fato de saia e casaco. Fui testemunha viva do apogeu da Baixa e de muitos
colegas, empregados como eu, que se tornaram empresários de sucesso. Acompanhei
as suas vidas, desde o calcorrear das pedras e passando pela ronceira carrinha
4L, até ao Mercedes ostentatório. Numa interrogação que me há-de acompanhar até
à tumba e sem resposta, pergunto-me: porque nunca fui capaz de arriscar num
negócio meu? Sei lá! Sei apenas que, como destino pré-definido, me entreguei de
coração à minha função e continuei a vender trapos por contra de outrem. Do
alto dos meus 55 verões, olho para trás e recordo que conheci somente três
patrões. No último estive 25 anos. Comecei lá em finais de 1980. Estava o
comércio tradicional da Baixa a subir ao pico. Nesta altura e anos subsequentes
não havia mãos a medir. Na última década, sem nada poder fazer, sempre a
decrescer na vivência, assisti à sua morte lenta. Depois de umas falhas aqui e
ali, no princípio do ano passado o patrão, dirigindo-se a mim e a mais colegas,
afirmou que não tinha dinheiro para nos pagar e que fizéssemos o que bem
entendêssemos. Foi um choque. Custou-me a acreditar no que ouvia. Durante três
meses aguentei trabalhar sem receber até as minhas contas falarem mais alto.
Foi então que contactei um advogado. Hoje estou a receber mensalmente uma parte
acordada. Fui tratado com o mesmo desrespeito que a velhinha 4L. Estará certo
este procedimento?”
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O INTUITIVO
Quantas vezes nas últimas décadas já passamos
por ele junto ao Centro Comercial Sofia? E, na sua ladainha tão própria dos
invisuais, ouvimos: “ajude o ceguinho,
por amor de Deus, Senhor!”. Tantas, tantas que até pensamos que o Valdemar
Ribeiro Simões Martins é o porteiro de serviço do antigo Convento de São
Domingos, na Rua da Sofia.
O Valdemar tem 67 anos e é
completamente cego. Nasceu a ver, não muito mas alguma coisa. Aos 16 anos teve
meningite e a visão encolheu. É solteiro por opção, porque teve um grande amor
na sua juventude, mas não quer falar disso. Anda pela Baixa há cerca de quatro
dezenas de anos e assentou praça há
35 no local onde o encontrei agora. É ali que vende a sorte aos outros porque para
ele não precisa. É muito feliz e nunca andou triste, diz-me em palavras bem
vincadas. Nasceu em Vila Nova de Poiares. É filho de uma prole muito pobre que
deu ao mundo 11 rebentos. Como os progenitores não tinham possibilidades para
os criar foram todos distribuídos por vários asilos do país. A ele calhou-lhe
em sorte ir para Castelo de Vide. Para sua negra memória, foi a direção deste
asilo situado no Alentejo que decidiu mandá-lo para Lisboa para arrancar os
olhos. Embora fosse há 50 anos, lembra-se como se fosse hoje. “Foi a sangue frio. A anestesia não fez
efeito e foi com um sofrimento atroz que mos retiraram. Foi para estudarem.
Naquele tempo era assim!”, enfatiza. “Mas
Deus compensou-me. É muito meu amigo! Eu não ando na escuridão. Caminho na luz
do Senhor. Eu “vejo” tudo através da intuição! Para além disso, tenho uma
memória geográfica e auditiva fora de série. Nunca me perco. Ainda há tempos um
grupo de amigos me convidou para jogar à moeda. Limpei-os a todos! Sabe porquê?
Porque pelo quase inaudível tilintar das moedas nas mãos dos jogadores eu sabia
quantas levavam! Nunca mais quiseram jogar comigo. A gente sabe que há Deus, o
Filho e o Espírito Santo, na Santíssima Trindade, é ou não é? Então entrego-me
a Ele e cuida de mim!”
PARABÉNS AO CHEFE
O mais famoso cozinheiro da nossa Baixa fez
anos esta semana. Claro que se você não sabe de quem se trata só pode
significar que já não vem a esta parte velha da cidade há muito tempo. Pergunte
ao “Zé”, interrogue o “Manel”, indague a Carolina e qualquer um destes sabe que o António Manuel Jesus
Gonçalves, do “snack-bar” o Paulo, na
Rua da Louça, é o maior mestre de culinária do Centro Histórico. Quiçá da
cidade. Então numa homenagem merecida, esta semana houve bolos e bolinhos,
festa e foguetório na artéria em frente à Igreja de Santa Cruz. Perante tantos
amigos e em face de tanto reconhecimento e carinho, ao soprar as velas, o
António não pode evitar uma lágrima vadia que teimou em rolar pelo rosto
nascido há 39 anos. Numa repetição criada pela enxurrada de solta ternura
dizia: “obrigado. Obrigado a todos!”. Como se estivéssemos lá na mesma altura,
também proclamamos: muitos parabéns,
António!
REABRIU A PASTELARIA “MUI CHOCOLATE”
Depois de uns dias de encerramento e por
cedência da anterior proprietária, reabriu há dias, na Rua da Gala, o café “Mui Chocolate” com nova gerência. Vindo
de Figueiró dos Vinhos, onde durante muitos anos deteve um grande restaurante e
experiência farta, o casal Martins, constituído pelo Jorge Martins e a Rosinda
Nunes Martins, tomou em ombros o projeto já iniciado de dar vida àquela artéria
e, com o seu esforço, contribuir para a revitalização da Baixa.
Quando pergunto como surgiu a
ideia de virem para Coimbra, respondeu o Jorge: “Temos uma filha que veio para cá estudar para a Universidade. Então
pensámos em mudar tudo para a grande cidade dos estudantes. Embora nascesse cá
há 49 anos, já há muito tempo que estou fora. Vinha muitas vezes porque a
ligação é quase umbilical. Porém, quando percorria estas ruas de calçada portuguesa
era meramente um passante como outro qualquer. Surgiu então a oportunidade de
pegarmos neste extraordinário espaço tão bem concebido na localização e na
decoração e foi logo amor ao primeiro olhar. Começamos imediatamente a fazer
planos para o futuro. Como é normal nas mudanças de administração, alteramos
algumas coisas que consideramos essenciais. Agora temos fabrico próprio de
pastelaria. Confecionamos a boa bifana e a saborosa sandes de carne assada e
outros petiscos. Juntamente com quem cá está, estamos aqui para a luta e cheios
de força para contribuirmos para a recuperação desta zona antiga. Tenho a
certeza de que a Baixa vai superar o desalento. É uma questão de tempo. Se
assim não fosse, se não acreditássemos, estaríamos cá de coração e alma? Venham
visitar-nos. Como bons anfitriões que somos, contem sempre com um sorriso à
vossa espera.”
UMA TROCA FELIZ
Há dias, durante a hora do almoço, encontrei o
José Simão, funcionário da empresa Recolte, a lisboeta firma de resíduos contratada
para a limpeza urbana da cidade, na Rua do Corvo na sua faina diária com a tradicional
vassoura e pá na mão para a recolha de detritos. Até aqui tudo normal. O que me
saltou à vista e deu origem a esta pequena crónica é o facto de se fazer
acompanhar com um carro de duas rodas, em modelo igual ao de meados do século
XX. Sabendo nós que a ERSUC, a anterior empresa concessionada, utilizava um
grande aspirador a gasolina para o mesmo efeito, de repente, dei por mim a
pensar se, nesta permuta de auxiliar máquina por força braçal, regredimos ou
progredimos? Sem querer influenciar, cá para mim nem uma coisa nem outra. Trata-se
simplesmente de uma troca (feliz) que cai bem numa zona velha e histórica.
Sem comentários:
Enviar um comentário