sexta-feira, 21 de março de 2014

EDITORIAL: ESTA SOCIEDADE DE ESPECTÁCULO!




Em Itália, num concurso para novas vozes, “The Voice IT”, apareceu uma freira a cantar espectacularmente e encantou o público e o júri presente. O vídeo está a correr o mundo. (Visione em cima)
Por um lado, imediatamente surge uma pergunta: se acaso ela se apresentasse sem uniforme teria o mesmo sucesso? Provavelmente passaria à eliminatória seguinte mas a sua prestação não sairia daquelas quatro paredes. Vivemos hoje numa sociedade que, a todo o gás, procura o diferente. Então se estiver uma farda no meio é tiro e queda. Adoramos, todos, o lado cinzento do conspícuo, do notável, daquele que, para além de ter o dever de aparentar, tem de ser obrigatoriamente respeitável. Há aqui um certo voyeurismo, um perseguir uma imagem que não existe. Um espreitar por detrás do espelho.
Por outro, imaginemos que esta cena se passava em Portugal. O que teria acontecido? Mais que certo, teria caído o Carmo, a Trindade e a eminência do bispo da diocese onde a servidora de Deus estaria vinculada. Somos um país muito sério. E com coisas sérias não se brinca, diriam os puritanos. O respeitinho é muito lindo. Ou seja, o desejo de que este espectáculo ocorra mantém-se, simplesmente não há coragem para furar o situacionismo. A gente gosta, mas é pecado, pronto! Não pode ser! E não há discussão!
Ainda há dias ocorreu numa discoteca do país um strip-tease feito por um agente da GNR, fardado e com arma no coldre. Caiu a mácula na instituição da Guarda Nacional Republicana. Vozes da terra e do Céu levantaram-se em coro contra a afronta. Como é de prever, o aventureiro militar, mais que certo, corre o risco de expulsão por, alegadamente, envergonhar a organização de força policial. Está certo? Não sei! Há sempre duas formas da avaliar o mesmo problema. Então do ponto de vista ideológico é fatal. Para a direita, sempre tão agarrada aos velhos costumes, é um escândalo sem precedentes. Queime-se o homem no pelourinho da insanidade! Para a esquerda, que adora o corte fracturante mas com calmex, é um “nim”, nem assim, nem o contrário, nem coisa que o valha em alternativa. Aguarda-se serenamente as conclusões do inquérito, exclamarão com solenidade, sem se comprometer e embrulhados na hipocrisia de sempre, no manto diáfano da nebulosa.
Para mim, que sou liberal e procuro não ser dissimulado e escrevendo o que penso, analisando este caso do militar GNR, creio que o homem se excedeu, sobretudo usando arma no show. Deveria ter pedido autorização. No entanto se pedisse, seria concedida? É óbvio que não. Então o que quero dizer com isto? Que a sociedade, incluindo a militar, é dinâmica e como tal, nos actos que fogem ao comum, o seu julgamento a posteriori terá de ser avaliado sob o ponto de vista progressista e não estático. Como tal a justiça militar não deve agir neste caso de lana caprina da mesma forma que age um tribunal marcial a julgar traição à Pátria. Não se pode ir dos oito para o oitenta. Caso continue a proceder num fingimento que só ela, instituição, acredita corre o risco sério de cair no ridículo.
Em suma, não sei se consegui ser claro mas este país, fazendo comparação com outros europeus, somos todos tão cinzentos. Valha-nos Deus! Que este vídeo da freira italiana sirva para alguma coisa. Sobretudo para nos fazer pensar!

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