LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: UM PAÍS MASCARADO"; "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O PROFESSOR"; e "GO! WALKS" - VAMOS LÁ A ANDAR!
REFLEXÃO: UM PAÍS MASCARADO
Numa decisão populista em que se pretendia convencer
–somente demonstrar e nada mais- de que é preciso trabalhar, o Governo retirou
a tolerância de ponto ao Dia de
Carnaval. Agindo como Talião, pegou na espada e cortou a cabeça ao Rei Momo. Esqueceu que um costume
empírico tem mais de sete vidas e, pela ancestralidade e enraizamento na
população, por mais proibições e cortes que se executem, é inevitável, jamais
desaparecerão. Tentar apagar esta prática popular será o mesmo que tentar
evitar que as águas não corram para o mar. Só citadinos de fatinho e gravata,
burgueses sem conhecimento do povo no seu dia-a-dia, que nunca desceram ao país
do “poeta Aleixo” e do salteador “Zé do Telhado” podem tomar decisões
contranatura e ferir a cultura de um coletivo que precisa da festa para
expurgar os demónios que se exercitam dentro de si.
Como era de prever, os efeitos resultantes
e conclusivos da medida de proibição são catastróficos. O que se vê é um país à
deriva, acéfalo, sem cabeça –ou o contrário, com muitas cabeças-, onde parece
não se saber quem manda nem para onde se caminha. As autarquias dão o mote para
que toda a orquestra económica desafine. Então, num ano de eleições europeias,
assistimos a coisas do arco-da-velha.
Como os autarcas se estão a marimbar para o executivo e para a Nação e só lhes
interessa o futuro próximo, que é já em Maio, resolvem a seu bel-prazer e
sobretudo para agradar às suas clientelas. Os edis do contra, representando a oposição e as cores mais à esquerda,
aproveitam para desalinhar das ordens emanadas de Lisboa e, fazendo política
partidária, encerram os serviços camarários na terça-feira. Numa vergonha sem
precedentes, e numa altura de crise económica, a Câmara Municipal de Lisboa
fecha dois dias, na segunda e na terça. Não está em causa a legítima autonomia
das autarquias. O que deveria estar -e é isso que se espera de um político
eleito- era que, mesmo discordando do decreto governamental, o superior
interesse público fosse colocado acima de todas as conveniências. Mais ainda, o
que se salienta nestes egoístas despachos arbitrais é o fraco modelo que estes
governantes transmitem aos eleitores e à sociedade. Numa altura em que a
credibilidade dos agentes políticos anda pelas ruas da amargura e era
necessário mostrar que o que conta menos é a ideologia e seus proveitos
ocasionais, com estas medidas sem racionalidade cai a máscara a todos e faz-nos
acreditar que não teremos futuro com esta gente que nos administra.
Não tenho dúvidas que até se
entende a decisão dos edis, em cujas terras tenham grande tradição do corso,
como é o caso de Mealhada, Ovar, Torres Novas e outras, em fazerem feriado.
Nestes casos, fazer ponte, é estarmos perante uma decisão de necessidade. É a
economia da cidade, ou da vila, que está em causa. Mas e as outras como Coimbra,
por analogia, que não têm tradição carnavalesca? Fará algum sentido os serviços
camarários da cidade dos estudantes encerrarem no dia do entrudo? Será que o
executivo municipal não deveria fazer passar uma ideia de grande
responsabilidade pela deficitária economia da cidade? Em face deste (mau)
exemplo, e seguindo o ano passado, a maioria das lojas da Baixa vão estar fechadas.
Afinal, estamos ou não estamos em tempo de vacas magras? Não era melhor o Governo
decidir de uma vez para que se não passe esta ignomínia?
HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES
“De tempos a tempos apercebia-me de que do
lado de fora da montra da minha loja ele olhava para mim, que estou dentro, atrás
do balcão, e à espera de quem não prometeu vir, e nada dizia. Não era um olhar
igual a outro qualquer. Era um raio de súplica. Um grito surdo que parecia
querer soltar-se das amarras. Como se aquele vislumbre quisesse dizer alguma
coisa e desistisse a meio do caminho. Mas eu sou mulher e, em minha defesa
calculista, fazia que não notava. E ele voltava novamente outro dia qualquer e
permanecia com os olhos fixos na minha imagem. Até que há tempos reparei na sua
vacilação, entre o falo ou não falo? E então cumprimentou: “bom dia!”. Cordialmente, respondi da
mesma forma. É um homem sozinho, de meia-idade. Veste com simplicidade e reside
por aqui, num qualquer quarto da Baixa. Certamente, carrega sobre os ombros o
peso de muitos sonhos idealizados e algumas realizações falhadas. Imagino que
sua autoestima, depois de subir a montanha e atingir o pico, desceu e estabilizou
no sopé. Volta e meia passa aqui e, como sempre, saúda. Sinto cada vez mais que
a pequena lojeca de bairro, como a minha, é muito mais do que um ponto de
compra e venda. É um candeeiro de luz que ilumina corações tristes. É um centro
de relações humanas.
Agora, que já venceu a inibição, se,
para além de mim, não estiver ninguém no estabelecimento ele entra e fala da
sua vida: “desculpe incomodar, mas não
tenho com quem conversar. Sinto-me só, sabe? Já tive tudo, já fui rico, muito
rico, e agora vagueio por estas ruas e ruelas como cão escanzelado e sem dono.
Gostava que a minha única filha, que está no estrangeiro e não me liga nenhuma,
me olhasse pelo que sou, enquanto pessoa, e não pelo que já fui e deixei de ser.
É muito triste a solidão!”
ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O PROFESSOR
Como andorinha em busca de um beiral,
encontramo-lo muitas vezes a calcorrear as pedras da calçada. Como se andasse
em busca de um passado que não passa disso mesmo e não volta mais, o seu
passeio pela Baixa é rápido e repetido pelos mesmos locais. Tem os seus poisos
pré-definidos, como quem diz, um amigo numa das ruas estreitas e outro na rua
larga. Quando em descanso o seu rosto é fechado, como se estivesse em
permanente defesa. Se alguém lhe fala com ternura, escancara as portas da alma
e sorri como uma criança de colo.
Dá pelo nome de José
Manuel Menezes Lopes Cabral. Deu aulas de educação visual em Moçambique e em
meio Portugal. Também passou pela ilha dos Açores. No Continente, atravessou o
interior desde a Covilhã, passando pelo Fundão, até Castelo Branco. Por cá,
mais para litoral, passou pela Lousã, Penacova e em Coimbra, na Escola Eugénio
de Castro e Silva Gaio. Pelos mais velhos, outrora seus alunos, é tratado com
carinho e reconhecido por “professor”.
Tem 70 anos, é solteiro e bom rapaz. Nunca
casou porque não ganhava o suficiente para manter uma mulher,
confidencia-me. Também diz que foi abandonado pelos pais em criança e este facto
marcaria para sempre a sua existência de eremita. A vida que leva não o
satisfaz. Sente-se muito só. Apesar de auferir uma reforma razoável, talvez
para colmatar os buracos da solidão, nos últimos anos deu em comprar coisas
compulsivamente e sem necessitar. Meteu-se em créditos desnecessários. Depois
de descontados à cabeça no final do mês, fica com pouco. Quase nada. “Já tive tudo, carros bons e sempre a
estrear. Agora tenho pouco mas, paciência! Quando pagar tudo, dos meus
empréstimos, ainda vou ter um carrinho em segunda mão!”
“GO! WALKS” –VAMOS LÁ A ANDAR!
Para além de todos os dias espetar os olhos na mais
linda pérola arquitetónica da Baixa e, em solilóquio, cá com os meus botões,
maldizer o seu estado de semiabandono, com o tempo fui acreditando que um
destino de utilidade turística lhe estaria reservado. Escrevo sobre a Casa Medieval, construída com paredes de
“enxaimel” –ténica ancestral constituída por tirantes de madeira entrelaçada
que suportam pedras ou tijolos e ligados por barro, na antiguidade. Este ícone
da nossa monumentalidade possui pisos de sobrado e com loja no piso térreo
destinada ao mester da época remota. De propriedade particular, o prédio está
implantado na confluência das Ruas Sargento-mor, dos Gatos e Adro de Cima. Uma
parte do imóvel, provavelmente a original, normalmente esteve sempre encerrada
até agora. Na outra parte, talvez a que ao longo dos séculos foi sendo
modificada, está uma das mais lindas lojas de artesanato da Baixa, a “Casa Anita”.
Há dias chamou-me a
atenção o facto de a parte de construção mais antiga ter as portas abertas e
sobre as janelas, duas capas pretas académicas, em formato de avental, esvoaçarem
ao vento. Junto à porta de entrada, com pouco mais de um metro de altura, uns
cartões miniatura, de visita, apresentavam o novo inquilino em forma de projeto:
“Go! Walks” – Percursos Pedonais”.
Subi as escadas. Lá ao cimo estava uma mulher linda. Interroguei: o que é isto?
“Chamo-me Sara Cruz e sou o rosto humano desta nova sede de uma empresa
Unipessoal, turística, a Go! Leisure & Heritage, que já existe desde julho
de 2012 –embora até agora estivesse situada em minha casa. Juntamente com colaboradores,
nestes quase dois anos e no dia-a-dia, estivemos sempre no Largo da Portagem
debaixo de um chapéu e com bandeirinhas de sinalização. O objeto da minha
empresa é apresentar a turistas nacionais ou estrangeiros, em grupo ou
individualmente, percursos pedonais a quem nos contratar para mostrar a cidade
em toda a sua monumentalidade no que está acima do olhar comum e abaixo do
conhecimento linear. Sou licenciada em turismo pela Universidade de Coimbra. A
ideia surgiu-me depois de fazer o estágio profissional numa empresa sediada no
Centro Histórico, e também no ramo turístico, e verificar que havia uma lacuna
na forma de dar a conhecer a urbe a quem nos visita. Felizmente está a correr
muito bem. Agora estamos na época baixa, mas a partir de Abril começarão a
surgir muitos turistas. Por enquanto não se nota muito os efeitos da declaração
de interesse mundial consagrada pela UNESCO. O visitante individual ainda não
sabe. Há um grande esforço a fazer. Sem falsa modéstia, sei que o meu trabalho,
para além de dignificar o turismo, é muito importante. Sei muito bem que um bom
guia turístico pode transformar completamente a ideia de cidade de quem nos
visita. Somos nós que a “vendemos” ao mundo, em amostra de palavras de amor e
carinho.
Surgiu agora a oportunidade de me instalar aqui neste encantador espaço
medieval, que é propriedade de familiares do meu marido. Com o pouco que tenho
e sem alterar nada do existente, pintando e limpando, tento dar utilidade a
esta fração que estava encerrada. Gostava de sentir mais apoio por parte da
edilidade mas, infelizmente, não sinto. Continuo à espera de ser recebida pela
vereadora do turismo da Câmara Municipal. Até na colocação de uma placa ali ao
cimo das escadas do Gato, a indicar esta edificação medieval, tem sido de uma
dificuldade imensa. É tudo tão difícil!”
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