sexta-feira, 7 de março de 2014

LEIA O DESPERTAR...


LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Esta semana deixo o textos "REFLEXÃO: UM PAÍS MASCARADO"; "HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES"; "ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O PROFESSOR"; e "GO! WALKS" - VAMOS LÁ A ANDAR!


REFLEXÃO: UM PAÍS MASCARADO

 Numa decisão populista em que se pretendia convencer –somente demonstrar e nada mais- de que é preciso trabalhar, o Governo retirou a tolerância de ponto ao Dia de Carnaval. Agindo como Talião, pegou na espada e cortou a cabeça ao Rei Momo. Esqueceu que um costume empírico tem mais de sete vidas e, pela ancestralidade e enraizamento na população, por mais proibições e cortes que se executem, é inevitável, jamais desaparecerão. Tentar apagar esta prática popular será o mesmo que tentar evitar que as águas não corram para o mar. Só citadinos de fatinho e gravata, burgueses sem conhecimento do povo no seu dia-a-dia, que nunca desceram ao país do “poeta Aleixo” e do salteador “Zé do Telhado” podem tomar decisões contranatura e ferir a cultura de um coletivo que precisa da festa para expurgar os demónios que se exercitam dentro de si.
Como era de prever, os efeitos resultantes e conclusivos da medida de proibição são catastróficos. O que se vê é um país à deriva, acéfalo, sem cabeça –ou o contrário, com muitas cabeças-, onde parece não se saber quem manda nem para onde se caminha. As autarquias dão o mote para que toda a orquestra económica desafine. Então, num ano de eleições europeias, assistimos a coisas do arco-da-velha. Como os autarcas se estão a marimbar para o executivo e para a Nação e só lhes interessa o futuro próximo, que é já em Maio, resolvem a seu bel-prazer e sobretudo para agradar às suas clientelas. Os edis do contra, representando a oposição e as cores mais à esquerda, aproveitam para desalinhar das ordens emanadas de Lisboa e, fazendo política partidária, encerram os serviços camarários na terça-feira. Numa vergonha sem precedentes, e numa altura de crise económica, a Câmara Municipal de Lisboa fecha dois dias, na segunda e na terça. Não está em causa a legítima autonomia das autarquias. O que deveria estar -e é isso que se espera de um político eleito- era que, mesmo discordando do decreto governamental, o superior interesse público fosse colocado acima de todas as conveniências. Mais ainda, o que se salienta nestes egoístas despachos arbitrais é o fraco modelo que estes governantes transmitem aos eleitores e à sociedade. Numa altura em que a credibilidade dos agentes políticos anda pelas ruas da amargura e era necessário mostrar que o que conta menos é a ideologia e seus proveitos ocasionais, com estas medidas sem racionalidade cai a máscara a todos e faz-nos acreditar que não teremos futuro com esta gente que nos administra.
Não tenho dúvidas que até se entende a decisão dos edis, em cujas terras tenham grande tradição do corso, como é o caso de Mealhada, Ovar, Torres Novas e outras, em fazerem feriado. Nestes casos, fazer ponte, é estarmos perante uma decisão de necessidade. É a economia da cidade, ou da vila, que está em causa. Mas e as outras como Coimbra, por analogia, que não têm tradição carnavalesca? Fará algum sentido os serviços camarários da cidade dos estudantes encerrarem no dia do entrudo? Será que o executivo municipal não deveria fazer passar uma ideia de grande responsabilidade pela deficitária economia da cidade? Em face deste (mau) exemplo, e seguindo o ano passado, a maioria das lojas da Baixa vão estar fechadas. Afinal, estamos ou não estamos em tempo de vacas magras? Não era melhor o Governo decidir de uma vez para que se não passe esta ignomínia?


HISTÓRIAS CURTAS E MARCANTES

“De tempos a tempos apercebia-me de que do lado de fora da montra da minha loja ele olhava para mim, que estou dentro, atrás do balcão, e à espera de quem não prometeu vir, e nada dizia. Não era um olhar igual a outro qualquer. Era um raio de súplica. Um grito surdo que parecia querer soltar-se das amarras. Como se aquele vislumbre quisesse dizer alguma coisa e desistisse a meio do caminho. Mas eu sou mulher e, em minha defesa calculista, fazia que não notava. E ele voltava novamente outro dia qualquer e permanecia com os olhos fixos na minha imagem. Até que há tempos reparei na sua vacilação, entre o falo ou não falo? E então cumprimentou: “bom dia!”. Cordialmente, respondi da mesma forma. É um homem sozinho, de meia-idade. Veste com simplicidade e reside por aqui, num qualquer quarto da Baixa. Certamente, carrega sobre os ombros o peso de muitos sonhos idealizados e algumas realizações falhadas. Imagino que sua autoestima, depois de subir a montanha e atingir o pico, desceu e estabilizou no sopé. Volta e meia passa aqui e, como sempre, saúda. Sinto cada vez mais que a pequena lojeca de bairro, como a minha, é muito mais do que um ponto de compra e venda. É um candeeiro de luz que ilumina corações tristes. É um centro de relações humanas.
Agora, que já venceu a inibição, se, para além de mim, não estiver ninguém no estabelecimento ele entra e fala da sua vida: “desculpe incomodar, mas não tenho com quem conversar. Sinto-me só, sabe? Já tive tudo, já fui rico, muito rico, e agora vagueio por estas ruas e ruelas como cão escanzelado e sem dono. Gostava que a minha única filha, que está no estrangeiro e não me liga nenhuma, me olhasse pelo que sou, enquanto pessoa, e não pelo que já fui e deixei de ser. É muito triste a solidão!”


ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O PROFESSOR

Como andorinha em busca de um beiral, encontramo-lo muitas vezes a calcorrear as pedras da calçada. Como se andasse em busca de um passado que não passa disso mesmo e não volta mais, o seu passeio pela Baixa é rápido e repetido pelos mesmos locais. Tem os seus poisos pré-definidos, como quem diz, um amigo numa das ruas estreitas e outro na rua larga. Quando em descanso o seu rosto é fechado, como se estivesse em permanente defesa. Se alguém lhe fala com ternura, escancara as portas da alma e sorri como uma criança de colo.
Dá pelo nome de José Manuel Menezes Lopes Cabral. Deu aulas de educação visual em Moçambique e em meio Portugal. Também passou pela ilha dos Açores. No Continente, atravessou o interior desde a Covilhã, passando pelo Fundão, até Castelo Branco. Por cá, mais para litoral, passou pela Lousã, Penacova e em Coimbra, na Escola Eugénio de Castro e Silva Gaio. Pelos mais velhos, outrora seus alunos, é tratado com carinho e reconhecido por “professor”. Tem 70 anos, é solteiro e bom rapaz. Nunca casou porque não ganhava o suficiente para manter uma mulher, confidencia-me. Também diz que foi abandonado pelos pais em criança e este facto marcaria para sempre a sua existência de eremita. A vida que leva não o satisfaz. Sente-se muito só. Apesar de auferir uma reforma razoável, talvez para colmatar os buracos da solidão, nos últimos anos deu em comprar coisas compulsivamente e sem necessitar. Meteu-se em créditos desnecessários. Depois de descontados à cabeça no final do mês, fica com pouco. Quase nada. “Já tive tudo, carros bons e sempre a estrear. Agora tenho pouco mas, paciência! Quando pagar tudo, dos meus empréstimos, ainda vou ter um carrinho em segunda mão!”


“GO! WALKS” –VAMOS LÁ A ANDAR!

Para além de todos os dias espetar os olhos na mais linda pérola arquitetónica da Baixa e, em solilóquio, cá com os meus botões, maldizer o seu estado de semiabandono, com o tempo fui acreditando que um destino de utilidade turística lhe estaria reservado. Escrevo sobre a Casa Medieval, construída com paredes de “enxaimel” –ténica ancestral constituída por tirantes de madeira entrelaçada que suportam pedras ou tijolos e ligados por barro, na antiguidade. Este ícone da nossa monumentalidade possui pisos de sobrado e com loja no piso térreo destinada ao mester da época remota. De propriedade particular, o prédio está implantado na confluência das Ruas Sargento-mor, dos Gatos e Adro de Cima. Uma parte do imóvel, provavelmente a original, normalmente esteve sempre encerrada até agora. Na outra parte, talvez a que ao longo dos séculos foi sendo modificada, está uma das mais lindas lojas de artesanato da Baixa, a “Casa Anita”.
Há dias chamou-me a atenção o facto de a parte de construção mais antiga ter as portas abertas e sobre as janelas, duas capas pretas académicas, em formato de avental, esvoaçarem ao vento. Junto à porta de entrada, com pouco mais de um metro de altura, uns cartões miniatura, de visita, apresentavam o novo inquilino em forma de projeto: “Go! Walks” – Percursos Pedonais”. Subi as escadas. Lá ao cimo estava uma mulher linda. Interroguei: o que é isto?
“Chamo-me Sara Cruz e sou o rosto humano desta nova sede de uma empresa Unipessoal, turística, a Go! Leisure & Heritage, que já existe desde julho de 2012 –embora até agora estivesse situada em minha casa. Juntamente com colaboradores, nestes quase dois anos e no dia-a-dia, estivemos sempre no Largo da Portagem debaixo de um chapéu e com bandeirinhas de sinalização. O objeto da minha empresa é apresentar a turistas nacionais ou estrangeiros, em grupo ou individualmente, percursos pedonais a quem nos contratar para mostrar a cidade em toda a sua monumentalidade no que está acima do olhar comum e abaixo do conhecimento linear. Sou licenciada em turismo pela Universidade de Coimbra. A ideia surgiu-me depois de fazer o estágio profissional numa empresa sediada no Centro Histórico, e também no ramo turístico, e verificar que havia uma lacuna na forma de dar a conhecer a urbe a quem nos visita. Felizmente está a correr muito bem. Agora estamos na época baixa, mas a partir de Abril começarão a surgir muitos turistas. Por enquanto não se nota muito os efeitos da declaração de interesse mundial consagrada pela UNESCO. O visitante individual ainda não sabe. Há um grande esforço a fazer. Sem falsa modéstia, sei que o meu trabalho, para além de dignificar o turismo, é muito importante. Sei muito bem que um bom guia turístico pode transformar completamente a ideia de cidade de quem nos visita. Somos nós que a “vendemos” ao mundo, em amostra de palavras de amor e carinho.
Surgiu agora a oportunidade de me instalar aqui neste encantador espaço medieval, que é propriedade de familiares do meu marido. Com o pouco que tenho e sem alterar nada do existente, pintando e limpando, tento dar utilidade a esta fração que estava encerrada. Gostava de sentir mais apoio por parte da edilidade mas, infelizmente, não sinto. Continuo à espera de ser recebida pela vereadora do turismo da Câmara Municipal. Até na colocação de uma placa ali ao cimo das escadas do Gato, a indicar esta edificação medieval, tem sido de uma dificuldade imensa. É tudo tão difícil!”


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