quarta-feira, 19 de março de 2014

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O ADVOGADO DOS POBRES DIABOS


 Lembro-me muito bem dele no início da década de 1980. Nessa altura, conservava a mesma timidez e contenção no falar –como hoje- e, naturalmente, tinha melhor aspecto físico. Para além de ser mais novo apresentava-se sempre de fato e gravata como qualquer causídico. Hoje o tempo, como castigo ou não, parece ter passado por cima da sua pessoa e, agora, já só resta o mesmo sorriso de menino, o ar de bom samaritano, e o falar calmo e mais espaçado, como se procurasse as palavras no éter. Recordo bem o então advogado Rui Fernando de Mesquita Figueiredo, o doutor Mesquita como era conhecido na zona da Sé Velha, na Alta da cidade. Era uma espécie de solicitador dos mais carenciados que, quase sempre com um “grão na asa”, nos fazia lembrar o doutor Ezequiel Prado, da novela Gabriela, Cravo e Canela. A troco de nada, ou ressarcido tantas vezes por pouco mais do que uma cerveja, defendia todos. Estou convencido que nunca teria ganho dinheiro com a advocacia. Se calhar, por andar amiúde abraçado ao Deus Baco a saúde, quem sabe por ciúmes, não lhe perdoou e há poucos anos atirou-lhe com um AVC, acidente Vascular Cerebral. Mas como a natureza compensa quem carrega humanidade, recuperou parcialmente e podemos vê-lo tantas vezes a cruzar-se connosco nas ruas largas. Vamos saber mais do doutor Mesquita. Fale, apresente-se, senhor doutor:

“Nasci em Coimbra há 78 anos –como curiosidade, para a semana, dia 27, farei 79. Entrei na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1953 e, juntamente com a minha mãe, fui morar para a Rua dos Coutinhos. Em 1958, já licenciado fui exercer para Moçâmedes e Novo Redondo, em Angola. A minha mãe continuou por cá na mesma morada. Por lá, em terras africanas, fui também professor do Ensino Técnico –ensinava as cadeiras de direito, no Curso Comercial. Foi o melhor tempo da minha vida! Quando se deu a independência, em 1974, regressei novamente a Coimbra, à Sé Velha, à Praça Vermelha como era então conhecida. Nunca me meti em política. Sempre estive alheado. Era respeitado por todos. Sempre tratei bem toda a gente. Bebia um copo com qualquer um. Talvez por ser formado e ser, de certo modo, o advogado dos pobres, fui poupado algumas vezes. Na cidade, tive escritório na Avenida Fernão de Magalhães e na Rua da Sofia. Nunca ganhei dinheiro a advogar. Dava apenas para as despesas.
A minha mãezinha morreu já há muitos anos e larguei tudo o que me recorde álcool. Deixei também de exercer há cerca de uma década. Actualmente, estou a ser acompanhado no Centro de Dia 25 de Abril, no Ateneu de Coimbra. Tratam-me muito bem. Ainda hoje me deram banho porque já não posso. Os seus trabalhadores são o meu Anjinho da Guarda. Tenho familiares mas estão muito longe. Se não fosse o Centro de Dia não sei o que seria de mim! Recebo de Reforma 369 euros. É pouco! Pouquíssimo, se comparar com a verba que eu ganhava em África e quando trabalhava aqui. Está tudo bem para mim. Não me enervo! Estou em paz com o mundo! Só quero saúde, descanso e bom trato. E mais nada!”

2 comentários:

David Ferreira disse...

Vai daqui um abraço de S. Paulo para o Doutor Rui Mesquita. Muitas histórias de África eu ouvi no 22 dto dos Coutinhos.

Unknown disse...

Obrigado por esta lembranca e homenagem ao meu ilustre e mestre Dr. Mesquita. Nao ha um dia que nao penso nele... Saudosos anos de boa convivencia com o doutor. Fara sempre parte da minha vida e de muitas... "Mas que grandes companheiros, se juntaram nesta mesa..." onde estiver um abraco do seu sempre amigo Dinis.