O MEU COGNOME É "PIRILAU"

(Imagem de baixo da autoria de Dinis Manuel Alves)

“Ganhei esta alcunha de “Pirilau” quando teria os meus quatro, cinco anos. Seria por volta de 1965. Fui apanhado pela polícia a tomar banho nu no lago dos patos, em frente aos antigos Bombeiros Sapadores, na Avenida Sá da Bandeira. Então os agentes levaram-me para a esquadra conforme me apanharam e sem a preocupação de me mandarem vestir. A partir daí, para todos os efeitos, na vida privada e artística, deu à luz o “Pirilau”.

Chamo-me Carlos Alberto Martins Freire. Nasci em 1959, numa família grande de cinco filhos, com pai ausente e uma progenitora a tentar dar sustento a toda a prole. Talvez por que a minha mãe ia trabalhar e cada um de nós tinha de se desenrascar, desde miúdo que sempre tive inclinação para a vadiagem. Eu fugia à escola para andar na “bobaiela”. Não me sentia lá bem. Nunca aprendi a ler. Hoje estou arrependido, mas é tarde e já não vou a tempo. É certo que me sinto diferente da maioria, como vulgarmente se diz, tenho uma leve “pancada”. Lembro-me de ser muito pequeno e viajar debaixo dos bancos do comboio e ir até ao Porto. Lá fui apanhado algumas vezes pela polícia e lá ia a minha mãe buscar-me. Nas décadas de 70 e 80, do século passado, tornei-me companheiro de um grupo famoso na cidade, constituído pelo Adelino Paixão, o Carlitos “pipi” –ou “popó”-, o Daniel “tatonas” e o "Taxeira" –tenho uma foto dos cinco em casa, um dia destes trago-lha para você ver. Ainda cheguei a trabalhar nas construções do hospital novo, os HUC, e na autoestrada, a A1. E por aqui andei a vagabundar até ao final de 1980. Foi por esta altura que a minha vida levou um abanão de cento e oitenta graus e que nunca mais recuperei. Vou contar-lhe. Nós já morávamos na Conchada, então havia lá um homem, o senhor Artur, que me tratava bem, falava comigo todos os dias. Dava-me atenção –você sabe que raramente alguém fala comigo? Por vezes, sinto-me como se fosse invisível, como se não existisse… você entende? Então, continuando, o senhor Artur tratava-me bem. Conversávamos, e eu sempre o respeitei. Um dia deixei de o ver. À medida que o tempo decorria comecei a ficar preocupado. Tinha de saber o que se passava. E fiz a maior asneira da minha vida: rebentei com a porta da casa. Lá dentro estava o senhor Artur morto. Estava caído no chão. Tinha sido assassinado com recurso a asfixia para lhe roubarem a reforma. Tinha os dedos marcados no pescoço. As manchas eram de dedos longos. Chamei a polícia e fui logo indiciado como o autor do crime. Estive preso preventivamente, fui julgado e, embora fosse dado como inimputável, fui transferido para Lorvão onde cumpri cerca de 5 anos. O director gostava muito de mim e como me portei muito bem deixou-me sair em liberdade condicional por volta de 1995. Mas vou dizer-lhe uma coisa: eu não matei ninguém! Eu não fiz nada! Eu estive preso injustamente! Eu tenho dedos pequenos… Olhe aqui! Você acha que eu tenho cara de criminoso? Eu posso ser muito valdevinos, mas não tenho coragem de fazer mal a alguém, nem sequer a um animal. A Polícia Judiciária disse que desconfiava de mim, mas nunca disse que tinha a certeza. A defender-me tive um advogado oficioso. Pouco ou nada se interessou pelo processo. Eu não tive uma defesa justa como merecia e como devia ser. Fui-me muito abaixo. O meu sistema nervoso quase que não aguentou. Nunca mais consegui encarar as pessoas de frente. Ninguém me ajudou. Eu também não pedi porque fiquei muito desorientado. Valeu-me a minha mãe, que Deus tenha em boa guarda –morreu atropelada em 2006 na passadeira, ali na Avenida Fernão de Magalhães-, que sempre acreditou em mim. Tive de aceitar a estupidez da polícia. Neguei sempre porque eu não poderia confessar uma coisa que não fiz. Nunca tive apoio de ninguém. Fui muito maltratado. A condenação foi baseada no meu passado, na pobreza, na minha infância. Não assentou em provas nem factos reais. Eu nunca tive problemas com ninguém. Você não acredita em mim, pois não? Passados mais de vinte anos, se fosse verdade, porque haveria de estar a mentir? Diga-me!”