Quando visionei o vídeo de vários jovens a agredir
um outro na figueira da Foz e difundido pelas redes sociais, na Internet, e que
está a captar toda a atenção pública portuguesa, lembrei-me do filme “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick,
realizado em 1971, e que salvo erro vi, nessa década, no Teatro Académico de Gil Vicente.
O enredo da fita cinematográfica, passado numa Inglaterra futurista, gira em
torno da delinquência juvenil, gangues de jovens, onde a violência sociopática
é gratuita, desde o estupro até à agressão, e imbricando no social, na economia
e na política.
Perante este caso que durante uns dias se vai
repetir vezes sem conta e até à exaustão, que provocou uma onda de indignação
de norte a sul, como estão a reagir os vários intervenientes com
responsabilidade, direta e indireta, nesta situação? Antes de prosseguir, deixo
já uma ressalva, para mim, estes jovens –e junto também o agredido- só indiretamente,
enquanto autores materiais, serão imputáveis de culpa. Estes adolescentes são o
resultado de várias premissas aritméticas que extravasam o país há várias décadas
–naturalmente que, enquanto pai, também me incluo.
Antes de prosseguir gostaria de
deixar só uma pergunta no ar: este caso de bullying, agora tornado estrela no
universo da trivialidade, é assim tão invulgar? Ou seja, caiu agora do céu aos
trambolhões ou, ainda que em contornos diferentes, é mais banal do que se
julga?
E agora vou retratar as várias reações.
Comecemos pelos comentários deixados nas redes sociais, escritos por vários
progenitores: “Pessoas dessas só mortas!! Quem concorda comigo?”; “Essas pitas deviam
levar uma coça tão grande de um futuro namorado delas. Gente de merda”; “Essa
Constança tem mesmo cara de p**a, cara de prostituta mesmo!”; “Já vi este vídeo
mais de 6 vezes e aquelas vacas são as próprias a dizer que o miúdo não fez
nada! Coitado do miúdo. Bom mesmo era tirar-lhes aqueles dentes todos a chapada
ao pontapé!”; “Até eu lhes rebentava a tromba dessas duas GRANDES P***S não sei
qual é a piada de estarem todos a ver e ninguém faz nada ainda riem. Todos uma
cambada de FILHOS DA P**A. TANTA GENTE A MORRER E ESSA GENTINHA NINGUÉM OS MATA
MAS.... QUE RAIVA!”; “Só espero que o rapaz que está agarrar a vítima também
seja envergonhado e espancado a força toda!!! Pegar na cabeça dele e o espancar
porco de merda!”; “Era violar as gajas e atira-las para o mato! Bando de
covardes!”; “COITADINHAS........!!!
DEVIAM SER VIOLADAS, ENRABADAS E DEIXADAS NA VALETA........ESCUMALHA DESSA DEVERIA SER ELIMINADA DA SOCIEDADE!”
DEVIAM SER VIOLADAS, ENRABADAS E DEIXADAS NA VALETA........ESCUMALHA DESSA DEVERIA SER ELIMINADA DA SOCIEDADE!”
A seguir vamos olhar as observações de gente
famosa cá no bairro, assim no género, como esta: “Estou incrédulo com a juventude
de hoje em dia! Como podem permitir uma coisa destas, isto chocou-me a mim mas
tenho a certeza que também vos vai chocar! Digam não ao Racismo! Não ao
Bullying! Não à Xenofobia! Não à Homofobia e outros mais... Acabem com isto por
favor é duro, é horrendo... Alertem os vossos filhos, estejam mais atentos e
não os deixem nunca esquecer os valores da vida e a base da educação”.
E outro ainda, inserindo as fotos
dos envolvidos: “Estas são as duas jovens que agridem este miúdo que choca qualquer ser
humano. Coloco aqui para que sintam a vergonha e a humilhação pública pela
merda de pessoas que são. Espero que a escola e os pais saibam punir esta gente
sem qualquer qualificação.”
Depois passo para a familiar do rapaz
agredido. Sendo verdade que a mãe do rapaz aparentemente humilhado e seviciado teve
conhecimento na altura, há cerca de um ano, veio agora formalizar a queixa na
PSP, alegadamente, por ofensa à integridade simples e violação à imagem e à
honra.
A seguir veio também o Ministério Público
abrir um inquérito a este caso cujo resultado, mais que certo, sabemos que vai
ser o arquivamento. Será que pela agressão, pelo alegado conhecimento da
progenitora, a possibilidade de queixa já não teria prescrito? E se não tiver
caducado o prazo pode provar-se que, por parte do ofendido, não houve
consentimento? Repare-se que os factos foram passados na via pública, com transeuntes
a circularem, e o rapaz, como seria normal numa situação de grande
perigosidade, não solicitou ajuda. Aliás, pelas suas posições, com os braços
atrás das costas e com as mãos cruzadas na barriga, pode perfeitamente
presumir-se o seu conluio de livre vontade. E pela violação de imagem? Depois
da exposição pública, com prejuízo evidente para todos, poderá ser atribuído um
dano apenas a uma das partes?
Acho que, começando nos comentários nas redes
sociais dos progenitores anónimos, passando nos recados dos famosos, nos pais
destes adolescentes e acabando no Ministério Público, como virgens imaculadas
que caíram ontem cá de paraquedas, todos defendem para a frente, fingindo que
não sabiam de nada nem têm qualquer responsabilidade. O que torna este acontecimento
verdadeiramente maquiavélico. Para agravar tudo, não vai servir de nada. Depois
da poeira assentar tudo vai ficar igual. Isto é que é triste.
TEXTOS RELACIONADOS:
Sem comentários:
Enviar um comentário