O ENTERRO DA ECONOMIA
DE SUBSISTÊNCIA
Como vimos anteriormente, no primeiro texto,
atravessámos dois terços do século XX com uma agricultura rudimentar, onde a
humana força braçal e os animais domésticos eram os motores do desenvolvimento.
A terra era o berço da auto-sustentação. Nela tudo crescia, num processo de
transformação tudo era aproveitado e, como num eterno retorno, à terra
regressava. Como exemplo, vemos o mato das grandes planícies compostas por
pinheiros, eucaliptos e outras árvores, que eram aproveitados para os currais
dos animais. Qualquer campo de sequeiro, leira ou horta eram cultivados, servindo
os seus frutos para a alimentação da família e o excedente, como rendimento, era
vendido nos mercados locais. Desde laranjas a limões, sem medidas padronizadas,
sem certificação, tudo era valor acrescentado para as vivências locais. Era o
tempo da reutilização. Desde a garrafa de vidro, passando pelo cerzir do vestuário
e apanhar malhas em meias de vidro, até ao electrodoméstico tudo era reconvertido
para durar o mais possível. Havia toda uma economia em rede, desde o padeiro
até ao merceeiro, que funcionava e evitava a desertificação total dos povoados.
Certamente entendendo que o progresso de uma
Nação passa inevitavelmente pela agricultura, deveria ter sido por isso mesmo
que Marcelo Caetano, proeminente figura incontornável do Estado Novo e enquanto
Presidente do Conselho, no período de 1969 a 1972, teve uma política de
incremento excepcional com um acréscimo de subsídios à reconversão agrária de
mais de 62%. Os apoios concedidos para a moto-mecanização agrícola e florestal
aumentaram cerca de 300%. Éramos um país rico em ouro –no 25 de Abril tínhamos 865.936
toneladas de ouro em reservas no Banco de Portugal –em 2010 o existente era de
382.509.58 quilos.
Até ao 25 de Abril de 1974, cerca de um milhão
e meio de portugueses escolheram o estrangeiro como destino para melhorarem as
suas vidas, fugindo da guerra colonial e de um país pobre e subdesenvolvido. A
economia nacional estava nas mãos de grandes grupos que já vinham de grandes
famílias do início do século XX, os chamados donos de Portugal. Grassava o
latifúndio, contribuindo para a existência de duas classes: o rico e o pobre.
Com a nacionalização da banca e o desmantelamento da grande propriedade, na revolução
dos cravos, com o aumento do salário mínimo para 3,300$00, multiplicando a
procura interna, assistimos ao emergir da classe média e de uma nova burguesia
inexistente até aí. De 1973 a 1982 assistimos a um crescimento de mais de 18
por cento. Foi uma época intensa de busca do bem-estar, desde frigoríficos,
televisores até automóveis. Desenvolveu-se a indústria da publicidade e
marketing na criação de novas necessidades.
Os preços eram tabelados pela administração. Ou
seja, as margens de comercialização eram reguladas pelo Estado. Por exemplo, na
hotelaria, consoante a categoria do estabelecimento os preços eram verticalmente
impostos e iguais. A revisão Constitucional de 1982, com Mário Soares como
primeiro-ministro, abre-se ao sector privado e dá-se início à privatização da
economia. Por outro lado, começa aqui uma nova categoria social: os políticos
privilegiados. Com a ascensão de Cavaco Silva ao poder, no governo, em 1985,
dá-se a total liberalização de preços, a chamada economia de mercado. Desabrocha a primeira grande superfície a que
se seguirão dezenas e dezenas de muitas mais e que irão ser o coveiro do
comércio tradicional. Cada operador passa a vender pelo preço que mais lhe
convém e que cada comprador estaria disposto a dar para adquirir o produto.
Vinda já desde 1983, com uma acentuada recessão
da economia e com intervenção do FMI, Fundo Monetário Internacional, assiste-se
a uma desenfreada inflação e dependência externa, com as importações a
cavalgarem a todo o galope. Perseguia-se a mais-valia, isto é, o vender o mais
caro possível, o lucro, era o objecto da actividade comercial. O consumidor era
uma massa abstracta, sem força e desorganizada.
A ADESÃO DE PORTUGAL À CEE
Depois de ter apresentado a candidatura em 28
de Março de 1977 e ter assinado o acordo de pré-adesão em 03 de Dezembro de 1980
e adesão em 12 de Junho de 1985, em 1 de Janeiro de 1986, pela mão do
primeiro-ministro Mário Soares e no Mosteiro dos Jerónimos, Portugal passou a
ser membro de facto da então CEE, Comunidade Económica Europeia.
Já com Portugal endividado, a
Europa constituiu uma ponte de salvação para as finanças públicas e privadas.
Talvez por isso mesmo, tanto quanto me lembre, excepto o PCP, Partido Comunista
Português, nenhuma outra organização política questionou as implicações desta
associação política e derrubar de fronteiras territoriais para pessoas e bens. Todos
estavam interessados em ganhar alguma coisa. A Europa era o Eldorado, a mina de
ouro para os políticos portugueses. Pelos milhões de contos diários que vieram
beneficiar mais uns que outros –muitos se aproveitaram e nunca foram julgados-,
a Nação vinculou-se a obrigações, hoje consideradas por muitos, absurdas. Como exemplo,
com o argumento do menor custo de produção de estados membros, abateram-se
barcos de pesca, olivais, vinhas e sementeira cerealífera. Criaram-se dificuldades ao
pequeníssimo agricultor para criar gado e alienar bens da terra. E a Comunidade
Europeia pagou para se aposentarem compulsivamente muitos operários, que
passaram a ocupar bancos de jardins públicos a olharem o Céu. E muitos destes
reformados, como única saída possível, viraram-se para a construção civil e
comércio.
A GLOBALIZAÇÃO
Em 15 de Abril de 1994 Portugal aderiu à
Organização Mundial de Comércio. E começa a segunda fase da destruição
industrial –hoje denomina-se pomposamente “destruição
criativa”. Com os políticos a assobiarem para o lado, em nome do baratinho –pelas
“lojas dos 300”- começou a aniquilação
massiva de fábricas de guarda-chuvas, de ferramentas, de siderurgia, de
electrodomésticos, computadores e mais tarde os têxteis. Os países emergentes,
sobretudo a China, com custos de produção sem regras e onde vale tudo, passaram
a ser o nosso fabricante mundial e, de produtores, passamos todos a vendedores. Poucos se lembraram que encerrando as nossas fábricas, abandonando os campos,
desapareceria o emprego. Talvez se entenda por que se tenha hoje de recorrer à
multa para fazer limpar os campos para evitar incêndios. Em contraposição,
custa a compreender como é que se estabelecem coimas de valor mínimo de 500
euros para quem for apanhado a vender bens que produza, mesmo para a sua
sustentabilidade.
Cerca de 300 mil portugueses
deixaram o país nos últimos anos em busca de um horizonte visível.
Com todo este ziguezaguear da
vida nacional se justifique o desmembramento da família tradicional e a
violência brutal que se abateu na sociedade portuguesa.
Hoje, com uma dívida galopante, senão impagável
–segundo a imprensa, no último trimestre aumentou mil milhões e pagamos de
juros à Troika 22 milhões de euros por dia- importamos cerca de 80 por cento do
que produzimos e exportamos cerca de 6 por cento. Virámo-nos para os mercados… de contracção de dívida, de
novos empréstimos, obviamente. No entanto, segundo o Governo, caminhamos a
passos largos para a recuperação económica.
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