Estes eram os textos para sair esta semana na "Página da Baixa", n'O Despertar.
A explicação para não serem publicados fica lá mais para o fundo. Fui eu que, perante um pedido que não acedi, escolhi. Mesmo assim e até para se avaliar o conteúdo de uma das crónicas, deixo-as aqui, na última página não editada.
LEIA O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "UMA BAIXA A ALTO GÁS E UMA BAIXINHA SEM GÁS NENHUM", deixo também as crónicas "QUANDO A MISÉRIA PAGA TAXA", "A DALINE CONTINUA VIVA E RECOMENDA-SE" e "DOIS FENÓMENOS NA PRAÇA VELHA"
UMA BAIXA A ALTO GÁS E UMA BAIXINHA SEM GÁS NENHUM
São cerca de 15h00 em qualquer marcador de
tempo na Baixa de Coimbra. É sábado, dia 02 de Maio do ano de 2015. O dia está
solarengo e o sol promete um aconchego na alma a quem se aventurar nas ruas.
Com organização da Câmara Municipal de Coimbra, entre a Praça 8 de Maio e o
Largo da Portagem, está a realizar-se a 7.ª edição da Festa da Flor e da
Planta. Este trajeto consignado para este certame, a pedir mudança e já há
muito inalterável pelos serviços municipais, está prenhe de transeuntes. Os
muitos vendedores presentes, perante tanta afluência de público, parecem
vender. A Maria João e a Maria do Rosário, mais conhecida por “Marquitas” e minha conterrânea, ambas
trajadas a preceito e em representação do Grupo Folclórico e Etnográfico do
Brinca, parecem satisfeitas com o negócio e esta apresentação de doces e
produtos regionais. Mais acima, sem ligação ao que se passava em baixo, a dois
passos e apenas separada pelo Arco de Almedina, depois de interrompido durante
cerca de dois anos, decorria a segunda edição do “Mercadinho” do Quebra-Costas”.
Na Rua Eduardo Coelho, o Francisco Veiga, a
Áurea e a Célia, todos comerciantes nesta artéria, estão a cavaquear, de braços
cruzados e à porta da sapataria da Célia. Desde a manhã que o movimento nestas
vias pedonais é diminuto. Sem o dizerem, é fácil de adivinhar que se sentem
discriminadas, cartas fora do baralho,
pela continuada (má) decisão dos serviços camarários estipularem unicamente as
ruas largas para realizar eventos que podem contribuir para desenvolver a Baixa.
Por que razão é que a Câmara Municipal trata uns como filhos e outros como
enteados? A edilidade estará mesmo interessada em revitalizar esta área
tradicional no seu todo? Nunca os anteriores presidentes estiveram preocupados
com esta questão e, pelos vistos, o atual segue a mesma doutrina. É uma pena
não haver ao menos alguém que veja mais longe do que o alcance do seu olhar.
Lamentável! Depois admiram-se de na Noite
Branca, como nesta última, excetuando as vias da calçada, somente sete
lojas comerciais permanecerem abertas entre as Ruas Sargento-Mor e da Louça. Depois
queixam-se que os comerciantes não aderem às iniciativas. Como? Fazendo destes
operadores gato-sapato? Querem
colaboração “pro bono”? Como? Se nos
outros dias de fartura, de grandes festas, não há alguém que se distinga e
rompa com esta declarada ostracização e se preocupe com quem cá está?
QUANDO A MISÉRIA PAGA TAXA
A fazer fé num e-mail que me chegou à caixa de correio
eletrónico, “A Caixa Geral de
Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais modestos uma circular que
deveria fazer corar de vergonha os administradores – principescamente pagos -
daquela instituição bancária.
A carta da CGD começa, como mandam as boas regras de marketing, por
reafirmar o empenho do Banco em oferecer aos seus clientes as melhores
condições de preço qualidade em toda a gama de prestação de serviços, incluindo
no que respeita a despesas de manutenção nas contas à ordem. As palavras de
circunstância não chegam sequer a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que o
estimado/a cliente é confrontado com a informação de que, para continuar a
usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção, terá de ter em cada
trimestre um saldo médio superior a 1000 euros. Ora sucede que muitas contas da
CGD, designadamente de pensionistas e reformados, são abertas por imposição
legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase septuagenário que
sobrevive com uma pensão de 243,45 euros foi forçado a abrir conta na CGD por
determinação expressa da Segurança Social para receber a reforma. O mais
escandaloso é que seja justamente uma instituição bancária que ano após ano
apresenta lucros fabulosos e que aposenta os seus administradores, mesmo quando
efémeros, com “obscenas” pensões (para citar Bagão Félix), vir exigir a quem
mal consegue sobreviver que contribua para engordar os seus lautos proventos.”
Só para comparação, e pensando que os nossos
governantes não saibam o que se passa no estrangeiro, em países ricos, vou retratar
como se procede no Canadá. Quem fez o favor de me alertar foi o Álvaro José da
Silva Pratas Leitão, natural de Ribeira de Frades e há décadas emigrado em Bradford,
Ontário, naquele país norte-americano. Vou dar voz ao nosso compatriota: “Por cá os bancos também metem a mão nos
bolsos dos clientes, mas com menos ousadia!
Aqui, quando recebemos um cheque do governo, este contém no verso a informação, e bem visível, que nenhuma instituição pode cobrar ao titular por não ter conta bancária. Ou mesmo recusar cambiar.”
Aqui, quando recebemos um cheque do governo, este contém no verso a informação, e bem visível, que nenhuma instituição pode cobrar ao titular por não ter conta bancária. Ou mesmo recusar cambiar.”
Remato como comecei a crónica: dá para ver que
esta gente não tem escrúpulos, mas nem ao menos vergonha?
DALINE CONTINUA VIVA E RECOMENDA-SE
O branco imaculado do rés-do-chão distingue-se
na fachada do prédio decrépito no Largo da Maracha e com frente para a Rua da
Louça. Em metáfora, é como se, ali, a loja Daline
modas fosse a espiritualidade viva de um edifício morto. As montras, cheias
de luz e cor, são os raios solares que invadem um domingo de verão em toda a
cidade e fazem resplandecer a alma de tantos quantos se aventuram na calçada da
vida.
Transpomos a porta. Lá dentro está a Cátia
Pimentel a mostrar um vestido da coleção de verão da marca Daline, para 2015, a duas senhoras, provavelmente, mãe e filha.
Pela conversa, deduzo, vão ter um casamento proximamente e foram convidadas.
Entram na sala de provas com dois modelos para experimentar. Passados minutos a
Cátia atira o tradicional: “se puder
ajudar em alguma coisa, façam o favor de chamar, como subir ou apertar um
bocadinho, sim?”. Do outro lado da cortina vieram duas vozes em coro: “Muito obrigada, menina! Estão ótimos, está
tudo bem! Nem sabe a nossa satisfação!”. A sorrir, entregaram os vestidos
na caixa, pagaram e fizeram-se ao dia. Agora sim tenho a Cátia só para mim,
para podermos conversar. Vamos lá! Começo por perguntar como é que surgiu esta
ideia de abrir este estabelecimento com a marca Daline depois de a casa-mãe, a cinquenta metros desta, ter
encerrado?
“Como
sabe, porque o conhece há décadas, o meu pai, o Pimentel, como funcionário
fiel, acompanhou sempre a Daline, no Largo do Poço, desde o seu nascimento, em
1994, no período áureo do comércio da Baixa e até agora, ao fecho da loja. A
marca Daline, com fábrica em Leiria e com várias lojas nesta cidade do Liz, na
Figueira da foz e em Gaia, é um património adquirido, sobejamente conhecida e
com provas dadas, que não se poderia esbanjar de qualquer maneira. Então
fizemos um acordo que vai ao encontro dos interesses de ambos. A marca Daline
fornece-nos a coleção à consignação e eu, com a orientação e ajuda experiencial
do meu pai, comprometo-me a trabalhar para manter a chama viva na cidade. É uma
parceria que assenta essencialmente na confiança e, sem dúvida, também no
reconhecimento do esforço e seriedade do meu pai. Tenho de lhe confessar, se
não fosse assim jamais conseguiria abrir uma loja. Como o senhor tão bem sabe,
hoje, manter um estabelecimento é uma iniciativa de alto risco. Quem trabalha
nos moldes tradicionais, de comprar no ano anterior para vender no ano
seguinte, arrisca a não conseguir pagar. O comércio, com a Lei dos Saldos e
promoções, está a ser destruído. Não é possível ganhar dinheiro desta maneira.
Já devia ter feito isto há mais tempo mas, a continuar a correr assim, ainda
estou a tempo e vejo o futuro com muita esperança.”
DOIS FENÓMENOS NA PRAÇA VELHA
Na segunda-feira, da semana passada, cerca das
18h30, quem arribasse à Praça do Comércio era surpreendido por dois
ajuntamentos de pessoas. Pelo primeiro, tratava-se da inauguração de uma
galeria de arte e venda de antiguidades, propriedade do Carlos Jorge Monteiro,
mais conhecido por “Cajó”,
reconhecido fotógrafo do Diário as Beiras e outros jornais nacionais em que foi
e é colaborador. Pelo segundo, o amontoado de indivíduos era justificado pela
necessidade de ingresso num novo estabelecimento de crepes e outros doces de
estalar o palato que abriu no sábado anterior e, pelo tremendo êxito, já está a
dar que falar e a colocar em causa todas as teorias de decrepitude desta área
velha. O facto de os clientes esperarem em fila para provar as suas
especialidades mostra que havendo ideias novas e originais as pessoas acorrem.
Entre os dois agrupamentos havia uma diferença
abissal. Se no segundo era gente simples pronta a satisfazer um desejo com
sabor a chocolate, já o primeiro, no da inauguração do espaço comercial do “Cajó”, estava a fina flor da nossa
aldeia. Como é natural –e isso nem provoca comichão- o quartel-general do
Diário as Beiras marcava presença –que até fez notícia na primeira página sobre
o evento empresarial do seu colaborador. Mas não era tudo. Estava o presidente
da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, estava o vereador do desporto,
Carlos Cidade, a vereadora da Cultura, Carina Gomes, estava o assessor de
imprensa da autarquia, Aníbal Rodrigues, e pela minha pressa, como não vi
todos, provavelmente haveria mais vereadores e chefes de gabinete. Para além
destes, para equilibrar a imprensa escrita local, também o Diário de Coimbra
estava representado, com Arménio Travassos, assim como o presidente do Turismo
do Centro, Pedro Machado, o presidente da Académica, Eduardo Simões, reputados
médicos da cidade, como Polybio Serra e Silva, e também o Carlos Costa, um
homem humilde do povo e residente numa destas ruas estreitas, que, aproveitando
a ocasião e mesmo sem ser convidado, comia um pastel de carne com apetite
dobrado.
Uma vitória já o “Cajó” conseguiu: tirar Manuel Machado do gabinete e trazê-lo para a
rua para inaugurar uma loja. Conheço o Carlos Monteiro há muitos anos e é claro
que para além de boa pessoa, bom profissional, é muito inteligente. Com a sua
sagacidade, o Carlos veio mostrar que desde que se dê um suculento lanche o
presidente da Câmara está cá. Ora, confesso, sinto-me completamente estúpido.
Como é que eu não vi isto antes? Ando eu há cerca de dois anos a “martelar” na cabeça do Machado, a dizer
que ele nunca sai da Praça 8 de Maio e afinal não é assim. Desde que haja
croquete e rissol para acompanhar o corte da fita o homem vai. De aqui para a
frente, porque Machado para além de ser equitativo é Socialista e não gosta de
discriminar ninguém, quem o quiser ter no ato inaugural faça o mesmo e, estou
certo, ele marcará presença.
Por isso mesmo, para si leitor, se está a
pensar em abrir um estabelecimento na Baixa pode contar com toda a equipa da
edilidade… desde que haja petisco.
CARTA ABERTA AO PROPRIETÁRIO DO JORNAL O DESPERTAR
Meu caro Lino Vinhal, proprietário d’O
Despertar, fico na esperança que esta carta o vá encontrar de boa saúde que eu,
conforme posso, vou resistindo entre o conflito e a paz.
De certo modo, em resposta à carta
que me enviou por mão de um seu funcionário e meu amigo, escrevo-lhe esta
missiva porque me desiludiu profundamente. Ao pedir-me que alterasse o texto “Dois fenómenos na praça velha”, com o
argumento de que a crónica “tem
imprecisões que podem ser consideradas insultos e inverdades” ao presidente
da Câmara Municipal de Coimbra, e “a
corrigisse adaptando-o à verdade dos factos”, V. Ex.ª pede-me o impossível.
Por várias razões, uma delas é que o texto, dividido em duas partes, a primeira
em tom sério e a segunda com alguma sátira e boa-disposição, está escrito com
ironia implícita e, pela sua leveza, jamais teve pretensão ou pode ser
entendido como ofensa. Até porque nunca viso o cidadão Manuel Machado mas sim o
procedimento do presidente da Câmara Municipal de Coimbra, enquanto acto
político e social. É óbvio que é a sua interpretação e respeito. Porém, não é a
minha. Fui o autor e, como tal, assumo a total responsabilidade pela escrita.
Como não foi a primeira vez que surgiu este género de incidente -aconteceu algo
parecido em julho de 2013- naturalmente que o agora trazido à colação já não
foi surpresa de todo. Talvez V. Ex.ª, a par com a minha oposição na altura, já
deveria ter visto que sou torcido como o raio que me parta. Mas o senhor não
viu, repetiu e agora sente que eu ao não fazer a sua vontade sou senhor de uma
reacção emocional.
É certo que o senhor enquanto dono do jornal pode
fazer o que bem entende. O semanário é seu. Não pode é, por um lado, tratar-me
como seu empregado, porque nunca ganhei nada pelo que escrevi, por outro, pedir
que me coloque no seu lugar. Devido às nossas posições antagónicas, a lógica processual é diferente. Com franqueza entendo a sua. Então faça o favor
de me entender. Eu escrevo pro bono porque
gosto e levo este exercício muito a sério. Como deve ter visto, não me envolvo
em política partidária, nem faço da escrita uma espada de vingança contra quem
quer que seja. É o meio que utilizo para intervir na vida social. E mais: não
me ofereci para escrever nos seus jornais –Campeão
das Províncias e O Despertar-,
fui convidado. Com prejuízo da minha actividade cumpri sempre. Desde Janeiro de
2012, portanto cerca de durante três anos e pouco, colaborei gratuitamente para
O Despertar com uma página semanal. Para
O Campeão das Províncias foram quatro meses, desde Janeiro até agora. Talvez
por isto mesmo merecesse outro tratamento mais respeitoso. Por que não um
simples agraciamento plasmado, e uma referência nesta edição d’O Despertar a explicar, ainda que
sucintamente, o que aconteceu? Nem que fosse pelos leitores. Por isso mesmo,
perante este esquecimento deliberado, não hesitei em dar à estampa sobre o que
se passou. Senti-me na obrigação e com mais força para mostrar a razão desta
interrupção abrupta. Mas não precisa agradecer. Eu também não agradeço. Quem
deve estar grato sabemos bem quem é. Passando a imodéstia, é uma voz incómoda
que se cala.
Tenho a certeza de que o sentimento é recíproco,
mas esperava muito mais de si. Paciência! O senhor fica na sua e eu na minha!
Com os melhores cumprimentos.
Luís Fernandes
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