ESTA SERÁ A ÚLTIMA PÁGINA EDITADA E ESCRITA POR MIM NESTE SEMANÁRIO DE COIMBRA. RETRIBUINDO A NOTA DA DIRECÇÃO IMPRESSA NESTA EDIÇÃO, TERMINA AQUI A COLABORAÇÃO SEMANAL ENTRE MIM E ESTE JORNAL A QUEM AGRADEÇO O APOIO PRESTADO AO LONGO DE MUITAS EDIÇÕES.
Na página "OLHARES... POR COIMBRA E PELO PAÍS", na rubrica "NÓS POR CÁ..." leia o texto "A LIBERTINAGEM E O DESVALOR DA DIGNIDADE DA PSP" e a crónica "BAIXA": QUANDO A EXCEPÇÃO DEVIA SER A REGRA".
A LIBERTINAGEM E O DESVALOR DA DIGNIDADE DA PSP
1-A semana passada, na Rua Ferreira Borges foram furtadas
duas grelhas em ferro que servem de escoamento às águas pluviais. Segundo um
comerciante da mesma artéria que pediu o anonimato, “alegadamente isto foi obra da estudantada que, nesta altura das festas
académicas, faz o que lhe dá na real gana e ninguém lhe põe cobro”.
Quem visitar e percorrer o Jardim da Sereia
corre o risco de se assustar com o grau de destruição patente em todo o
recinto. São estátuas em pedra amputadas com selvajaria, sem cabeça, sem
braços, sem pernas, sem pés; são vasos enormes cerceados completamente pela
base e outros pela metade que desapareceram; são azulejos, presumivelmente do
século XVIII, arrancados a esmo e manifestamente com recurso a martelo e a
ponteiro.
Depois de ser todo restaurado durante um ano
por Victor Eliseu, o presépio de Cabral Antunes foi exposto em 2005, do lado de
fora da Câmara Municipal e a vinte metros da esquadra da Polícia de Segurança
Pública (PSP), em período de eleições e por ordem de Carlos Encarnação, na
altura, o pretor urbano da cidade. Nos meses de dezembro dos anos seguintes,
raro foi o Natal em que não rebentaram a caixa de esmolas e escassa foi a
quadra em que as imagens não foram vandalizadas. Em 2008, como que a provar que
a pedofilia é muito mais do que atração física entre adultos e crianças e que
também pode ser por uma figura de bebé em barro, furtaram a imagem do Menino
Jesus. Salienta-se que media cerca de oitenta centímetros. Nunca apareceu.
Quando se deveria combater esta anormalidade com eficácia, cedeu-se ao vândalo costume
criminoso e, fugindo, colocaram-se as imagens gigantes dentro do hall de entrada da autarquia. Em 2013,
num gosto duvidoso e mais uma vez falta de afirmação na luta contra o crime, o
presépio passou a ser mostrado numa montra do Museu do Chiado, na Rua Ferreira
Borges. A sorte destes decisores é Cabral Antunes estar impossibilitado por
morte do próprio, caso contrário, ainda atirava com os bonecos à cabeça desta gente.
Todos os anos, por altura da festa da Queima
das Fitas, são destruídos na cidade diversos bens económicos e furtados sinais
de trânsito e outros valores que custam aos privados e ao erário público
milhares de euros. A libertinagem veio para ficar. Perante esta devassidão social
a Universidade –que, indirectamente, não pode lavar as mãos da responsabilidade-
continua a fazer de conta que não vê o que fazem os seus alunos fora de portas.
Que futuros juízes, magistrados do Ministério Público, advogados, professores e
outras profissões formativas poderemos esperar destas crianças crescidas e irresponsáveis? O executivo atual da Câmara
Municipal, igualmente, faz que não enxerga e continua a pactuar com o ridículo
e vazio regulativo dos valores. Mais, para mostrar que é melhor que os
anteriores e para manietar uma certa esquerda alinhada pela manifestação
artística, esta semana, abriu o saco das moedas de ouro e distribuiu verbas “à la garder” para a cultura, mas não se
conhecem medidas para combater e remediar o vandalismo crescente na urbe.
Entretanto, por que a cultura é considerada erudita e só para alguns, a cidade
continua a assobiar para o ar e assiste sem um queixume.
2- Também na semana, com pompa e circunstância, a PSP
comemorou 137 anos, na Praça do Comércio, e recebeu no Salão Nobre a Medalha de
Ouro da Cidade. Segundo o Diário de Coimbra (DC), “O comandante distrital da
PSP aproveitou as comemorações do 137º aniversário do comando para destacar a “extrema necessidade de sensibilizar os
vários níveis de poder para as exigências que se colocam ao serviço policial e
para a necessidade de dotar este comando com condições para poder responder bem
aos desafios. Pedro Teles salientou que as condições passam pelo “reforço e
qualidade dos equipamentos” mas também “pela motivação do pessoal e a sua
valorização e por conferir uma maior “funcionalidade e dignidade” às
instalações de Coimbra (2ª Esquadra e Esquadra de Trânsito) e Figueira da Foz,
que “apresentam deficiências extremas, caracterizadas por uma profunda falta de
condições a todos os níveis”, alertou.”
Na mesma cerimónia Manuel Machado,
presidente da Câmara Municipal, e continuando a citar o DC, sublinhou a “conduta cívica” que os agentes de
autoridade manifestam sempre que são chamados a atuar. A PSP tem contribuído
para que Coimbra seja uma “cidade de paz”,
o que estimula a visita e serve de impulso à atividade económica.”
Com todo o respeito pelas declarações dos dois
intervenientes, cada um afirmou o que mais lhe convém e pode ser dito
publicamente. Já há muito tempo e sobretudo nos últimos anos, a meu ver, os
sucessivos comandantes distritais da PSP de Coimbra declaram apenas o que podem.
Ou seja, não sendo políticos, pela inerência do cargo, não são livres de dizer
o que pensam e, por essa limitação, acabam a fazer o jogo do poder. Talvez por
isto mesmo perdoe a Pedro Teles a omissão de não ter declarado que, passados
quase um século e meio, a PSP, aos olhos dos cidadãos, é uma corporação que tem
vindo intencionalmente a ser ultrapassada por outras forças e desvalorizada
pelos sucessivos governos das últimas décadas. A desmotivação desta polícia é
uma evidência –isto foi aflorado por Pedro Teles-, em completo prejuízo para as
populações citadinas. Orientada por um sistema judicial, enviesado e
desequilibrado onde as leis são doutrinadas para a poupança do Estado, este, mais
preocupado com os direitos dos detidos do que das vítimas e de quem arrisca a
vida para salvaguardar pessoas e bens, o futuro apresenta-se pouco risonho.
Talvez se entenda porque liguei o aniversário desta ordem policial ao
vandalismo da cidade. Muitos parabéns à PSP e, sobretudo, a todos os agentes
que, colocando em risco a sua integridade, se esforçam por manter a segurança.
BAIXA: QUANDO A EXCEPÇÃO DEVIA SER A REGRA
A semana passada uma loja comercial foi
inaugurada na Baixa de Coimbra –no caso, tratou-se de uma galeria de um
conhecido fotojornalista, colaborador de vários jornais, Carlos Jorge Monteiro,
mais conhecido por “Cajó”. Desde
Janeiro, último, só nesta área velha abriram cerca de 15 estabelecimentos
comerciais –mais à frente vai perceber a razão de ter feito referência a este
número.
Por ser um ótimo profissional,
uma boa pessoa e muito popular na urbe, nesta abertura da galeria do Monteiro, para
além da “high Society”, a alta
sociedade da cidade, esteve também presente Manuel Machado, presidente da
Câmara Municipal de Coimbra, acompanhado de um séquito de vereadores, assessores
e chefes de gabinete.
Antes de prosseguir, tentando colocar ordem no
raciocínio, vou fazer algumas perguntas. A primeira é: tendo em conta o facto
em causa, não seria esta delegação camarária de peso ridícula?
Agora, indo em sentido contrário
na argumentação, interrogo: e porquê ridícula? O chefe de governo local não é
livre de ir onde lhe apetece? Não tem o direito de nas suas visitas privilegiar
os amigos? Vou responder a estas duas questões. O presidente da edilidade,
enquanto “homo economicus” e sujeito
de direito privado, pode almoçar, comprar sapatos, adquirir cuecas e meias,
cortar o cabelo e barba e fazer as visitas a quem e onde entender. Repito, é do
seu foro privado. Depois desta alegação surge outra: e enquanto sujeito de
direito público? Onde acaba o âmbito privado e começa o público? E chegados
aqui temos a confusão completa. E porquê? Porque não sabemos responder. E esta
balbúrdia já vem de longe, sobretudo nos mandatos do atual Presidente da
República, Cavaco Silva, esta falta de destrinça tem vindo mais ao de cima. É
óbvio que, admitamos, estabelecendo uma linha entre a pessoalidade e o geral de
função, não será fácil determinar a fronteira e por isso mesmo o critério fica
no livre-arbítrio do estadista. Ou seja, pressupõe-se que o interveniente na ação
pública e política que desempenha utilizará o bom-senso para não cair no
prejuízo ou favorecimento de alguém. Mas para complicar ainda mais, mesmo sendo
de projeção pública, não pode o mandatado escolher, de per si, os acontecimentos que lhe aprouver? Pode, mas sendo
criterioso e tendo sempre em conta o interesse social e político.
Voltamos novamente à visita da comissão
encabeçada por Machado à galeria e perguntamos: à luz da reflexão, esta
visitação foi privada ou pública? Antes de responder podemos indagar: e isso
interessa? Acho que interessa sim, sobretudo se a deslocação foi em
representação da Câmara Municipal. Pela composição do elenco, tudo indica que
foi. E interessa? Porquê? Porque nestes dois anos de reinado do presidente
camarário, e sobretudo nos últimos quatro meses, em tantos espaços comerciais
que já abriram nesta zona, nunca este edil se deslocou a qualquer um. Ora, esta
exceção, enquanto serviço público, deveria ser a regra e não a anormalidade. Já
escrevi várias vezes que sempre que alguém abre um negócio deveria ser
obrigação do presidente da edilidade apresentar-se ao investidor e desejar-lhe
boa sorte. Esta proximidade entre pessoas é política de relações humanas. É
viver a polis em toda a sua globalidade,
mostrando uma necessária equidade e igualdade, num respeito por quem arrisca.
Tenho para mim que os ocupantes da cadeira
presidencial que passaram nos últimos anos na Praça 8 de Maio foram acima de
tudo burocratas e péssimos políticos, no sentido em que privilegiaram o
gabinete em detrimento do contacto com os munícipes. Aliás, excetuando a
campanha eleitoral, parece que fogem dele. E Machado, sendo reservado, foi o
semeador da cartilha de manga-de-alpaca –já que esteve à frente da Câmara desde
1989 e até 2001 e foi reeleito em 2013. Encarnação ganhou a edilidade em 2001 e
foi dono do seu destino até Dezembro de 2010, quando renunciou a favor de
Barbosa de Melo. Estes dois edis, numa linha fechada onde prevaleceu o “low profile” –o aparecer pouco nos
media-, seguiram o mesmo exemplo de pouca afetividade com os citadinos.
Respondendo à questão inicial, se toda aquela
deslocação presidencial e de vereação para inaugurar uma pequena galeria não
era ridícula, não o será se for para fazer o mesmo em investimentos similares
futuros. Se foi um caso isolado, mesmo em nome da amizade privada, fica mal
tanto aparato público.
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