(Fotos de António Santos)
(Fotos de Veiga you)
Neste último Domingo a denominada
Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra
participou na comemoração da elevação da Universidade e Rua da Sofia a
Património Universal da Humanidade, menção atribuída pela Unesco. Durante a
tarde, este agrupamento, constituído essencialmente por músicos que tocam isoladamente
na rua –o Paolo, o Lourenço e o Armando e os acompanhantes Celeste, Emanuel e
eu- actuou nos becos e largos da Baixa. À noite, nas Escadas de São Tiago,
foram tocadas duas músicas originais, “Mondego” e “Esta cidade”. Gostaria de
lembrar que as cerca de vinte peças que são executadas por esta banda, letras e músicas, são totalmente
originais. Passando a imodéstia, tenho a certeza do que vou dizer: quer os
poemas, de intervenção, que falam das nossas vivências diárias citadinas e
chamam a atenção para uma nova forma de se olhar os artistas na cidade que mostram
a sua arte na rua, quer as músicas, algumas são bem ritmadas e outras em
baladas de amor, garantidamente têm uma boa qualidade.
Como mentor deste projecto, embora
ainda passasse pouco tempo, tenho muita pena que, apesar das minhas letras,
como bandeiras desfraldadas ao vento, procurarem ser um alerta social, os
passantes na rua continuem a olhar para este grupo como coitadinhos. São instrumentistas de inegável qualidade –não falo de
mim, que sou um simples amador. Pessoas extraordinárias, músicos inatos, cujo
destino, por terem nascido no meio da palha, não lhes foi permitido ascender a um
patamar que, pela sua vocação, mestria e talento, deveriam ter por direito. Mas
a vida é mesmo assim. Quase sempre aqueles que se entregam a uma arte são eleitos
para ascender a um pódio que deveria ser seu por direito próprio.
Como já vem sendo hábito, mostramos
o nosso trabalho todas as quartas-feiras, das 13h30 às 15h00 na Rua Visconde da
Luz –os proventos são divididos entre eles. Enquanto toco e canto vou
apreciando o transeunte que passa à nossa frente. Na generalidade, ora segue em
passo apressado e nem olha, ora, sem fixar os músicos, baixa-se e deixa uma
moeda no cesto –como se neste gesto, pela contribuição, redundasse tudo: a
redenção e a paz com o mundo terreno. Interessante que este dar a moeda tem
muito de Freudiano. Um dia gostava de
ver e ler uma tese sobre o acto de dar esmola. Porque, na forma como se faz, no
dar por dar, este é o verdadeiro problema. No abaixar forçado de consciências projectadas
em quadros de miséria está muito a caridadezinha, enquanto fraqueza e
calculismo humanos, de que falava Nietzsche. Os artistas de rua necessitam, de
facto, da moeda, mas acima de tudo, e essencialmente, de consideração, do calor
humano de quem passa. São pessoas marginalizadas, que por vários factores
redundam em patologias várias e associadas, mas com um coração enorme. Depois
de 8 meses desta experiência estou a aprender imenso; como pessoa enriqueci
extraordinariamente. Tenho a certeza, nunca lhes pagarei a confiança depositada,
no acreditar em mim. Foi graças à sua generosidade que estou a tirar da gaveta
dezenas e dezenas de composições que fui fazendo ao longo das décadas. Se assim
não fosse, creio, lá morreriam de tédio pelo obscurantismo.
A quem chegou até aqui, façam um
favor a todos nós –como eu, citadinos agregados e funcionais-: olhem nos olhos
os artistas de rua. Quando algum estiver a actuar, parem um minuto à sua frente
e apreciem o seu trabalho. Todos temos muito a aprender. E há aprendizagens que
só se fazem estando no lugar do morto.
Muito obrigado à organização das
comemorações do reconhecimento mundial declarado pela Unesco, e muito
particularmente à Clara Almeida Santos por ter acreditado em nós e permitido
que, mais uma vez, nos mostrássemos à cidade. Um muito obrigado também à Emília
Martins, presidente da direcção da Orquestra Clássica do Centro, pelo apoio que nos tem
dado.
Para todos, um abraço do tamanho
da universalidade mundial. Bem-haja.
Deixo a letra de uma das muitas nossas
canções:
Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria não passo,
sem dinheiro passo bem
Não me atirem uma moeda,
sem alguma humanidade,
afinal não sou pedinte,
sou um artista na cidade,
que precisa da moeda,
mas que traga dignidade,
Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria eu não passo,
sem dinheiro passo bem,
Não me joguem uma moeda,
como se eu fosse alguém,
insensível ao amor,
e que não ama também,
sem amor eu não passo,
sem dinheiro passo bem.
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