terça-feira, 25 de junho de 2013

OS MÚSICOS DE RUA NA COMEMORAÇÃO DA UNESCO

(Fotos de António Santos)


(Fotos de Veiga you)


 Neste último Domingo a denominada Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra participou na comemoração da elevação da Universidade e Rua da Sofia a Património Universal da Humanidade, menção atribuída pela Unesco. Durante a tarde, este agrupamento, constituído essencialmente por músicos que tocam isoladamente na rua –o Paolo, o Lourenço e o Armando e os acompanhantes Celeste, Emanuel e eu- actuou nos becos e largos da Baixa. À noite, nas Escadas de São Tiago, foram tocadas duas músicas originais, “Mondego” e “Esta cidade”. Gostaria de lembrar que as cerca de vinte peças que são executadas por esta banda, letras e músicas, são totalmente originais. Passando a imodéstia, tenho a certeza do que vou dizer: quer os poemas, de intervenção, que falam das nossas vivências diárias citadinas e chamam a atenção para uma nova forma de se olhar os artistas na cidade que mostram a sua arte na rua, quer as músicas, algumas são bem ritmadas e outras em baladas de amor, garantidamente têm uma boa qualidade.
Como mentor deste projecto, embora ainda passasse pouco tempo, tenho muita pena que, apesar das minhas letras, como bandeiras desfraldadas ao vento, procurarem ser um alerta social, os passantes na rua continuem a olhar para este grupo como coitadinhos. São instrumentistas de inegável qualidade –não falo de mim, que sou um simples amador. Pessoas extraordinárias, músicos inatos, cujo destino, por terem nascido no meio da palha, não lhes foi permitido ascender a um patamar que, pela sua vocação, mestria e talento, deveriam ter por direito. Mas a vida é mesmo assim. Quase sempre aqueles que se entregam a uma arte são eleitos para ascender a um pódio que deveria ser seu por direito próprio.
Como já vem sendo hábito, mostramos o nosso trabalho todas as quartas-feiras, das 13h30 às 15h00 na Rua Visconde da Luz –os proventos são divididos entre eles. Enquanto toco e canto vou apreciando o transeunte que passa à nossa frente. Na generalidade, ora segue em passo apressado e nem olha, ora, sem fixar os músicos, baixa-se e deixa uma moeda no cesto –como se neste gesto, pela contribuição, redundasse tudo: a redenção e a paz com o mundo terreno. Interessante que este dar a moeda tem muito de Freudiano. Um dia gostava de ver e ler uma tese sobre o acto de dar esmola. Porque, na forma como se faz, no dar por dar, este é o verdadeiro problema. No abaixar forçado de consciências projectadas em quadros de miséria está muito a caridadezinha, enquanto fraqueza e calculismo humanos, de que falava Nietzsche. Os artistas de rua necessitam, de facto, da moeda, mas acima de tudo, e essencialmente, de consideração, do calor humano de quem passa. São pessoas marginalizadas, que por vários factores redundam em patologias várias e associadas, mas com um coração enorme. Depois de 8 meses desta experiência estou a aprender imenso; como pessoa enriqueci extraordinariamente. Tenho a certeza, nunca lhes pagarei a confiança depositada, no acreditar em mim. Foi graças à sua generosidade que estou a tirar da gaveta dezenas e dezenas de composições que fui fazendo ao longo das décadas. Se assim não fosse, creio, lá morreriam de tédio pelo obscurantismo.
A quem chegou até aqui, façam um favor a todos nós –como eu, citadinos agregados e funcionais-: olhem nos olhos os artistas de rua. Quando algum estiver a actuar, parem um minuto à sua frente e apreciem o seu trabalho. Todos temos muito a aprender. E há aprendizagens que só se fazem estando no lugar do morto.
Muito obrigado à organização das comemorações do reconhecimento mundial declarado pela Unesco, e muito particularmente à Clara Almeida Santos por ter acreditado em nós e permitido que, mais uma vez, nos mostrássemos à cidade. Um muito obrigado também à Emília Martins, presidente da direcção da Orquestra Clássica do Centro, pelo apoio que nos tem dado.
Para todos, um abraço do tamanho da universalidade mundial. Bem-haja.

Deixo a letra de uma das muitas nossas canções:

Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria não passo,
sem dinheiro passo bem

Não me atirem uma moeda,
sem alguma humanidade,
afinal não sou pedinte,
sou um artista na cidade,
que precisa da moeda,
mas que traga dignidade,

Não me dêem uma moeda,
sem um sorriso também,
sem alegria eu não passo,
sem dinheiro passo bem,

Não me joguem uma moeda,
como se eu fosse alguém,
insensível ao amor,
e que não ama também,
sem amor eu não passo,
sem dinheiro passo bem.




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