(Fotos de Veiga You)
Em jeito de ressalva, para quem
não souber, quando estou a tocar na rua ou a fazer outra qualquer macaquice
transformo-me num tipo desligado de inibições, um sem-vergonha. Como sou um
democrata assumido, tanto envio um piropo à velhinha como um bejinho ao borracho. Claro que quando
vejo um político cá da terra a passar em frente, pumba!, toca de me meter com ele. Em especulação até consigo adivinhar o
que pensarão estes apanhados: “fosca-se,
como a cidade desceu de nível. Antigamente, nas ruas, eram só doutores, agora levamos
só com cromos.”
Hoje, entre as 1h30 e as 15h00,
enquanto actuava na denominada Orquestra
de músicos de Rua de Coimbra, de uma assentada, apanhei com dois ilustres
políticos da nossa urbe: Manuel Machado, que foi presidente da Câmara Municipal
de Coimbra até 2001 e agora, novamente, é o candidato pelo Partido Socialista à
autarquia, e João Paulo Barbosa de Melo, o actual presidente em exercício na
edilidade e à frente do executivo. Numa espécie de exame, convidei-os a,
perdendo três minutos, ouvirem uma canção. Pensava cá com meus botões que só
com a interferência divina da Rainha Santa conseguiria tal intento. E então,
pasme-se, não é que ambos, em horas diferenciadas, aceitaram o desafio? Durante
uns minutos estiveram perfilados a ouvir duas canções por mim sugeridas. Sem qualquer
ponta de ironia, em nome dos músicos de rua, agradeço a gentileza. Curiosamente
ainda ontem escrevi um texto sobre o facto de os transeuntes não pararem um
segundo em frente a quem desenvolve uma acção cultural na via pública. Por isso
mesmo, entendo que esta manifestação de boa vontade dos dois políticos mais
importantes da cidade tem o seu quê de importância. É que quem os viu lá, ou
ler este texto, estou certo, vai pensar que também os deve imitar no que fazem
de bem. Todos sabemos que os exemplos devem vir de cima e, aqui, foi o que
aconteceu:
Eis a letra da canção que sugeri
a Barbosa de Melo:
HINO À CIDADE PERDIDA
“Olhem, tenham dó”,
gritava a cigana,
“tenho dez filhos e “mi home, entrevadinho”,
está na cama, coitadinho, e não pode trabalhar;
Davam uma moeda,
tinham compaixão,
na outra esquina um ceguinho repetia a lengalenga
trauteada em oração;
No largo em frente
jogavam à moeda,
e entre um copo e uma sardinha na tasca da Mariazinha
se depuravam as mágoas;
ESTA CIDADE JÁ NÃO EXISTE
SÓ NA MEMÓRIA É QUE PERSISTE
O tempo passou
e tudo mudou,
e a minha rua que era luz, agora é triste, tem uma cruz
p’ra lembrar que pereceu;
Já nem um pregão,
um gato a miar,
só o silêncio modorrão invadiu seu coração
e de quem teima em ficar;
ESTA CIDADE NÃO TEM VIVER
JÁ NÃO TEM VIDA, ESTÁ A MORRER.
P.S. - A canção sugerida a Manuel Machado está no post seguinte
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