quarta-feira, 26 de junho de 2013

APANHADOS NA RUA LARGA (1)

(Fotos de Veiga You)

 Em jeito de ressalva, para quem não souber, quando estou a tocar na rua ou a fazer outra qualquer macaquice transformo-me num tipo desligado de inibições, um sem-vergonha. Como sou um democrata assumido, tanto envio um piropo à velhinha como um bejinho ao borracho. Claro que quando vejo um político cá da terra a passar em frente, pumba!, toca de me meter com ele. Em especulação até consigo adivinhar o que pensarão estes apanhados: “fosca-se, como a cidade desceu de nível. Antigamente, nas ruas, eram só doutores, agora levamos só com cromos.”
Hoje, entre as 1h30 e as 15h00, enquanto actuava na denominada Orquestra de músicos de Rua de Coimbra, de uma assentada, apanhei com dois ilustres políticos da nossa urbe: Manuel Machado, que foi presidente da Câmara Municipal de Coimbra até 2001 e agora, novamente, é o candidato pelo Partido Socialista à autarquia, e João Paulo Barbosa de Melo, o actual presidente em exercício na edilidade e à frente do executivo. Numa espécie de exame, convidei-os a, perdendo três minutos, ouvirem uma canção. Pensava cá com meus botões que só com a interferência divina da Rainha Santa conseguiria tal intento. E então, pasme-se, não é que ambos, em horas diferenciadas, aceitaram o desafio? Durante uns minutos estiveram perfilados a ouvir duas canções por mim sugeridas. Sem qualquer ponta de ironia, em nome dos músicos de rua, agradeço a gentileza. Curiosamente ainda ontem escrevi um texto sobre o facto de os transeuntes não pararem um segundo em frente a quem desenvolve uma acção cultural na via pública. Por isso mesmo, entendo que esta manifestação de boa vontade dos dois políticos mais importantes da cidade tem o seu quê de importância. É que quem os viu lá, ou ler este texto, estou certo, vai pensar que também os deve imitar no que fazem de bem. Todos sabemos que os exemplos devem vir de cima e, aqui, foi o que aconteceu:
Eis a letra da canção que sugeri a Barbosa de Melo:

   HINO À CIDADE PERDIDA

“Olhem, tenham dó”,                                                        
gritava a cigana,                                                                
“tenho dez filhos e “mi home, entrevadinho”,             
está na cama, coitadinho, e não pode trabalhar;        
Davam uma moeda,                                                          
tinham compaixão,                                                            
na outra esquina um ceguinho repetia a lengalenga 
trauteada em oração;                                                        
No largo em frente                                                            
jogavam à moeda,                                                             
e entre um copo e uma sardinha na tasca da Mariazinha  
se depuravam as mágoas;   
                                                    
ESTA CIDADE JÁ NÃO EXISTE                                            
SÓ NA MEMÓRIA É QUE PERSISTE 
                                 
O tempo passou                                                                       
e tudo mudou,                                                                          
e a minha rua que era luz, agora é triste, tem uma cruz  
p’ra lembrar que pereceu;                                                     
Já nem um pregão,                                                                  
um gato a miar,                                                                       
só o silêncio modorrão invadiu seu coração                    
e de quem teima em ficar;      
                                            
ESTA CIDADE NÃO TEM VIVER                                          
JÁ NÃO TEM VIDA, ESTÁ A MORRER.                                                        



P.S. - A canção sugerida a Manuel Machado está no post seguinte

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