LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA
Para além do texto "UMA ENTREVISTA, POR ACASO", deixo também as crónicas "O LOUCO MUNDO FISCAL PERSECUTÓRIO"; e "SORRIA, ESTÁ A SER LEVADO"
UMA ENTREVISTA, POR ACASO…
Todos os dias, logo de manhã, me
cruzo com ele na rua estreita, acompanhado pela esposa, Cila, sempre
agarradinhos, como eterno apaixonados, a ponto de me fazer inveja. O Francisco
Veiga, de 68 anos de idade, e mais de meio-século de atividade comercial,
emérito e reputado comerciante da Baixa de Coimbra, faz parte de uma estirpe em
completo desaparecimento. Começou como marçano no comércio, de alpercatas
rotas, estômago a dar horas e uma vontade imensurável de alcançar um estatuto
de dignidade. Atirou-se à vida sem freio, conheceu o êxito e a glória de ter
sido considerado um dos maiores profissionais da moda na cidade. A roda
desandou e hoje, como a maioria dos lojistas do ramo de pronto-a-vestir, está
novamente na mó de baixo. Escrevo
assim mesmo, porque o “Chico”, como é
gentilmente tratado por aqui, não tem medo das palavras. No entanto, e é por
isso que o admiro e considero, continua uma pessoa humilde, não perdeu o porte,
o sorriso, e, acima de tudo, a disponibilidade de se dar para os outros, sabendo que a simplicidade deixa marca nas
pedras da calçada. Deu-me para ouvir o Veiga. O que terá ele para dizer?
“Apanhaste-me de surpresa, pá! Conheces a minha história de trás para
frente. Sabes o que penso de tudo o que nos está acontecer. Queres que eu te
repita o que já disse tantas vezes? Está bem! Estou cansado, meu amigo! Cansado
de trabalhar para uma causa perdida. Olho para esta Baixa na atualidade e, em
analogia, vejo um campo cheio de silvas misturado com ervas daninhas, onde a
vida humana praticamente desapareceu. Faz-me sangrar o coração, pá! Eu comecei
no desaparecido Carlos Camiseiro, na Praça do Comércio, tu sabes. Esta zona era
um pulsar permanente de atividade. Às vezes dou por mim a interrogar como foi
possível, indo atrás de lentilhas, destruir tudo isto. Começou logo com a
criação de novas centralidades, com muita construção na periferia, que foram
recebendo, em transferência massiva, os moradores mais novos e deixando cá os
mais velhos. Tal como em outras zonas históricas do país, a edificação antiga, aqui,
salvo exceções, não tem qualidade. Falta conforto. A seguir foram licenciando
as grandes superfícies e, então sim, desta vez, foram sendo deslocalizados os
consumidores mais endinheirados. Hoje esta zona velha tenta sobreviver à custa
de um cliente idoso e pouco poder económico. Andamos todos, eu e outros, há
mais de 15 anos a alertar as autoridades, nomeadamente a Câmara Municipal, para
a hecatombe que está acontecer e nada se fez para o evitar. Pelo contrário, dá
a impressão que a intenção foi sempre correr daqui os pequenos operadores,
entre comércio e serviços, que eram a alma e davam movimento a esta área
habitacional e comercial. Há atividades que já desapareceram e não voltam mais
pelas dificuldades que lhes foram impostas. Optaram por ir para a periferia.
Com os serviços administrativos aconteceu o mesmo. Basta lembrar o caso da
esquadra da PSP. Ninguém se lembra que estes prestadores públicos eram o
catalisador de um todo e ao abandonarem o centro da cidade a Baixa ficou mais
isolada e deserta. A autarquia, da mesma forma que faz no Mercado Municipal,
deveria cobrar um valor muito baixinho na primeira hora de estacionamento
público –apenas para fazer o controle, aí 10 ou 20 cêntimos.
Se quiserem fazer alguma coisa, e antes que morra de vez, é preciso
começar pela recuperação do edificado. É urgente criar condições para virem
pessoas para aqui residir, sobretudo casais novos. Tenho nostalgia de ver
crianças a brincar nos pequenos largos. Já se veem alguns estudantes mas não
chega. Os universitários não fazem despesa. Dormem cá mas vão comer às
cantinas. O fundamental é apostar nas famílias. É preciso arriscar em novos
paradigmas. Por exemplo o trânsito no canal. Neste momento, tendo em conta a
acelerada desertificação e degradação social, é essencial repor a circulação de
transportes coletivos nestas vias largas. Desde o princípio, por volta de 1990
e quando tornaram estas ruas pedonais, que sempre fui contra. Por parte dos
comerciantes, ninguém me deu razão, mas agora torcem a orelha. Outro grande
problema são as rendas habitacionais e comerciais. Deveriam ser condicionadas e
de modo a não haver nem locados nem estabelecimentos encerrados. Alguns estão
nesta situação há vários anos. Lojas fechadas, como tanto se vê, são uma má
imagem, geram insegurança, para quem nos visita. O aspeto de abandono é
desolador, é um desgosto, pá!. Deveria ser criada legislação para obrigar os
proprietários a só poderem ter uma casa encerrada ou uma loja durante seis meses.
Seria uma forma simples de desencadear o abaixamento das rendas.
Tenho muita saudade da Baixa de outros tempos. Muita saudade do
movimento, do ambiente que se vivia aqui. Desapareceram os pregões, o barulho
de fundo tão pitoresco desta zona. Agora só o silêncio impõe o seu manto
dominador; é tudo muito triste, soturno, sem cor. Vejo o futuro com muita
apreensão. As pessoas andam desanimadas, sem alento, sem esperança no dia de
amanhã. Se fosse mais novo emigrava. Não me dá prazer viver no nosso país. Graças
a Deus, contrariamente a tantos casais que conheço por cá e que estão com
divórcios, esta terrível crise não está afetar a minha família. Tenho uma
mulher maravilhosa, sabes? Continuamos apaixonados. É o que me vale quando, de
manhã, acordo e penso que tenho de vir trabalhar para a loja. Tento, por todos
os meios, retardar a minha volta diária. O Comércio, que outrora me deu tantas
alegrias, neste momento é a minha cruz. Sinto-me preso, pregado a esta
situação. É um martírio que estou a passar. Não pelos clientes, esclareço.
Quero dizer pela sua raridade. São poucos e não têm dinheiro para gastar. Somos
acusados de não nos modernizarmos. Mas como? Só afirma isto quem nada sabe. A
nova lei do arrendamento (Novo Regime de Arrendamento Urbano), entre outros erros crassos, foi a desgraça
do comércio. Mesmo assim quero acreditar que esta atividade tradicional tem
futuro. Nem que seja pelos meus filhos e, acima de tudo, os meus netos, que
tanto gostava de ajudar e não posso. Tenho medo deste futuro que é já hoje.”
O LOUCO MUNDO FISCAL PERSECUTÓRIO
Há cerca de dois meses foi
realizada a escritura pública da Associação
de Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC). Cerca das 9h00 do dia 18
de Março, fui à secção das Finanças, na Loja do Cidadão, para liquidar a retenção
por conta relativo ao ato notarial. No caso, eram 51,70 euros. A funcionária
pública preencheu o impresso correspondente e digitalizou a importância no TPA, Terminal de Pagamento Automático.
Ou porque ainda estava ensonado, ou na razão direta de ser um bocado lerdo, não
verifiquei a importância subscrita e cliquei no ok. Quando recebi o talão da máquina, então sim olhei e o que vi? A
verba de 206,81 euros. Ou seja, por erro da funcionária e falta de atenção da
minha parte, tinha-me sido retirada aquela importância. Reclamei perante a
senhora, que recalcitrou que eu deveria
ter tomado atenção. Isto é, a culpa era inteiramente minha. Como já estou
habituado por outras coisas cá na minha vida -que agora não conta para aqui, e
apanhar com tudo em cima-, nem achei anormal. Como estava bem disposto, no meio
de um sorriso, até respondi que como a minha conta estava recheada, nem ligava
ao que pagava –saberia lá a senhora e o Criador as preocupações que me
apoquentam, mas passemos à frente, que de
tesos não reza a história. A funcionária das Finanças imediatamente fez uma
devolução no TPA da mesma importância e eu, na paz dos anjos e pouca fé em Deus,
segui a minha vida e nunca mais pensei no assunto.
No dia 24 de Maio, endereçada à
ABCC, recebi uma notificação, por citação postal, com o título “Identificação
da Dívida em Cobrança Coerciva”, no valor de 226,19 euros. Estranhei
porque a ABCC só agora constituiu a
sua lista, as eleições legitimantes foram realizadas na última quarta-feira, e,
por esse facto, ainda não foi possível iniciar a atividade, enquanto ato
primeiro de inscrição nos serviços fiscais. Fui à Loja do Cidadão para ser
esclarecido. Lá, não era possível, uma vez que não havia acesso ao documento da
sua génese. Só na 2ª Repartição de Finanças, na Avenida Fernão de Magalhães. E
como pregador em busca do Santo Graal, lá coloquei as alpercatas ao caminho.
Ali, naquela catedral de recolha de impostos onde todos ajoelham sem rezar e
sem miar, depois de muita dificuldade
em aceder à origem da importância lá se conseguiu saber que um qualquer ato
tinha dado origem à retenção por conta do valor de 226,19 euros, incluindo
custas. Mas que ato foi esse? Perguntava eu à funcionária, muito simpática, por
acaso. Não sabia, respondeu. O
sistema não informava o que deu origem à tributação. Entretanto os meus azeites
começaram a ferver –o que não é preciso muito, confesso com grande desgosto da
minha pessoa. Veio o chefe, boa aparência, simpático até onde se poderia ser, e
tentou defender o indefensável: se ali
estava escrito no sistema que havia um pagamento era porque havia mesmo.
Afirmava-me assim na minha cara de palonço, que já é de família. E a teimosia
continuava. Eu afirmava-me inocente e o chefe reincidia na defesa da máquina.
E, passando assim cerca de uma hora, nem eu ia almoçar, nem ele, nem a sua
subalterna. E o clima estava tenso. Até que me lembrei do engano da funcionária
na Loja do Cidadão. Por sorte, às vezes, na minha religiosa distração, tenho
mesmo sorte. Então não é que tinha guardado o talão? E lá se resolveu o pleito
que em tudo me parecia um processo de Kafka. Apesar da minha falta de jeito
para tratar com estas máquinas que nos hão-de destruir a todos, acabei em bem
com a funcionária, que perante as minhas graçolas –às vezes consigo rir quando me
apetece chorar- que até ganhou uma nova cor nas faces do rosto cansado. O
chefe, também fatigado, agastado e desmotivado com todas estas ondas de choque
entre a Administração Pública e o contribuinte, presumo, perante a minha
inegável razão, veio pedir desculpa. Gostei dele pela forma simples como se
retratou. Creio que fiz um amigo.
Mas, depois de tudo acabar em
bem, só uma pergunta se me alavanca na cabeça: e se eu não tivesse o talão da
devolução da máquina do TPA?
Para onde caminhamos? Ninguém
sabe, mas uma constatação persiste: com este sistema, em que os contribuintes
passaram a ser extensões e escravos de máquinas, não vamos longe. Vamos todos
ser triturados e feitos em fanicos.
Os funcionários, como este chefe que acabei a admirar, vão ser todos lançados
no desemprego. Por sua vez, o cidadão comum ficará cada vez mais à mercê dos
computadores e não terá qualquer defesa. Será que ninguém vê isto?
SORRIA, ESTÁ A SER LEVADO
Durante cerca de três anos, o
Montepio Geral cobrou em duplicado o aluguer de um Terminal de Pagamento
Automático (TPA). Instado a devolver a cobrança ilegítima, com o argumento de
que passou muito tempo, a instituição de crédito apenas devolveu metade.
No último
trimestre de 2012 o Montepio Geral, balcão da Portagem, em Coimbra, depois de
muitos anos como associado, cobrou-me 5 euros de Comissões de Manutenção. Eu não reclamei. Nos primeiros dias de
Janeiro deste ano coletou-me o dobro: 10 euros. Como se fosse picado por uma
serpente, então acordei do torpor de não conferir como deveria os extratos
bancários e, numa vontade que, desde sempre, deveria ter tido e não tive,
deu-me para verificar os lançamentos da associação mutualista. Foi assim que constatei
que desde 2009 me estava a ser cobrado em duplicado o aluguer do TPA –há quatro
anos o banco substituíra-me a máquina por outra mais moderna.
Neste primeiro mês do ano fui ao
banco pedir explicações para os dois factos anómalos. Quanto à denominada comissão de manutenção exigi que me
fosse replicada a razão de tal cobrança. Isto é, na reciprocidade, que serviço
me era prestado que justificasse a retirada de 10 euros por trimestre. A
funcionária não soube dar uma resposta satisfatória. Apenas disse que eram
normas internas do banco. Pedi o Livro de
Reclamações. Em face da minha irritação e pedido, tentando apaziguar, argumentou
que se eu quisesse exporia o assunto à gerência. Aceitei e não registei o, para
mim, abuso de confiança no livro das
queixas. Passados dias recebi uma comunicação a informar-me de “que tinha sido creditada a importância de 10
euros, embora não se garantisse a continuada isenção”. Já por mais duas
vezes esta mesma situação se verificou. Tornaram a debitar e, novamente, como
se rebobinasse um filme, se repetiu a situação. Mais uma vez as verbas foram repostas e acompanhadas da missiva
de que seria temporário.
Também nessa mesma hora, desse
dia de Janeiro, confrontei a funcionária com as minhas suspeitas de haveria
duplicação dos pagamentos do aluguer do TPA. Nessa mesma altura, foi afirmado
que, de facto, estava a haver uma cobrança ilícita. Foi-me dito também que
“ficasse descansado que o banco devolveria as verbas retiradas por engano”. Nos
meses subsequentes continuei a ver o meu dinheiro voar da conta. Em
justificação, foi-me dito ao balcão que o sistema não assumia imediatamente o
erro, mas que não me preocupasse que seria realizado o devido ressarcimento.
Há dias, recebi uma comunicação
do Montepio Geral a informar-me de que “Pela presente informamos V. Ex.ª sobre a
operação efetuada nesta data na conta indicada. Créditos Reg. TPA. Mais se
informa que: Procedemos ao estorno de 50% das mensalidades do TPA, desde Julho
de 2009 a Março de 2013.”
Como não poderia deixar de ser,
mais uma vez, fui ao Montepio Geral, balcão da Portagem. Procurei que me fosse
fundamentada a razão de, perante um notório erro bancário de cobrança duvidosa,
aliás, assumida nesta comunicação, apenas me ser devolvida metade da importância
em falta. O argumento da funcionária foi de que “por ordens superiores, passou
demasiado tempo e, assim sendo, só será restituída metade.”
Naturalmente que o protesto foi
ratificado no Livro de Reclamações. Para
além desta reivindicação escrita seguiu também uma exposição para o Banco de Portugal, endereçada ao Departamento de Supervisão Comportamental, e
outra para o Provedor de Justiça.
Sem querer ser juiz em causa
própria, e com a devida e necessária independência, parece-me evidente que
estamos perante reiterados abusos de confiança bancária, sobretudo na
unilateral cobrança de comissões de manutenção, e má-fé, quando ao viés de
restituir o devido, pelo locupletamento, e pagar juros, ainda se subtrai metade.
Por alma de quem o Montepio Geral teima
em fazer de mim um reiterado pacóvio? Termino com uma interrogação: o que é
isto?
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