domingo, 2 de junho de 2013

LEIA O DESPERTAR



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "UMA ENTREVISTA, POR ACASO", deixo também as crónicas "O LOUCO MUNDO FISCAL PERSECUTÓRIO";  e "SORRIA, ESTÁ A SER LEVADO"



UMA ENTREVISTA, POR ACASO…

 Todos os dias, logo de manhã, me cruzo com ele na rua estreita, acompanhado pela esposa, Cila, sempre agarradinhos, como eterno apaixonados, a ponto de me fazer inveja. O Francisco Veiga, de 68 anos de idade, e mais de meio-século de atividade comercial, emérito e reputado comerciante da Baixa de Coimbra, faz parte de uma estirpe em completo desaparecimento. Começou como marçano no comércio, de alpercatas rotas, estômago a dar horas e uma vontade imensurável de alcançar um estatuto de dignidade. Atirou-se à vida sem freio, conheceu o êxito e a glória de ter sido considerado um dos maiores profissionais da moda na cidade. A roda desandou e hoje, como a maioria dos lojistas do ramo de pronto-a-vestir, está novamente na mó de baixo. Escrevo assim mesmo, porque o “Chico”, como é gentilmente tratado por aqui, não tem medo das palavras. No entanto, e é por isso que o admiro e considero, continua uma pessoa humilde, não perdeu o porte, o sorriso, e, acima de tudo, a disponibilidade de se dar para os outros, sabendo que a simplicidade deixa marca nas pedras da calçada. Deu-me para ouvir o Veiga. O que terá ele para dizer?
Apanhaste-me de surpresa, pá! Conheces a minha história de trás para frente. Sabes o que penso de tudo o que nos está acontecer. Queres que eu te repita o que já disse tantas vezes? Está bem! Estou cansado, meu amigo! Cansado de trabalhar para uma causa perdida. Olho para esta Baixa na atualidade e, em analogia, vejo um campo cheio de silvas misturado com ervas daninhas, onde a vida humana praticamente desapareceu. Faz-me sangrar o coração, pá! Eu comecei no desaparecido Carlos Camiseiro, na Praça do Comércio, tu sabes. Esta zona era um pulsar permanente de atividade. Às vezes dou por mim a interrogar como foi possível, indo atrás de lentilhas, destruir tudo isto. Começou logo com a criação de novas centralidades, com muita construção na periferia, que foram recebendo, em transferência massiva, os moradores mais novos e deixando cá os mais velhos. Tal como em outras zonas históricas do país, a edificação antiga, aqui, salvo exceções, não tem qualidade. Falta conforto. A seguir foram licenciando as grandes superfícies e, então sim, desta vez, foram sendo deslocalizados os consumidores mais endinheirados. Hoje esta zona velha tenta sobreviver à custa de um cliente idoso e pouco poder económico. Andamos todos, eu e outros, há mais de 15 anos a alertar as autoridades, nomeadamente a Câmara Municipal, para a hecatombe que está acontecer e nada se fez para o evitar. Pelo contrário, dá a impressão que a intenção foi sempre correr daqui os pequenos operadores, entre comércio e serviços, que eram a alma e davam movimento a esta área habitacional e comercial. Há atividades que já desapareceram e não voltam mais pelas dificuldades que lhes foram impostas. Optaram por ir para a periferia. Com os serviços administrativos aconteceu o mesmo. Basta lembrar o caso da esquadra da PSP. Ninguém se lembra que estes prestadores públicos eram o catalisador de um todo e ao abandonarem o centro da cidade a Baixa ficou mais isolada e deserta. A autarquia, da mesma forma que faz no Mercado Municipal, deveria cobrar um valor muito baixinho na primeira hora de estacionamento público –apenas para fazer o controle, aí 10 ou 20 cêntimos.
Se quiserem fazer alguma coisa, e antes que morra de vez, é preciso começar pela recuperação do edificado. É urgente criar condições para virem pessoas para aqui residir, sobretudo casais novos. Tenho nostalgia de ver crianças a brincar nos pequenos largos. Já se veem alguns estudantes mas não chega. Os universitários não fazem despesa. Dormem cá mas vão comer às cantinas. O fundamental é apostar nas famílias. É preciso arriscar em novos paradigmas. Por exemplo o trânsito no canal. Neste momento, tendo em conta a acelerada desertificação e degradação social, é essencial repor a circulação de transportes coletivos nestas vias largas. Desde o princípio, por volta de 1990 e quando tornaram estas ruas pedonais, que sempre fui contra. Por parte dos comerciantes, ninguém me deu razão, mas agora torcem a orelha. Outro grande problema são as rendas habitacionais e comerciais. Deveriam ser condicionadas e de modo a não haver nem locados nem estabelecimentos encerrados. Alguns estão nesta situação há vários anos. Lojas fechadas, como tanto se vê, são uma má imagem, geram insegurança, para quem nos visita. O aspeto de abandono é desolador, é um desgosto, pá!. Deveria ser criada legislação para obrigar os proprietários a só poderem ter uma casa encerrada ou uma loja durante seis meses. Seria uma forma simples de desencadear o abaixamento das rendas.
Tenho muita saudade da Baixa de outros tempos. Muita saudade do movimento, do ambiente que se vivia aqui. Desapareceram os pregões, o barulho de fundo tão pitoresco desta zona. Agora só o silêncio impõe o seu manto dominador; é tudo muito triste, soturno, sem cor. Vejo o futuro com muita apreensão. As pessoas andam desanimadas, sem alento, sem esperança no dia de amanhã. Se fosse mais novo emigrava. Não me dá prazer viver no nosso país. Graças a Deus, contrariamente a tantos casais que conheço por cá e que estão com divórcios, esta terrível crise não está afetar a minha família. Tenho uma mulher maravilhosa, sabes? Continuamos apaixonados. É o que me vale quando, de manhã, acordo e penso que tenho de vir trabalhar para a loja. Tento, por todos os meios, retardar a minha volta diária. O Comércio, que outrora me deu tantas alegrias, neste momento é a minha cruz. Sinto-me preso, pregado a esta situação. É um martírio que estou a passar. Não pelos clientes, esclareço. Quero dizer pela sua raridade. São poucos e não têm dinheiro para gastar. Somos acusados de não nos modernizarmos. Mas como? Só afirma isto quem nada sabe. A nova lei do arrendamento (Novo Regime de Arrendamento Urbano), entre outros erros crassos, foi a desgraça do comércio. Mesmo assim quero acreditar que esta atividade tradicional tem futuro. Nem que seja pelos meus filhos e, acima de tudo, os meus netos, que tanto gostava de ajudar e não posso. Tenho medo deste futuro que é já hoje.”



O LOUCO MUNDO FISCAL PERSECUTÓRIO

 Há cerca de dois meses foi realizada a escritura pública da Associação de Beneficência ao Comerciante de Coimbra (ABCC). Cerca das 9h00 do dia 18 de Março, fui à secção das Finanças, na Loja do Cidadão, para liquidar a retenção por conta relativo ao ato notarial. No caso, eram 51,70 euros. A funcionária pública preencheu o impresso correspondente e digitalizou a importância no TPA, Terminal de Pagamento Automático. Ou porque ainda estava ensonado, ou na razão direta de ser um bocado lerdo, não verifiquei a importância subscrita e cliquei no ok. Quando recebi o talão da máquina, então sim olhei e o que vi? A verba de 206,81 euros. Ou seja, por erro da funcionária e falta de atenção da minha parte, tinha-me sido retirada aquela importância. Reclamei perante a senhora, que recalcitrou que eu deveria ter tomado atenção. Isto é, a culpa era inteiramente minha. Como já estou habituado por outras coisas cá na minha vida -que agora não conta para aqui, e apanhar com tudo em cima-, nem achei anormal. Como estava bem disposto, no meio de um sorriso, até respondi que como a minha conta estava recheada, nem ligava ao que pagava –saberia lá a senhora e o Criador as preocupações que me apoquentam, mas passemos à frente, que de tesos não reza a história. A funcionária das Finanças imediatamente fez uma devolução no TPA da mesma importância e eu, na paz dos anjos e pouca fé em Deus, segui a minha vida e nunca mais pensei no assunto.
No dia 24 de Maio, endereçada à ABCC, recebi uma notificação, por citação postal, com o título “Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva”, no valor de 226,19 euros. Estranhei porque a ABCC só agora constituiu a sua lista, as eleições legitimantes foram realizadas na última quarta-feira, e, por esse facto, ainda não foi possível iniciar a atividade, enquanto ato primeiro de inscrição nos serviços fiscais. Fui à Loja do Cidadão para ser esclarecido. Lá, não era possível, uma vez que não havia acesso ao documento da sua génese. Só na 2ª Repartição de Finanças, na Avenida Fernão de Magalhães. E como pregador em busca do Santo Graal, lá coloquei as alpercatas ao caminho. Ali, naquela catedral de recolha de impostos onde todos ajoelham sem rezar e sem miar, depois de muita dificuldade em aceder à origem da importância lá se conseguiu saber que um qualquer ato tinha dado origem à retenção por conta do valor de 226,19 euros, incluindo custas. Mas que ato foi esse? Perguntava eu à funcionária, muito simpática, por acaso. Não sabia, respondeu. O sistema não informava o que deu origem à tributação. Entretanto os meus azeites começaram a ferver –o que não é preciso muito, confesso com grande desgosto da minha pessoa. Veio o chefe, boa aparência, simpático até onde se poderia ser, e tentou defender o indefensável: se ali estava escrito no sistema que havia um pagamento era porque havia mesmo. Afirmava-me assim na minha cara de palonço, que já é de família. E a teimosia continuava. Eu afirmava-me inocente e o chefe reincidia na defesa da máquina. E, passando assim cerca de uma hora, nem eu ia almoçar, nem ele, nem a sua subalterna. E o clima estava tenso. Até que me lembrei do engano da funcionária na Loja do Cidadão. Por sorte, às vezes, na minha religiosa distração, tenho mesmo sorte. Então não é que tinha guardado o talão? E lá se resolveu o pleito que em tudo me parecia um processo de Kafka. Apesar da minha falta de jeito para tratar com estas máquinas que nos hão-de destruir a todos, acabei em bem com a funcionária, que perante as minhas graçolas –às vezes consigo rir quando me apetece chorar- que até ganhou uma nova cor nas faces do rosto cansado. O chefe, também fatigado, agastado e desmotivado com todas estas ondas de choque entre a Administração Pública e o contribuinte, presumo, perante a minha inegável razão, veio pedir desculpa. Gostei dele pela forma simples como se retratou. Creio que fiz um amigo.
Mas, depois de tudo acabar em bem, só uma pergunta se me alavanca na cabeça: e se eu não tivesse o talão da devolução da máquina do TPA?
Para onde caminhamos? Ninguém sabe, mas uma constatação persiste: com este sistema, em que os contribuintes passaram a ser extensões e escravos de máquinas, não vamos longe. Vamos todos ser triturados e feitos em fanicos. Os funcionários, como este chefe que acabei a admirar, vão ser todos lançados no desemprego. Por sua vez, o cidadão comum ficará cada vez mais à mercê dos computadores e não terá qualquer defesa. Será que ninguém vê isto?


SORRIA, ESTÁ A SER LEVADO

Durante cerca de três anos, o Montepio Geral cobrou em duplicado o aluguer de um Terminal de Pagamento Automático (TPA). Instado a devolver a cobrança ilegítima, com o argumento de que passou muito tempo, a instituição de crédito apenas devolveu metade.


 No último trimestre de 2012 o Montepio Geral, balcão da Portagem, em Coimbra, depois de muitos anos como associado, cobrou-me 5 euros de Comissões de Manutenção. Eu não reclamei. Nos primeiros dias de Janeiro deste ano coletou-me o dobro: 10 euros. Como se fosse picado por uma serpente, então acordei do torpor de não conferir como deveria os extratos bancários e, numa vontade que, desde sempre, deveria ter tido e não tive, deu-me para verificar os lançamentos da associação mutualista. Foi assim que constatei que desde 2009 me estava a ser cobrado em duplicado o aluguer do TPA –há quatro anos o banco substituíra-me a máquina por outra mais moderna.
Neste primeiro mês do ano fui ao banco pedir explicações para os dois factos anómalos. Quanto à denominada comissão de manutenção exigi que me fosse replicada a razão de tal cobrança. Isto é, na reciprocidade, que serviço me era prestado que justificasse a retirada de 10 euros por trimestre. A funcionária não soube dar uma resposta satisfatória. Apenas disse que eram normas internas do banco. Pedi o Livro de Reclamações. Em face da minha irritação e pedido, tentando apaziguar, argumentou que se eu quisesse exporia o assunto à gerência. Aceitei e não registei o, para mim, abuso de confiança no livro das queixas. Passados dias recebi uma comunicação a informar-me de “que tinha sido creditada a importância de 10 euros, embora não se garantisse a continuada isenção”. Já por mais duas vezes esta mesma situação se verificou. Tornaram a debitar e, novamente, como se rebobinasse um filme, se repetiu a situação. Mais uma vez as verbas foram repostas e acompanhadas da missiva de que seria temporário.
Também nessa mesma hora, desse dia de Janeiro, confrontei a funcionária com as minhas suspeitas de haveria duplicação dos pagamentos do aluguer do TPA. Nessa mesma altura, foi afirmado que, de facto, estava a haver uma cobrança ilícita. Foi-me dito também que “ficasse descansado que o banco devolveria as verbas retiradas por engano”. Nos meses subsequentes continuei a ver o meu dinheiro voar da conta. Em justificação, foi-me dito ao balcão que o sistema não assumia imediatamente o erro, mas que não me preocupasse que seria realizado o devido ressarcimento.
Há dias, recebi uma comunicação do Montepio Geral a informar-me de que “Pela presente informamos V. Ex.ª sobre a operação efetuada nesta data na conta indicada. Créditos Reg. TPA. Mais se informa que: Procedemos ao estorno de 50% das mensalidades do TPA, desde Julho de 2009 a Março de 2013.”
Como não poderia deixar de ser, mais uma vez, fui ao Montepio Geral, balcão da Portagem. Procurei que me fosse fundamentada a razão de, perante um notório erro bancário de cobrança duvidosa, aliás, assumida nesta comunicação, apenas me ser devolvida metade da importância em falta. O argumento da funcionária foi de que “por ordens superiores, passou demasiado tempo e, assim sendo, só será restituída metade.”
Naturalmente que o protesto foi ratificado no Livro de Reclamações. Para além desta reivindicação escrita seguiu também uma exposição para o Banco de Portugal, endereçada ao Departamento de Supervisão Comportamental, e outra para o Provedor de Justiça.
Sem querer ser juiz em causa própria, e com a devida e necessária independência, parece-me evidente que estamos perante reiterados abusos de confiança bancária, sobretudo na unilateral cobrança de comissões de manutenção, e má-fé, quando ao viés de restituir o devido, pelo locupletamento, e pagar juros, ainda se subtrai metade. Por alma de quem o Montepio Geral teima em fazer de mim um reiterado pacóvio? Termino com uma interrogação: o que é isto?

Sem comentários: