sexta-feira, 21 de junho de 2013

EDITORIAL: A MORTE COMO FINAL FELIZ



 Esta semana, a vinte metros da Praça Fausto Correia –outrora chamada Machado Assis-, na zona de Celas, em Coimbra, uma senhora de 74 anos espetou uma faca no abdómen vindo a ser encontrada por familiares numa poça de sangue e já sem vida. Em Fevereiro, a uma dezena de metros desta praceta, também um meu amigo colocou termo à sua existência. Segundo um residente próximo, nos últimos dois anos, 8 pessoas recorreram ao suicídio num raio de uma centena de metros. Nenhum jornal da cidade relatou a morte desta senhora.
A primeira questão que nos ocorrerá é tentar perceber se a zona terá algo de fatídico. Penso que não. Estes factos estão apenas associados à grave crise emocional que atravessa o país. Lembrei-me de escrever sobre este caso ao ler que “o consumo de medicamentos antidepressivos disparou no último ano,  revela o relatório da Primavera do Observatório Nacional dos Sistemas de Saúde, apresentado esta terça-feira em Lisboa.  "De facto, há um acentuar dos problemas de saúde mental, normalmente muito associados ao desemprego. Está a aumentar o consumo de antidepressivos e isto é um alerta, afirma à Renascença a coordenadora do estudo, Ana Escoval.” 
Outra questão pertinente é tentar entender até que ponto, com o argumento de que o suicídio é desencadeado por simpatia, os jornais, com esta segregação de notícias e na maioria dos casos apresentando estas mortes como de causas desconhecidas, estarão ou não a contribuir para falsos diagnósticos e diminuição de um alerta social que urge discutir. Ou seja, com o argumento de que se deve proteger a colectividade para estímulos de ordem simpática, que levem à imitação de procedimentos, até que ponto não estará esta sonegação de notícias a evitar o debate público sobre uma saúde mental cada vez mais precária?
Os cortes na saúde nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento estão a ser brutais. Ainda há pouco visionei um vídeo da histeria de uma médica nas urgências no Rio de Janeiro perante o excesso de trabalho da sua unidade hospitalar e, com centenas de pacientes em fila de espera, em que o encerramento de outras periféricas era uma constatação.
Depois de vinte anos de um Serviço Nacional de Saúde quase excelente, em que a vida era colocada acima de qualquer outro valor ou interesse, hoje assiste-se a uma degradação continuada dos serviços públicos e em que cada vez mais a morte provocada, sendo uma libertação das agruras existenciais, é um acto individual, pensado e escolhido, de final feliz. Com os aumentos das taxas moderadoras e sem dinheiro para se adquirir medicamentos, o suicídio é cada vez mais uma alternativa à saúde primária dos portugueses. Talvez valha a pena pensar nisto.

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