São 10h00 deste Sábado, 1 de
Junho. Na confluência, em forma de T, das Ruas Eduardo Coelho e Padeiras está a
realizar-se um pequeno conclave. O tema chamado à colação, para análise, foi o
facto de o Eduardo, com a retrosaria Edunor, na Rua das Padeiras, ter encerrado
e já não abrir hoje. De braços cruzados e rostos fechados, estão a Liliana, funcionária
da sapataria Veludo Carmim, o filho de um empresário com o mesmo nome no ramo de sapatos, e o Luís Duarte, comerciante
de adornos interiores e alegrias exteriores. No canto que faz esquina para o
Largo da Freiria, o senhor Eduardo, o ceguinho, que, sem ver, apreende mais de
olhos sem luz do que muitos visuais em grandes planos de perspectivas grandiloquentes,
presidia à reunião e, na sua lengalenga chorada, chamava a atenção para a
solenidade do momento: “uma moedinha, por amor de Deus, Senhor!”. Dizia a
Liliana, “por este andar, vai tudo embora!”. O Luís Duarte, nitidamente
preocupado, enfatizava: “porra! Mais uma que encerra! Já viram como vai ficar a
Rua das Padeiras? Não tardará muito fecho também. Estou a fazer o quê aqui? Isto está desanimador!”.
Proclama o filho do comerciante de sapatos: “e o café também não abriu hoje. É dia primeiro de Junho,
não acham estranho?”. E o ceguinho, impávido e sereno, tentando pôr ordem na
desordem mental e no pessimismo dos participantes, repetia: “tenham dó e
caridade de dar uma moeda para quem não vê a luz do dia, senhor!”
Lá no alto, no beiral, um casal
de pombos, olhando ora para um lado ora para outro das duas ruas e certamente
vendo o pouco movimento de transeuntes, parecia estar sorumbático. O prédio da
antiga Topal e agora Veludo Carmim, como farol de uma
imensidão oceanográfica que já foi cruzamento de navios perdidos no horizonte,
parecia apático e não manifestava opinião. A meia altura, um candeeiro, outrora
reluzente e agora muito sujo, como vadio andrajoso, olhava cá para baixo e via
um homem passar com um pequeno carro de duas rodas a transportar os restos,
como espojos em manequins esquartejados, de uma loja que, durante mais de uma
década, foi luz, a boutique Romy, e
há dias encerrou também. Mais ao lado, o Filipe, como a representar o estado a
que chegou a Baixa de Coimbra, com um estabelecimento de pijamas e outros
artigos de conforto físico e que espera também a machada final para acabar de
vez com um sonho que se tornou pesadelo, em gestos repetidos e quase
obsessivos, parece amassar as duas mãos, rodando-as em torno uma da outra, e
complementando o quadro com uma cara sisuda. Uns passos mais à frente, no
Largo do Poço, quase em competição por um público que não há e umas moedas que
prometeram mas não aparecem, estão o Luís Cortês, a tocar órgão e a cantarolar “Coimbra
é uma lição, de tristeza e solidão…”, e um pequeno grupo de senhoras aquecem as
vozes, mais que certo para se atirarem a um qualquer “faducho” do desgraçadinho.
Alheio a toda esta perscrutação,
o grafite na parede da sapataria Quirino com a frase em destaque “Crise” parece
dizer tudo em apenas 5 letras.
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