sábado, 1 de junho de 2013

BAIXA, CHORAI, CHORAI...


 São 10h00 deste Sábado, 1 de Junho. Na confluência, em forma de T, das Ruas Eduardo Coelho e Padeiras está a realizar-se um pequeno conclave. O tema chamado à colação, para análise, foi o facto de o Eduardo, com a retrosaria Edunor, na Rua das Padeiras, ter encerrado e já não abrir hoje. De braços cruzados e rostos fechados, estão a Liliana, funcionária da sapataria Veludo Carmim, o filho de um empresário com o mesmo nome no ramo de sapatos, e o Luís Duarte, comerciante de adornos interiores e alegrias exteriores. No canto que faz esquina para o Largo da Freiria, o senhor Eduardo, o ceguinho, que, sem ver, apreende mais de olhos sem luz do que muitos visuais em grandes planos de perspectivas grandiloquentes, presidia à reunião e, na sua lengalenga chorada, chamava a atenção para a solenidade do momento: “uma moedinha, por amor de Deus, Senhor!”. Dizia a Liliana, “por este andar, vai tudo embora!”. O Luís Duarte, nitidamente preocupado, enfatizava: “porra! Mais uma que encerra! Já viram como vai ficar a Rua das Padeiras? Não tardará muito fecho também. Estou  a fazer o quê aqui? Isto está desanimador!”. Proclama o filho do comerciante de sapatos: “e o café também não abriu hoje. É dia primeiro de Junho, não acham estranho?”. E o ceguinho, impávido e sereno, tentando pôr ordem na desordem mental e no pessimismo dos participantes, repetia: “tenham dó e caridade de dar uma moeda para quem não vê a luz do dia, senhor!”
Lá no alto, no beiral, um casal de pombos, olhando ora para um lado ora para outro das duas ruas e certamente vendo o pouco movimento de transeuntes, parecia estar sorumbático. O prédio da antiga Topal e agora Veludo Carmim, como farol de uma imensidão oceanográfica que já foi cruzamento de navios perdidos no horizonte, parecia apático e não manifestava opinião. A meia altura, um candeeiro, outrora reluzente e agora muito sujo, como vadio andrajoso, olhava cá para baixo e via um homem passar com um pequeno carro de duas rodas a transportar os restos, como espojos em manequins esquartejados, de uma loja que, durante mais de uma década, foi luz, a boutique Romy, e há dias encerrou também. Mais ao lado, o Filipe, como a representar o estado a que chegou a Baixa de Coimbra, com um estabelecimento de pijamas e outros artigos de conforto físico e que espera também a machada final para acabar de vez com um sonho que se tornou pesadelo, em gestos repetidos e quase obsessivos, parece amassar as duas mãos, rodando-as em torno uma da outra, e complementando o quadro com uma cara sisuda. Uns passos mais à frente, no Largo do Poço, quase em competição por um público que não há e umas moedas que prometeram mas não aparecem, estão o Luís Cortês, a tocar órgão e a cantarolar “Coimbra é uma lição, de tristeza e solidão…”, e um pequeno grupo de senhoras aquecem as vozes, mais que certo para se atirarem a um qualquer “faducho” do desgraçadinho.
Alheio a toda esta perscrutação, o grafite na parede da sapataria Quirino com a frase em destaque “Crise” parece dizer tudo em apenas 5 letras.

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