sexta-feira, 14 de junho de 2013

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "O IPO E A CRISE DE IDENTIDADE", deixo também as crónicas "EM BUSCA DA SALVAÇÃO TERRENA";  e "REFLEXÃO: JESSICA, I LOVE IOU"


O IPO E A CRISE DE IDENTIDADE

 Na segunda-feira, dia 3, dei-me conta da tenda do IPO na Praça do Comércio. Ao ser interpelado, pela voluntária, para contribuir prometi passar mais tarde e fazer um artigo para o blogue. Num daqueles olhares imediatos para o logótipo presente no pequeno pavilhão, mentalmente, nem sequer questionei se, perseguindo exatamente o mesmo objeto social, haveria várias instituições com o mesmo logos no país. Para mim, Instituto Português de Oncologia, tal como o nome indica, seria unicamente um só. Se alguém me dissesse o contrário não teria acreditado.
Na sexta-feira, dia 7, fui surpreendido pelos títulos de primeira página dos dois matutinos da cidade, o Diário de Coimbra e o Diário as Beiras, curiosamente iguais, “IPO DE COIMBRA DEMARCA-SE DE CAMPANHA DE DONATIVOS”. Já no tratamento da notícia, no interior e na interpretação do texto provindo da Lusa, os dois jornais seguiam caminhos opostos no subtítulo. No Diário as Beiras aparecia assim: “IPO/Coimbra denuncia campanha de donativos”. No Diário de Coimbra saiu assim: “IPO de Coimbra diz nada ter a ver com recolha de donativos –Esclarecimento Unidade hospitalar diz ser alheia a campanha que usa logótipo da instituição”.
 O que é aconteceu? Perguntava a mim mesmo. Várias questões se levantam, mas, antes de prosseguir com especulações e que as deixo ao leitor, talvez fosse bom ir ouvir quem está no meio do olho do vulcão. Ou seja, Fátima Assis, a responsável na cidade pelas campanhas de angariação de fundos para o Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil E.P.E. (Entidade Pública Empresarial). Interroguei, que confusão é esta, Fátima?

“Sinceramente nem sei o que lhe diga. Fomos apanhados de surpresa pelas notícias. Esta é uma iniciativa que, amiúde, o IPO de Lisboa realiza do Norte ao Sul do País para angariar fundos. Somos todos voluntários, cerca de meia-dúzia de pessoas, e, para além das ajudas de custo, alojamento, alimentação e transporte, não ganhamos nada. O IPO de Lisboa, tal como pode ler neste folheto, articula-se, de igual forma, com os Institutos de Oncologia de Coimbra e do Porto, através da Comissão Coordenadora, nos termos da legislação em vigor. É meu entendimento que nas declarações prestadas pelo IPO de Coimbra há desonestidade intelectual; uma clara falta de camaradagem. Foram todos muito injustos, incluindo a Lusa, enquanto central de notícias nacional e os próprios jornais. Ninguém se deu ao trabalho de nos ouvir. Nós estamos licenciados pela Câmara Municipal de Coimbra –e aponta a licença de ocupação de espaço público. Ainda hoje esteve aqui a Polícia Municipal a verificar e estava tudo bem. É óbvio que nos sentimos maltratados, ofendidos e injustiçados. Parece que nos estão a chamar vigaristas! Mas não é por isso que não vamos continuar com este serviço altruísta. Se são parciais nas apreciações é um problema deles, não nosso. Nós estamos a fazer o que entendemos por bem. Todas as verbas obtidas são canalizadas para o IPO de Lisboa. Não aceitamos donativos. Aceitamos sim uma contribuição a troco de um objeto –repare que é tudo controlado. A cada artigo terá de corresponder o valor atribuído pela instituição. Claro que hoje, depois das publicações nos periódicos, sentimos algum incómodo, mas explicamos às pessoas e, parece-nos, entendem bem a situação.
Foi muito mau. Não queremos nada, e a todos perdoamos. No entanto, pelo princípio da transparência a que todos os meios de informação estão obrigados, para a próxima, antes de escreverem, venham falar connosco.”


EM BUSCA DA SALVAÇÃO TERRENA

 Volta e meia vou lá almoçar. É um pequeno restaurante na Baixa da cidade. Sempre que transponho a porta de entrada vejo lá caras novas. Sem exagero, no último ano, teriam lá passado mais de uma dezena de funcionárias. Sei que são enviadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Às vezes converso com o dono desta pequena casa de pasto –estranho nome, mas é mesmo assim chamada, aceitável se entendermos que, intrinsecamente, somos animais em busca de sustento. A diferença entre nós e os ruminantes é que estes limitam a sua procura à comida e à satisfação sexual, nós, humanos, não. Para além destes dois elementos, enquanto primado existencial de uma salvação terrena, precisamos também de alimento espiritual. Queixa-se ele amiúde da falta de profissionalismo e de outros problemas das suas subordinadas. Escuto-o com atenção, mas, mentalmente, vou pesando na minha balança de ponderação as razões que tornaram este sexagenário e profissional de hotelaria azedo, mal com o mundo, cara de pedra, e de manifesta infelicidade. Para além dos impostos e obrigações segregadores, paga uma renda altíssima pelo pequeno espaço e, para piorar, é obrigado a levar preços extremamente baixos para conseguir captar clientela. Não é preciso ser economista para saber que neste caso, se os custos fixos são exagerados e os proveitos são incertos e de pouca margem de lucro, o encerramento é o único final concreto e previsível.
É feriado, Dia de Portugal. Reparo que há pouco movimento de clientes na zona onde está inserido. Os restaurantes em volta, com as esplanadas a desafiar o apetite dos poucos transeuntes, estão vazios. Os funcionários, olhando quem passa como se pedissem ajuda para manter os seus postos de trabalho, parecem sentinelas de guarda a um posto vazio e sem sentido de estar de pé.
Sento-me na mesa à espera de ser atendido. Enquanto isso, aproveito para observar. Reparo que o gerente do pequeno restaurante está prestes a despejar alguma da frustração que o consome numa nova empregada, mais que certo ter entrado ao serviço por estes dias. É uma mulher com cerca de meio século –mas apenas verificamos este facto depois de um exame atento. Aparentemente parece ter cerca de trinta anos. Tem os cabelos oxigenados, rosto miúdo, olhos vivos e emoldurados com uns óculos de executiva, imbricado num corpo de boneca e uma vincada personalidade assente numa experiência empírica. O dono da casa saiu disparado na sua direção. Apesar de ir a mais de cem à hora, ainda deu para ouvir as suas palavras carregadas de azedume, em ensaio de ralhete atirou as palavras como se brandisse um chicote: “então a menina não leva a conta ao cliente? Está tirada desde que a pediu!”. A mulher, como ave acossada, ainda experimentou uma reação brusca mas, provavelmente e especulando, ter-se-ia lembrado dos seus filhos com fome, da prestação da casa por pagar e do marido desempregado, olhou para ele com olhar furibundo, encheu o peito de ar, acabou a encolher os ombros e não deu troco. Mas o homem precisava de alguém que desse luta para largar o rancor que consumia as suas entranhas, alguém que lhe servisse de vazadouro para arcar com o desapontamento de ter votado no partido do Governo, no desânimo de ter um país miserável e gramar uma política de terra queimada, onde os novos se tornaram velhos por não terem utilidade e os velhos, como cacos sem glória, não passam de memórias de um passado pouco edificante. Virou-se para outra colega, ainda nova, e tratou de barafustar nem sei o quê. A rapariga afastou-se, levou a mão aos olhos, como se tentasse evitar mostrar fragilidade perante o agressor e conter uma lágrima intempestiva, não viesse o pingo lacrimejante romper o acordo existente consigo mesma tantas vezes martelado em noites de grande insónia. Como também ela não ofereceu resistência o homem veio para dentro a tartamudear uma vaga de impropérios.
Segundo o semanário Expresso, em Elvas, para comemorar o 10 de Junho, Dia de Portugal, num continuado vazio nacionalista, onde a questão que se coloca é saber o que se comemora de facto, se é a manutenção de um Estado ou o fim de uma Nação, o Presidente da República, Cavaco Silva, rejeitou uma visão conflitual dos poderes presidenciais. Dizendo também “que o contributo do chefe do Estado deve ser dado pela "positiva" e rejeitou uma linha de atuação negativista e conflitual. Falando na cidade alentejana, “Cavaco abordou longamente o problema da agricultura nacional, precisamente para mostrar o lado positivo do país, rejeitando que a entrada de Portugal na CEE tenha representado o declínio da agricultura e do mundo rural.”
Não perguntei, quer ao dono do pequeno restaurante quer às funcionárias, se perceberam alguma coisa do que disse o Presidente da República. Será de supor que não. É que uns e outros vivem no mesmo país, mas em universos distintos. Uns são uns desgraçados, chafurdando na lama para sobreviver e fazendo do sofrimento uma força, outros, à custa de douradas reformas estatais, como Juno em nuvem alta, vivem em graça.
Haja pachorra, e uma elevada paciência divina, para aguentar esta situação de profunda indignidade.



REFLEXÃO: JESSICA, I LOVE YOU

 Na quinta-feira da semana passada, numa cerimónia presidida pelo secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Manuel Castro Almeida, e uma plateia de notáveis, na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, foi apresentada a Jessica. Está visto que, pelo nome, é uma mulher. Mas não é uma mulher qualquer. Especulo que, pelos olhares libidinosos dos presentes que vieram fotografados nos jornais, deve ter tudo o que outra qualquer não tem. E o mais importante é que, ao que parece, tem dinheiro a rodos. “Eurórios” para espalhar ao pobretão tão sequioso de amor mas muito mais de pilim. “Cinco milhões”, parecia dizer o secretário de Estado como pregoeiro de um leilão de vaidades de lantejoulas a brilhar na noite escura. E os eleitos, ali em representação do povo, bateram palmas. Ninguém se lembrou que esta mulher de prazeres imediatistas, a médio prazo, nos vai levar ao charco. Ou seja, para a tomarmos nos braços em prazeres suspirados dá-nos cinco milhões, mas para a mantermos, em casamento de cartório ou amante em união de fato, custa-nos 13 milhões. Mas o que importa isso? Se à sua custa até se vai construir um parque de estacionamento e uma residencial para estudantes? Claro que a dona Adelaide, a vender tremoços e pistachos na Praça 8 de Maio, interroga: “mas, almas de Deus, será que é mesmo preciso estoirar tanta massa, ainda por cima, num estacionamento –havendo tantos na Baixa e com excesso de oferta- e uma residencial para estudantes, quando já há até um projeto privado para esse fim? E a reabilitação dos imóveis particulares, senhores?”. Não se sabe por que meios, saída da Igreja de Santa Cruz uma voz rouca imaginariamente nossa conhecida, de um qualquer conquistador que batia na mãe, exclamou: “cala-te, velha, danada, que não sabes o que dizes! Fecha-me essa boca antes que leves um sopapo!”

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