(Foto de Leonardo Braga Pinheiro)
Depois
de muitas décadas a atender público, cheguei à conclusão que há
várias géneros de compradores. Nesta diversidade reside toda a riqueza
humana. Nem que fosse por uma vez, já todos comprámos ou
vendemos alguma coisa ao longo da nossa vida. Afinal, somos todos
compradores e vendedores.
Ora
veja lá onde se enquadra! Qual é o seu?
-O
DELICADINHO
- “Desculpe, por acaso terá este artigo? Tem? Ai que bom! Que
bom! Que bom! Que bom!” (acompanhado de um contorcionismo
gesticular)
-O
GENTIL
– Bom dia! (acompanhado de um sorriso rasgado) Procuro
este produto… creio que já vi aqui na loja. Por gentileza, tem?”
(assistido de um sorriso comedido)
-O
TROMBUDO
– Entra na loja como sombra passageira. Não diz nada. Não
responde ao cumprimento de saudação. Parece que todo o mundo lhe
deve dinheiro. Dá a volta ao espaço e sai mudo e calado da mesma
forma que entrou.
-
O ANTIPÁTICO
– Transpõe a porta do estabelecimento e, fazendo de
conta que quem está são estátuas de pedra, não abre a boca. Uma
das “esculturas” humanas atira: “bom dia, como está? Posso
ajudar?”
“Bdia”…
rmrmmr”, murmura qualquer coisa, que não se entende. Parece
ficar sempre maldisposto com a interrogação.
-
O AGRESSIVO
– Entrando na loja de cara martelada -do tipo Jerónimo de Sousa -,
não olha nos olhos nem sorri gratuitamente. Alguém da loja
cumprimenta e interroga: “Bom dia! Posso ajudar em alguma
coisa?”
Como
se fosse picado por um objecto pontiagudo, levanta a tromba e
pergunta com ar quezilento e desafiador: “Posso ver?? Posso ver??”
-e parece remoer qualquer coisa imperceptível entre dentes.
-
O DEPENDENTE
– Entra no espaço comercial a teclar no telemóvel. Saudações
não há. De repente, parecendo interessar-se por um objecto, faz uma
pergunta. Sem se importar com a resposta, continua a teclar e sai
sozinho/acompanhado pelo seu vício.
-
O NEFELIBATA
– Transpõe a porta a falar ao telemóvel. “blá, blá, blá!”.
Vai olhando, vai falando para dentro do aparelho de comunicação.
Sem uma palavra para quem estiver, parece caminhar nas nuvens, sai na
mesma forma que entrou.
-
O AÉREO
– Penetra no espaço comercial com fones nos ouvidos a ouvir
música. Saudações para quem está fica para a próxima. Como cão
rafeiro em vinha vindimada, sem uma palavra, sai no mesmo movimento
mecânico, entre o bailar mental e o isolamento social que o
caracteriza.
-
O
MODERNAÇO
– É entradote nos “entas” e tal. É simpático(a) e
cumprimenta com devoção. Salta a vista o seu Iphone última
geração. Perante um artigo mostra-se interessado. É para a filha…
ou se calhar para um neto. “Posso fotografar?”. Interroga. E
envia por e-mail. O seu portátil toca. “Gostas, amor?”,
interroga alguém. “Espera, vou mandar-te outra imagem!”.
E fotografa outra peça. E volta a repetir uma, duas, três. Recebe
outra vez uma chamada. “Não gostas, filha?!?”. E
despede-se com suavidade de algodão.
-
O OLX – As
rugas marcam presença num rosto escavado pelo tempo. É simpático
e adulador. Vê um preço, vê outro. Sem que esteja mandatado pelo
senhor omnipotente de todas as transacções internéticas, adverte: “este
produto que tem à venda está barato! Ainda ontem vi um igual no
OLX! Olhe este aqui, já está caro!”
-
O ASSOLAPADO – Primeiro faz uma visita à loja a ver
tudo e apalpando. Mais tarde telefona: “bom dia! Ontem estive aí
na loja, não sei se se recorda de mim… Estive a ver aquele artigo…
está a ver? Pode mandar-me uma foto por e-mail? Obrigado!”
-
O CARENTE
– Começa a ver a montra. Numa abstração notória, fixa-se num
qualquer objecto. É interpelado em cumprimento por alguém do
estabelecimento. Como se tivesse o saco cheio de memórias, começa a
despejar retalhos da sua vida. Termina com um “desculpe o tempo
que lhe roubei… Posso voltar? Sabe, não tenho ninguém com
quem conversar...”
-
O SAUDOSISTA –
É um amigo e uma visita regular. O que o move é a saudade de um
tempo que não voltará mais. Gosta de conversar. Tem uma percepção
apurada do que se passa à sua volta. Tem um certo remorso de não
ter aproveitado todas as oportunidades que a vida lhe concedeu.
-
O ESQUERDINO –
Olho vivo e pé ligeiro. Algo vaidoso e convencido. As suas
conversas, inevitavelmente, vão sempre dar ao vermelho carregado de Marx ou Mao. É
difícil entabular um diálogo aberto. A melhor solução é ouvir
sem ouvir, fazendo de conta que se está com muita atenção.
-
O DIREITISTA –
Senhor de grandes posses, dinheiro não é problema. Discute o preço
até à exaustão. Para ele não há almoços grátis, nem comoção
perante a fragilidade. É um jogador frio. Conservador até à
medula, é senhor de todos os santos de capelinha. “Esta sociedade
está podre!” enfatiza sem emoção. Para o contradizer o melhor é
ter cuidado. “Ai se o “António” (Salazar) pudesse vir cá!”,
explana com grande realce.
-
O LIBERAL – É
talvez de todos o mais respeitoso. Excessivamente emocional, tem o coração junto da boca, como sói dizer-se. Para ele o conceito “amigos,
amigos, negócios à parte” é um contrassenso. Há amigos que
estão acima de todas as coisas. A amizade é o sangue que religa os
humanos. É capaz dos maiores gestos altruístas, como por exemplo
comprar para ajudar alguém.
-
O COMPULSIVO –
Tentando disfarçar um ar deprimido, é contido no cumprimento.
Compra artigos para preencher o buraco negro da solidão que sente na
alma. Adquire bens, sobretudo, onde encontrar alguém que fale, que
saiba ouvir, que o/a elogie, que o/a apoie. Em suma, desesperadamente
procura pontas onde se possa agarrar.
-O
COLECCIONADOR – A sua vida roda em volta de uma
temática. Para obter uma coisa diferente pode percorrer o que for
preciso e pagar muito além do que devia. Há um vazio, uma carência
de afecto que o impele para a junção de objectos. Tudo radica lá
longe, num acontecimento marcante de infância.
O
SUPERSTICIOSO – Cheio de tiques gestuais, receoso do que
não conhece, procura objectos ligados à sorte e o azar. É de supor
que na casa onde habita não faltarão duas ferraduras invertidas.
Nunca faz compras em sexta-feira 13.
-O
DOGMÁTICO – Vive num mundo aparte, normalmente ligado
ao transcendente, professa uma religião em que se alimenta
espiritualmente. Sobretudo em livros, adquire tudo o que possa
complementar a sua crença ortodoxa. O mundo é descrito por si
sempre à imagem de Deus! O Pai é o núcleo da terra.
-O
GABAROLA – Compra este mundo e outro se for fiado. Tem
uma quinta na província, um monte no Alentejo, um prédio a render
em Lisboa. Está a pensar em abrir um restaurante em Londres.
-
O MEGALÓMANO –
Conta histórias mirabolantes. Acontece normalmente num quadro
feminino de patologia psiquiátrica. Compra em função de uma
situação gorada que a marcou para toda a vida. Por exemplo, um
filho que se perdeu e, por impossibilidade física não pode ser
substituído. Então, pode adquirir roupa de bebé que será arrumada
sem servir para nada. Outro exemplo: um casamento não consumado que
pode levar a adquirir vestidos de noiva para arrumar no guarda-fatos.
-O
CONINHAS -Outrora chamado de "xizinho" é o típico cliente de cuspo. Parecendo ter interesse em muitos artigos,
pergunta o preço de um, mexe, remexe e torna a mexer. Dá a volta a
muitos outros, pergunta outra vez qual o valor com a etiqueta à frente dos olhos e
coloca novamente no lugar. Toca em outro, mais outro e outro ainda, e repete a
pergunta sacramental: “quanto custa?”
Antes
de se dirigir para a saída, levanta mão e soletra: “hoje
estou sem tempo. Amanhã volto. Tem muitas coisas que me interessam!”
Claro que esse amanhã nunca chegará.
- O AJUNTADOR COMPULSIVO – Como uma criança, compra apenas pela novidade. No dia seguinte já esqueceu e em, repetido, pode voltar a adquirir outra peça igual. O que o move é o juntar coisas sem diferenciação e sem critério. Para além da compra pode associar bens que encontra abandonados na via pública. Tudo serve para levar para casa. Habitualmente são pessoas sozinhas. São conhecidas no campo médico como doentes que sofrem do síndroma de Diógenes.
Claro que esse amanhã nunca chegará.
- O AJUNTADOR COMPULSIVO – Como uma criança, compra apenas pela novidade. No dia seguinte já esqueceu e em, repetido, pode voltar a adquirir outra peça igual. O que o move é o juntar coisas sem diferenciação e sem critério. Para além da compra pode associar bens que encontra abandonados na via pública. Tudo serve para levar para casa. Habitualmente são pessoas sozinhas. São conhecidas no campo médico como doentes que sofrem do síndroma de Diógenes.
-
O CLEPTOMANÍACO – Embora fuja ao âmbito geral do
comprador, pode adquirir algo se este acto lhe servir para furtar
outro ou outros de maior valor.
Sem
diferença de classes sociais, pode ser abastado, remediado ou pobre.
A furtar é um(a) mestre(a) no disfarce. Sobretudo quando aparenta
pertencer à alta classe é difícil detectar. Quando apanhado em
flagrante desfaz-se em mil desculpas esfarrapadas.
-O
LADRÃO DE OCASIÃO – É o chamado cliente rasca. Quando
entra num estabelecimento o seu objectivo é desviar sem pagar.
Embora possa comprar algo para disfarce, o que o move é o furto.
Actua na subtileza da oportunidade. Rouba muitas vezes pela “pica”,
o correr numa vereda estreita que, pelo perigo, lhe proporciona o
mesmo prazer de um orgasmo.
Se
for ladrão para sustentar uma adição pode furtar para revender
depois.
- O CÁMÓNE – Como as andorinhas sempre vieram na Primavera e partiram no Outono. Porém, nos últimos anos por força da turistificação mundial, este turista comprador às vezes, para além de vir em massa tornou-se omnipresente o que nos obrigou a alterar o nossa saudação tradicional. Em vez de “bom dia, podemos ajudar?”, passámos a complementar a frase com: “fala português?”, o que transforma o acrescento em algo mesquinho e ridículo. Mas, para quem vende, para além da forma de comunicar ser essencial, pouco importa se o hipotético comprador é nativo do reino, português, ou natural da “Marronésia”. O que interessa é vender, que os tempos estão difíceis e, na maior percentagem dos casos, estes visitantes de mochila às costas só captam imagens sem pedir licença.
- O CÁMÓNE – Como as andorinhas sempre vieram na Primavera e partiram no Outono. Porém, nos últimos anos por força da turistificação mundial, este turista comprador às vezes, para além de vir em massa tornou-se omnipresente o que nos obrigou a alterar o nossa saudação tradicional. Em vez de “bom dia, podemos ajudar?”, passámos a complementar a frase com: “fala português?”, o que transforma o acrescento em algo mesquinho e ridículo. Mas, para quem vende, para além da forma de comunicar ser essencial, pouco importa se o hipotético comprador é nativo do reino, português, ou natural da “Marronésia”. O que interessa é vender, que os tempos estão difíceis e, na maior percentagem dos casos, estes visitantes de mochila às costas só captam imagens sem pedir licença.
1 comentário:
podia põr na sua pagina do facebook.Queria tanto partilhar!...
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