segunda-feira, 30 de julho de 2018

BAIXA: ENCERROU A TABACARIA ESPÍRITO SANTO







Conforme escrevi há 20 dias, ontem, Domingo, encerrou a Tabacaria Espírito Santo, no início da Rua Martins de Carvalho, ao lado do Café Santa Cruz. Uma família, reconhecidamente constituída por boas pessoas como o Jorge Martins e a esposa Madalena, as suas duas filhas -uma delas, a Rita acompanhado do namorado Diogo, estava mais presente no quiosque-, que desde há cerca de quatro décadas aqui foi organizada e acrescentada, vai deixar-nos. Ou, pelo menos, virão cá mas já sem o compromisso laboral e diário.
Embora este fecho tenha por motivação a saúde da Madalena, a “nossa Lena”, como é reconhecida no Centro Histórico, quero dizer que não há outra causa, a verdade é que vão deixar saudades – pelo menos para mim que, diariamente, percorria a distância que separava os dois estabelecimentos, o meu e o deles, para ir comprar o jornal. Fazer aquele curto passeio de cerca de oitenta metros, atravessando a Rua do Corvo e a Praça 8 de Maio, parar cinco minutos em frente a banca dos jornais e revistas a ler os títulos, pela contemplação, era como uma pequena carícia com bálsamo que afagava o meu espírito. É certo que mais acima, na Rua Ferreira Borges, há outro ponto de vendas de jornais, a Mimo & Companhia, e mais ao lado a Estrelinha da Sorte, na Rua da Sofia, mas, até me habituar, não é a mesma coisa.
Pode até dizer-se que estou a escrever lamechices, pequenos nadas, minudência de cará-cá-cá. São coisas vulgares, mas que enchem a nossa vida. São emoções que marcam a nossa vivência terrena e nos alimentam a alma.
Quem trabalha ou reside nesta área velha sabe sobre o que escrevo. É saudosismo? É! Sem duvida que é! Há medida que vemos partir as pessoas que nos acompanharam nas últimas décadas deixam-nos uma sensação de perda, de vazio. Ficam as lembranças, é certo, mas o progresso, no seu deambular apressado e assente numa informação massiva, tritura tudo o que é pequeno e depressa faz esquecer os homens e mulheres que, mesmo num acto egoísta, como é o comércio, contribuíram esforçadamente para o seu desenvolvimento. Se é verdade que neste meu humilde trabalho de bloguer tento preencher uma bairrista lacuna memorial, cada vez me convenço mais que deveria ser criado uma espécie de “passeio da fama”, onde, pelo seu percurso de vida, a cada um deveria ser atribuída uma estrela e a sua história deveria ficar registada num anal municipal.
Sem pretender entrar em grandes análises de laurel, as homenagens públicas assentam numa lógica discricionária, mas tendo sempre em conta o passado partidário, a clubite e a profissão artística. Para os artesãos, homens humildes do povo que, pela sua simplicidade, são o sustentáculo dos centros habitacionais, seja em vida ou na morte, praticamente não há espaço para tributos, não existe reconhecimento colectivo.
Afinal, se a cidade, tocando os nossos sentidos naquilo que é mais peculiar, é composta por cheiros, rituais, práticas ou regras sociais, tradições, transmissão de costumes, cromos que carregam a tipicidade, (rostos nossos (des)conhecidos que, por vezes, nem sabemos o seu nome), a sua essência, a sua alma, são as pessoas. À medida que, por isto ou por aquilo, se vão, toda a nossa rede de conhecimentos em que assenta a nossa colectividade vai ficando mais empobrecida. É a nossa sabedoria que fica cada vez mais limitada. Considerando que a filosofia, como fonte a jorrar ideias, ainda que possa germinar em isolamento de abstracção, se desenvolve, sobretudo, com a leitura e com o contacto pessoal.
Desde Janeiro, último, é o 23º fecho de casa comercial nesta zona velha.
Para o Jorge Martins e família muita saúde e paz. Em meu nome e da Baixa, se posso escrever assim, uma grande salva de palmas.

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