Conforme
escrevi há 20 dias, ontem, Domingo, encerrou a Tabacaria Espírito
Santo, no início da Rua Martins de Carvalho, ao lado do Café Santa
Cruz. Uma família, reconhecidamente constituída por boas pessoas
como o Jorge Martins e a esposa Madalena, as suas duas filhas -uma delas, a Rita acompanhado do namorado Diogo, estava mais presente no quiosque-, que desde há cerca de quatro décadas aqui foi organizada e
acrescentada, vai deixar-nos. Ou, pelo menos, virão cá mas já sem
o compromisso laboral e diário.
Embora
este fecho tenha por motivação a saúde da Madalena, a “nossa
Lena”, como é reconhecida no Centro Histórico, quero dizer que
não há outra causa, a verdade é que vão deixar saudades – pelo
menos para mim que, diariamente, percorria a distância que separava os dois estabelecimentos, o meu e o deles, para ir comprar o jornal.
Fazer aquele curto passeio de cerca de oitenta metros, atravessando a
Rua do Corvo e a Praça 8 de Maio, parar cinco minutos em frente a
banca dos jornais e revistas a ler os títulos, pela contemplação,
era como uma pequena carícia com bálsamo que afagava o meu
espírito. É certo que mais acima, na Rua Ferreira Borges, há outro ponto de vendas de
jornais, a Mimo & Companhia, e mais ao lado a Estrelinha da Sorte, na Rua da Sofia, mas, até me habituar, não é a
mesma coisa.
Pode
até dizer-se que estou a escrever lamechices, pequenos nadas,
minudência de cará-cá-cá. São coisas vulgares, mas que
enchem a nossa vida. São emoções que marcam a nossa vivência
terrena e nos alimentam a alma.
Quem
trabalha ou reside nesta área velha sabe sobre o que escrevo. É
saudosismo? É! Sem duvida que é! Há medida que vemos partir as
pessoas que nos acompanharam nas últimas décadas deixam-nos uma
sensação de perda, de vazio. Ficam as lembranças, é certo, mas o
progresso, no seu deambular apressado e assente numa informação
massiva, tritura tudo o que é pequeno e depressa faz esquecer os
homens e mulheres que, mesmo num acto egoísta, como é o comércio,
contribuíram esforçadamente para o seu desenvolvimento. Se
é verdade que neste meu humilde trabalho de bloguer tento
preencher uma bairrista lacuna memorial, cada vez me convenço mais
que deveria ser criado uma espécie de “passeio da fama”,
onde, pelo seu percurso de vida, a cada um deveria ser atribuída uma
estrela e a sua história deveria ficar registada num anal municipal.
Sem
pretender entrar em grandes análises de laurel, as homenagens
públicas assentam numa lógica discricionária, mas tendo sempre em
conta o passado partidário, a clubite e a profissão
artística. Para os artesãos, homens humildes do povo que, pela sua
simplicidade, são o sustentáculo dos centros habitacionais, seja em
vida ou na morte, praticamente não há espaço para tributos, não
existe reconhecimento colectivo.
Afinal,
se a cidade, tocando os nossos sentidos naquilo que é mais peculiar,
é composta por cheiros, rituais, práticas ou regras sociais,
tradições, transmissão de costumes, cromos que carregam a
tipicidade, (rostos nossos (des)conhecidos que, por vezes, nem
sabemos o seu nome), a sua essência, a sua alma, são as pessoas. À
medida que, por isto ou por aquilo, se vão, toda a nossa rede de
conhecimentos em que assenta a nossa colectividade vai ficando mais
empobrecida. É a nossa sabedoria que fica cada vez mais limitada.
Considerando que a filosofia, como fonte a jorrar ideias, ainda que
possa germinar em isolamento de abstracção, se desenvolve,
sobretudo, com a leitura e com o contacto pessoal.
Desde
Janeiro, último, é o 23º fecho de casa comercial nesta zona velha.
Para
o Jorge Martins e família muita saúde e paz. Em meu nome e da
Baixa, se posso escrever assim, uma grande salva de palmas.
Sem comentários:
Enviar um comentário