Desde
cerca das 06h00 da madrugada de hoje que o “Pelé”, um
figurante que deambula habitualmente embriagado pela Baixa, morador
na zona de Tovim, distribuiu gratuitamente pelas ruas estreitas
gritos embrulhados em impropérios e com laçarote de vernáculo puro
e duro dos campos.
Por
volta das 07h00 abasteceu-se num estabelecimento de um pacote de
tinto e batatas fritas para fazer frente à manhã, que, pelo sim,
pelo não, podia apresentar-se tórrida.
Apesar
do “Pelé” ser de constituição rechonchuda, o esforço
físico durante a alvorada tinha sido demasiado e, diz-nos a
sociologia, até os grandes são vencidos pela fadiga. Vai daí o
nosso homem, sentando-se numa esplanada no Largo do Poço, de pés
sujos e com chinelos de enfiar no dedo, camisola com manchas de vinho
a mostrar uma barriga desenvolvida, adormeceu na liturgia dos justos
durante cerca de duas horas. Mas como é normal há sempre um
invejoso que não pode ver um anjo dormir e foi o que
aconteceu. Sabendo-se que nunca se deve acordar um sonâmbulo pelas
consequências imprevisíveis, ali não se tomou atenção à
sabedoria popular. Resultado: o “Péle”, sentindo-se
violentado no seu legítimo descanso, acordou sobressaltado e, como
touro enraivecido, lá mandou uma mesa e umas cadeiras pelo ar. Coisa
pouca, está de ver! Somente um agitar na brisa ligeira de uma rotina
diária numa zona pacata. Mas estava dado o mote para a entropia,
desordem de um sistema, e alguém chamou a PSP e o INEM.
Veio
uma ambulância com dois para-médicos e vieram dois agentes, ainda
jovens, pacientes, compreensivos com a má disposição de alguém
que tinha sido importunado no seu repouso, e, especula-se, sobretudo
preocupados com a necessidade última de empregar a força física
-já que que na moldura humana que se formou à volta poderia estar
algum membro da Amnistia Internacional ou, sei lá, um simpatizante
do Bloco de Esquerda e estava o caldo entornado. Para além de
poderem ser acusados de alcoolfobia,
ainda poderiam ser indiciados por violência social contra um pobre e
inocente ébrio.
Durante
cerca de meia-hora, entre os agentes e a pipa ambulante, foram
encetadas negociações ao mais alto nível. O diálogo era
cativante. Enquanto os agentes tentavam convencer o bêbado a mudar
de assento, da cadeira para a maca do INEM e para o conduzirem ao
hospital, este mandava-os para o “caralho” e que se fossem
“foder” que ele só ia se quisesse.
E
nem alguns amigos próximos do barril conseguiam fazê-lo mudar de
ideias. O homem estava bem ciente dos seus direitos de cidadania e,
apesar do elevado grau etílico, parecia aperceber-se das
fragilidades dos cívicos. Ou seja, que ser-se agente policial hoje
não é fácil. Apertados entre um poder político sem direcção, ancorado em ondas que se dividem entre lixar o mexilhão ou a rocha no que toca à segurança interna, entre, alguns,
juízes de tribunais que agem corporativamente e uma colectividade
que só gosta da polícia quando é para resolver questões que lhe diga respeito, adivinha-se para onde caminha a deriva.
Mas
como todas as histórias têm sempre um final, às vezes feliz, esta
correu pelo melhor. Sem ser preciso chamar mais agentes do corpo de
intervenção e mais uma ambulância,
o
“Pelé”, como grande campeão que se preze, esteve à
altura das circunstâncias e só não levou com uma estrondosa salva
de palmas do público porque o ruído poderia acordar os pombos nos
beirais em redor que, como se calcula, passaram uma noite em
sobressalto. Coitadinhos dos animais!
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