terça-feira, 24 de julho de 2018

BAIXA: O NOSSO “PELÉ” FEZ BANZÉ






Desde cerca das 06h00 da madrugada de hoje que o “Pelé”, um figurante que deambula habitualmente embriagado pela Baixa, morador na zona de Tovim, distribuiu gratuitamente pelas ruas estreitas gritos embrulhados em impropérios e com laçarote de vernáculo puro e duro dos campos.
Por volta das 07h00 abasteceu-se num estabelecimento de um pacote de tinto e batatas fritas para fazer frente à manhã, que, pelo sim, pelo não, podia apresentar-se tórrida.
Apesar do “Pelé” ser de constituição rechonchuda, o esforço físico durante a alvorada tinha sido demasiado e, diz-nos a sociologia, até os grandes são vencidos pela fadiga. Vai daí o nosso homem, sentando-se numa esplanada no Largo do Poço, de pés sujos e com chinelos de enfiar no dedo, camisola com manchas de vinho a mostrar uma barriga desenvolvida, adormeceu na liturgia dos justos durante cerca de duas horas. Mas como é normal há sempre um invejoso que não pode ver um anjo dormir e foi o que aconteceu. Sabendo-se que nunca se deve acordar um sonâmbulo pelas consequências imprevisíveis, ali não se tomou atenção à sabedoria popular. Resultado: o “Péle”, sentindo-se violentado no seu legítimo descanso, acordou sobressaltado e, como touro enraivecido, lá mandou uma mesa e umas cadeiras pelo ar. Coisa pouca, está de ver! Somente um agitar na brisa ligeira de uma rotina diária numa zona pacata. Mas estava dado o mote para a entropia, desordem de um sistema, e alguém chamou a PSP e o INEM.
Veio uma ambulância com dois para-médicos e vieram dois agentes, ainda jovens, pacientes, compreensivos com a má disposição de alguém que tinha sido importunado no seu repouso, e, especula-se, sobretudo preocupados com a necessidade última de empregar a força física -já que que na moldura humana que se formou à volta poderia estar algum membro da Amnistia Internacional ou, sei lá, um simpatizante do Bloco de Esquerda e estava o caldo entornado. Para além de poderem ser acusados de alcoolfobia, ainda poderiam ser indiciados por violência social contra um pobre e inocente ébrio.
Durante cerca de meia-hora, entre os agentes e a pipa ambulante, foram encetadas negociações ao mais alto nível. O diálogo era cativante. Enquanto os agentes tentavam convencer o bêbado a mudar de assento, da cadeira para a maca do INEM e para o conduzirem ao hospital, este mandava-os para o “caralho” e que se fossem “foder” que ele só ia se quisesse.
E nem alguns amigos próximos do barril conseguiam fazê-lo mudar de ideias. O homem estava bem ciente dos seus direitos de cidadania e, apesar do elevado grau etílico, parecia aperceber-se das fragilidades dos cívicos. Ou seja, que ser-se agente policial hoje não é fácil. Apertados entre um poder político sem direcção, ancorado em ondas que se dividem entre lixar o mexilhão ou a rocha no que toca à segurança interna, entre, alguns, juízes de tribunais que agem corporativamente e uma colectividade que só gosta da polícia quando é para resolver questões que lhe diga respeito, adivinha-se para onde caminha a deriva.
Mas como todas as histórias têm sempre um final, às vezes feliz, esta correu pelo melhor. Sem ser preciso chamar mais agentes do corpo de intervenção e mais uma ambulância, o “Pelé”, como grande campeão que se preze, esteve à altura das circunstâncias e só não levou com uma estrondosa salva de palmas do público porque o ruído poderia acordar os pombos nos beirais em redor que, como se calcula, passaram uma noite em sobressalto. Coitadinhos dos animais!

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