quinta-feira, 12 de julho de 2018

VÁRIOS GÉNEROS DE CLIENTES. QUAL É O SEU?

(Foto de Leonardo Braga Pinheiro)



Depois de muitas décadas a atender público, cheguei à conclusão que há várias géneros de compradores. Nesta diversidade reside toda a riqueza humana. Nem que fosse por uma vez, já todos comprámos ou vendemos alguma coisa ao longo da nossa vida. Afinal, somos todos compradores e vendedores.
Ora veja lá onde se enquadra! Qual é o seu?


-O DELICADINHO - “Desculpe, por acaso terá este artigo? Tem? Ai que bom! Que bom! Que bom! Que bom!” (acompanhado de um contorcionismo gesticular)

-O GENTILBom dia! (acompanhado de um sorriso rasgado) Procuro este produto… creio que já vi aqui na loja. Por gentileza, tem?” (assistido de um sorriso comedido)

-O TROMBUDO – Entra na loja como sombra passageira. Não diz nada. Não responde ao cumprimento de saudação. Parece que todo o mundo lhe deve dinheiro. Dá a volta ao espaço e sai mudo e calado da mesma forma que entrou.

- O ANTIPÁTICO – Transpõe a porta do estabelecimento e, fazendo de conta que quem está são estátuas de pedra, não abre a boca. Uma das “esculturas” humanas atira: “bom dia, como está? Posso ajudar?
Bdia”… rmrmmr”, murmura qualquer coisa, que não se entende. Parece ficar sempre maldisposto com a interrogação.

- O AGRESSIVO – Entrando na loja de cara martelada -do tipo Jerónimo de Sousa -, não olha nos olhos nem sorri gratuitamente. Alguém da loja cumprimenta e interroga: “Bom dia! Posso ajudar em alguma coisa?
Como se fosse picado por um objecto pontiagudo, levanta a tromba e pergunta com ar quezilento e desafiador: “Posso ver?? Posso ver??” -e parece remoer qualquer coisa imperceptível entre dentes.

- O DEPENDENTE – Entra no espaço comercial a teclar no telemóvel. Saudações não há. De repente, parecendo interessar-se por um objecto, faz uma pergunta. Sem se importar com a resposta, continua a teclar e sai sozinho/acompanhado pelo seu vício.

- O NEFELIBATA – Transpõe a porta a falar ao telemóvel. “blá, blá, blá!”. Vai olhando, vai falando para dentro do aparelho de comunicação. Sem uma palavra para quem estiver, parece caminhar nas nuvens, sai na mesma forma que entrou.

- O AÉREO – Penetra no espaço comercial com fones nos ouvidos a ouvir música. Saudações para quem está fica para a próxima. Como cão rafeiro em vinha vindimada, sem uma palavra, sai no mesmo movimento mecânico, entre o bailar mental e o isolamento social que o caracteriza.

- O MODERNAÇO – É entradote nos “entas” e tal. É simpático(a) e cumprimenta com devoção. Salta a vista o seu Iphone última geração. Perante um artigo mostra-se interessado. É para a filha… ou se calhar para um neto. “Posso fotografar?”. Interroga. E envia por e-mail. O seu portátil toca. “Gostas, amor?”, interroga alguém. “Espera, vou mandar-te outra imagem!”. E fotografa outra peça. E volta a repetir uma, duas, três. Recebe outra vez uma chamada. “Não gostas, filha?!?”. E despede-se com suavidade de algodão.

- O OLX – As rugas marcam presença num rosto escavado pelo tempo. É simpático e adulador. Vê um preço, vê outro. Sem que esteja mandatado pelo senhor omnipotente de todas as transacções internéticas, adverte: “este produto que tem à venda está barato! Ainda ontem vi um igual no OLX! Olhe este aqui, já está caro!

- O ASSOLAPADO – Primeiro faz uma visita à loja a ver tudo e apalpando. Mais tarde telefona: “bom dia! Ontem estive aí na loja, não sei se se recorda de mim… Estive a ver aquele artigo… está a ver? Pode mandar-me uma foto por e-mail? Obrigado!

- O CARENTE – Começa a ver a montra. Numa abstração notória, fixa-se num qualquer objecto. É interpelado em cumprimento por alguém do estabelecimento. Como se tivesse o saco cheio de memórias, começa a despejar retalhos da sua vida. Termina com um “desculpe o tempo que lhe roubei… Posso voltar? Sabe, não tenho ninguém com quem conversar...”

- O SAUDOSISTA – É um amigo e uma visita regular. O que o move é a saudade de um tempo que não voltará mais. Gosta de conversar. Tem uma percepção apurada do que se passa à sua volta. Tem um certo remorso de não ter aproveitado todas as oportunidades que a vida lhe concedeu.

- O ESQUERDINO – Olho vivo e pé ligeiro. Algo vaidoso e convencido. As suas conversas, inevitavelmente, vão sempre dar ao vermelho carregado de Marx ou Mao. É difícil entabular um diálogo aberto. A melhor solução é ouvir sem ouvir, fazendo de conta que se está com muita atenção.

- O DIREITISTA – Senhor de grandes posses, dinheiro não é problema. Discute o preço até à exaustão. Para ele não há almoços grátis, nem comoção perante a fragilidade. É um jogador frio. Conservador até à medula, é senhor de todos os santos de capelinha. “Esta sociedade está podre!” enfatiza sem emoção. Para o contradizer o melhor é ter cuidado. “Ai se o “António” (Salazar) pudesse vir cá!”, explana com grande realce.

- O LIBERAL – É talvez de todos o mais respeitoso. Excessivamente emocional, tem o coração junto da boca, como sói dizer-se. Para ele o conceito “amigos, amigos, negócios à parte” é um contrassenso. Há amigos que estão acima de todas as coisas. A amizade é o sangue que religa os humanos. É capaz dos maiores gestos altruístas, como por exemplo comprar para ajudar alguém.

- O COMPULSIVO – Tentando disfarçar um ar deprimido, é contido no cumprimento. Compra artigos para preencher o buraco negro da solidão que sente na alma. Adquire bens, sobretudo, onde encontrar alguém que fale, que saiba ouvir, que o/a elogie, que o/a apoie. Em suma, desesperadamente procura pontas onde se possa agarrar.

-O COLECCIONADOR – A sua vida roda em volta de uma temática. Para obter uma coisa diferente pode percorrer o que for preciso e pagar muito além do que devia. Há um vazio, uma carência de afecto que o impele para a junção de objectos. Tudo radica lá longe, num acontecimento marcante de infância.

O SUPERSTICIOSO – Cheio de tiques gestuais, receoso do que não conhece, procura objectos ligados à sorte e o azar. É de supor que na casa onde habita não faltarão duas ferraduras invertidas. Nunca faz compras em sexta-feira 13.

-O DOGMÁTICO – Vive num mundo aparte, normalmente ligado ao transcendente, professa uma religião em que se alimenta espiritualmente. Sobretudo em livros, adquire tudo o que possa complementar a sua crença ortodoxa. O mundo é descrito por si sempre à imagem de Deus! O Pai é o núcleo da terra.

-O GABAROLA – Compra este mundo e outro se for fiado. Tem uma quinta na província, um monte no Alentejo, um prédio a render em Lisboa. Está a pensar em abrir um restaurante em Londres.

- O MEGALÓMANO – Conta histórias mirabolantes. Acontece normalmente num quadro feminino de patologia psiquiátrica. Compra em função de uma situação gorada que a marcou para toda a vida. Por exemplo, um filho que se perdeu e, por impossibilidade física não pode ser substituído. Então, pode adquirir roupa de bebé que será arrumada sem servir para nada. Outro exemplo: um casamento não consumado que pode levar a adquirir vestidos de noiva para arrumar no guarda-fatos.


-O CONINHAS -Outrora chamado de "xizinho" é o típico cliente de cuspo. Parecendo ter interesse em muitos artigos, pergunta o preço de um, mexe, remexe e torna a mexer. Dá a volta a muitos outros, pergunta outra vez qual o valor com a etiqueta à frente dos olhos e coloca novamente no lugar. Toca em outro, mais outro e outro ainda, e repete a pergunta sacramental: “quanto custa?
Antes de se dirigir para a saída, levanta mão e soletra: “hoje estou sem tempo. Amanhã volto. Tem muitas coisas que me interessam!
Claro que esse amanhã nunca chegará.

- O AJUNTADOR COMPULSIVO – Como uma criança, compra apenas pela novidade. No dia seguinte já esqueceu e em, repetido, pode voltar a adquirir outra peça igual. O que o move é o juntar coisas sem diferenciação e sem critério. Para além da compra pode associar bens que encontra abandonados na via pública. Tudo serve para levar para casa. Habitualmente são pessoas sozinhas. São conhecidas no campo médico como doentes que sofrem do síndroma de Diógenes.


- O CLEPTOMANÍACO – Embora fuja ao âmbito geral do comprador, pode adquirir algo se este acto lhe servir para furtar outro ou outros de maior valor.
Sem diferença de classes sociais, pode ser abastado, remediado ou pobre. A furtar é um(a) mestre(a) no disfarce. Sobretudo quando aparenta pertencer à alta classe é difícil detectar. Quando apanhado em flagrante desfaz-se em mil desculpas esfarrapadas.


-O LADRÃO DE OCASIÃO – É o chamado cliente rasca. Quando entra num estabelecimento o seu objectivo é desviar sem pagar. Embora possa comprar algo para disfarce, o que o move é o furto. Actua na subtileza da oportunidade. Rouba muitas vezes pela “pica”, o correr numa vereda estreita que, pelo perigo, lhe proporciona o mesmo prazer de um orgasmo.
Se for ladrão para sustentar uma adição pode furtar para revender depois.

- O CÁMÓNE – Como as andorinhas sempre vieram na Primavera e partiram no Outono. Porém, nos últimos anos por força da turistificação mundial, este turista comprador às vezes, para além de vir em massa tornou-se omnipresente o que nos obrigou a alterar o nossa saudação tradicional. Em vez de “bom dia, podemos ajudar?”, passámos a complementar a frase com: “fala português?”, o que transforma o acrescento em algo mesquinho e ridículo. Mas, para quem vende, para além da forma de comunicar ser essencial, pouco importa se o hipotético comprador é nativo do reino, português, ou natural da “Marronésia”. O que interessa é vender, que os tempos estão difíceis e, na maior percentagem dos casos, estes visitantes de mochila às costas só captam imagens sem pedir licença.

1 comentário:

Anónimo disse...

podia põr na sua pagina do facebook.Queria tanto partilhar!...