sábado, 31 de dezembro de 2011

A LENA, DO "ESPÍRITO SANTO"



 Na maioria dos casos, num acto simples e corriqueiro como é o de comprar um jornal, achamos que o facto de pagarmos o serviço logo ali acaba a nossa ligação com o prestador. De um modo insensível e egoísta, quase sempre pensamos que aquela pessoa, a troco de uma moeda, está ali para nos servir e nem um sorriso de simpatia nos merece. Como se as relações económicas –no aforismo, “amigos, amigos, negócios à parte”- estivessem separadas das pessoais; como se, como teias entrelaçadas, não imbricassem umas nas outras; como se, neste mundo de trocas indirectas, quem nos fornece o bem fosse uma espécie de máquina de Multibanco, sem sentimentos, sem afectos.
Veio-me à ideia escrever esta introdução, a propósito, ao lembrar-me da Lena, do quiosque Espírito Santo, ali mesmo ao lado do Café Santa Cruz. Esta mulher, esposa do Jorge, mãe de duas simpáticas raparigas, trabalha muito. Durante o ano contam-se os dias que encerra a sua pequena tabacaria. Desde as 7 até às 21 horas, diariamente, é vê-la sempre ali, como sentinela perfilada, com uma vontade férrea de servir os seus clientes. Neste “serviço público” diário há uma transcendência que foge à lógica comercial. Ou seja, neste “servir” da família “Espírito Santo”, como ligação siamesa entre homem e cidade, existe um cordão umbilical que os liga. São pessoas como a Lena, e toda a sua família, que, nos seus gestos simples, humanizam os centros urbanos.
Quando lá for comprar o jornal atente um pouco nas rosáceas cinzento-escuro em torno dos seus olhos. É cansaço. Muito cansaço. Seja simpático com esta Lena, com muitas outras Lenas. Elas são heroínas esquecidas no meio da selva das nossas preocupações. O que seria a cidade sem elas? Individualmente, o que seríamos sem elas?
Uma grande salva de palmas para a Lena do quiosque Espírito Santo!


Há certas pessoas na cidade
que nunca deveriam morrer,
são símbolos de antiguidade,
luzes brilhantes no anoitecer,
património da humanidade,
dão-nos força para viver;

Passamos por elas uma vida,
achamos que sempre ali estiveram,
são marcos numa praça esquecida,
em gestos simples nos acolheram,
semáforos tricolores numa avenida,
nunca um sorriso nos mereceram;

Até que um dia, uma tarde qualquer,
por ali passamos novamente,
sentimos o nosso coração encolher,
falta uma peça naquele ambiente,
é como um luar de Agosto a chover,
uma tristeza nos invade docemente;

Só então damos conta da ingratidão,
de tanta injustiça que cometemos,
é bem certo que foi por distracção,
mas, repare-se, não desvalorizemos,
agora é preciso tomar mais atenção,
é uma pessoa com alma… olhemos!

1 comentário:

Anónimo disse...

Como acontece amiude,ao ler posts seus acabo por ir parar a cronicas publicadas á algum tempo atrás.Como é o caso desta publicação já com dois anos acerca desta sra. mas com maior alcance,e quem me conhece sabe o que eu penso acerca de generalizções e suposições sobre pessoas que não se conhecem.Como posso ter opinião formada sobre alguém se nunca falei com ela,ou se falei foram cinco minutos ou menos,ou digo-lhe bom dia quando me cruzo com ela?
Tenhgo uma profissão em que contacto directamente com o publíco,como a sra.Lena.Publico esse que é uma amostra fiel do povo português,portanto posso com a devida margem de erro chegar a algumas conclusões e tirar as minhas ilacções sobre os mais variados assuntos.Refiro que sou motorista de táxi(tenho a certeza que,se alguém estiver a perder tempo a lêr este comentário,está a pensar «estes táxistas são todos iguais» ou «têm a mania!»).
Todo este palavreado em jeito de introdução para quê?Para dizer como eu me revejo na Sra.Lena.Quantas vezes entram no meu táxi e não me dizem boa noite?Julgando(vê a generalizaçã?)que sou uma máquina,um apêndice da viatura,ao qual se diz o destino e pronto,automaticamente ele faz o trajecto,efectua-se o pagamento e bate-se com a porta com a maior força possivel.
A maioria dos clientes julga que o motorista entrou ao serviço apenas para o servir.Não pensa que provavelmente já está a trabalhar á 10,11 horas seguidas,que nestas horas todas fez meia duzia de serviços e tem ganhos seis ou sete euros(refira-se que o motorista ganha uma percentagem sobre o valor total,não tem qualquer salário-base),que se calhar acabou de apanhar uma coima por estacionar em cima de um passeio para facilitar a saida de um cliente idoso e não atrapalhar o trânsito na rua da sofia á entrada da ordem terceira(juro que é verdade!).E poderia continuar,mas o que interessa ao cliente ntudo isto?O que lhe interessa é chegar ao destino o mais rápido possivel,sair do táxi porque os táxistas são TODOS uns ladrões e uns antipáticos,não é verdade?
Para concluir,custa muito dizer «bom dia» e «por favor»? Custa muito olhar nos olhos do motorista?(sim é verdade muitas vezes nem para nós olham)Custa algo desejar um «resto de bom dia»?E já agora não generalizar,somos todos motoristas mas somos todos diferentes,não somos «todos iguais»,«todos antipáticos» ,etc etc
Abraço Marco
Já agora,Sra.Lena vamos dar nós um sorriso a estes clientes que «são todos iguais»,não é verdade?