II ACTO
A
pequena sala do União Popular e Cultural de Chelo, como a colaborar
no evento, parecia ter crescido em espaço. Estava cheiinha que nem
ovo. Pensado por gente simples do povo, desenrolava-se o segundo acto
de uma cerimónia de homenagem para um homem comum que, pelas suas
qualidades solidárias, transcendera essa normalidade. Como é
costume em todos os ritos de culto condecorativo, é normal o
exagero, o mito ultrapassar em muito a realidade. Mas, mesmo
apontando esta premissa e descontando algum excesso que possa
existir, a verdade é que, neste caso em apreço, sobra muito para
não levarmos em conta o que é narrado pela voz da população.
Um
suculento jantar, acompanhado de um vinho de grande qualidade, iria
servir de almofada para os discursos elogiosos que se iriam seguir.
Nas paredes da vetusta colectividade, expostos solenemente em
fotografia, a cerca de uma dezena de presidentes já desaparecidos
seguiam atentamente o rebuliço que estava acontecer na pacata
associação.
Depois
de cerca de 180 pessoas estarem acomodadas, muito juntas e sem espaço
para usar garfo e faca, Amável Ferreira, o presidente do rancho
típico de Chelo, abriu as vozes do segundo acto: “podem
queixar-se de tudo, da comida, do estar apertado, mas ninguém se
queixe de estar aqui pela homenagem ao “Manel”! Muitos mais
quiseram estar presentes mas não foi possível! Por não haver
lugares, a organização teve de abdicar de estar sentada à mesa!
Resistam à queixa e dêem as mãos porque esta é uma noite muito
especial!”
Pensando
que mais ninguém da classe comercial se lembraria já do “Manel
do Infinito”,
numa espécie de representação da Baixa de Coimbra, eu e o
Francisco Veiga, das Modas Veiga, acompanhados das esposas, fizemos questão de marcar
presença em tão nobre iniciativa promovida pelas gentes agradecidas
de Chelo. Para nossa alegria e completa surpresa compareceram também
o Taipio, o chinês mais conhecido do nosso bairro, o Marques, da Aba
Larga, e o César Branquinho, um comerciante já aposentado destas
lides de comerciar.
Por
entre a assistência, desde o início da comemoração, podiam ver-se
Humberto Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, e
Pedro Coimbra, deputado do PS à Assembleia da República pelo
círculo de Coimbra -que chegou mais tarde.
Depois
de uma saborosa sopa da pedra, a fazer lembrar a sopa da nossa avó,
uma chanfana deliciosa, e umas sobremesas de comer e chorar por mais,
entrou em cena o bolo de aniversário oferecido pela filha, Rute
Ribeiro. E numa portentosa exaltação, cantaram-se os parabéns de
pé aos 79 anos de vida do “Manel
do Eldorado”.
E
COMEÇARAM OS DISCURSOS
Amável
Ferreira, presidente do Rancho Folclórico “As Paliteiras de
Chelo”, agradecendo a presença de todos, foi dizendo: “em
1982 eram precisos 300 contos -1500 euros hoje- para construir o novo
pavilhão polidesportivo. Fomos ter com o “Manel”! E ele disse:
“não é por isso que as pessoas não terão onde treinar!
Os jovens iam para a tropa, precisavam de umas calças, iam à loja, pediam e traziam.
Um dia vinha o “Manel” para casa e, no caminho, encontrou um menino descalço. Tirou os seus sapatos e entregou-os ao petiz. Quando chegou a casa a mãe, a “Ti” Matilde, deu-lhe cabo da cabeça.
Os jovens iam para a tropa, precisavam de umas calças, iam à loja, pediam e traziam.
Um dia vinha o “Manel” para casa e, no caminho, encontrou um menino descalço. Tirou os seus sapatos e entregou-os ao petiz. Quando chegou a casa a mãe, a “Ti” Matilde, deu-lhe cabo da cabeça.
Hoje
é o “Manel” que está aqui. Depois de estar muito doente no
hospital, depois de um AVC, Acidente Vascular Cerebral, chegámos a
pensar ser tarde de mais.”
A
seguir foi o engenheiro Ralha, primo do galardoado, que tomou a
palavra: “O
“Manel” fez parte da Comissão Administrativa da Câmara
Municipal de Penacova logo após o 25 de Abril de 1974.”
Seguidamente
usou da palavra um articulista tão parecido comigo que, iria jurar,
parecia mesmo eu. Disse o seguinte: Como não podia deixar de ser, a
Baixa tem de estar aqui representada nesta homenagem. E passou a ler
uma missiva e um poema:
HOMENAGEM
A MANUEL RIBEIRO
Decorria
o ano de 1969 quando Manuel Ribeiro, através de um pequeno
empréstimo, e juntamente com um sócio, deu à luz a sociedade Diniz
& Ribeiro, L.ª. Nascia o Eldorado na Rua Eduardo Coelho.
Logo nos
primeiros tempos de existência esta casa, porque rompia com um
situacionismo existente na cidade, passou a ser uma catedral de moda
em Coimbra. Quando noutras cidades do país os comerciantes viajavam
ao estrangeiro para apreender tendências, aqui visitavam o Eldorado
e ficavam a saber o que se iria usar durante a próxima estação.
O
homem que se homenageia hoje, o Manuel Ribeiro, carinhosamente
tratado por “Manel do Eldorado” ou “Manel do Infinito”, é e
será para sempre recordado na Baixa como um grande comandante que
liderou as tropas de um comércio pujante noutros tempos e hoje,
infelizmente, em completa desagregação.
Afirma
o nosso consagrado que Coimbra foi sempre uma cidade cinzenta,
dividida entre o castanho, azul e o preto. E de facto assim é,
autores como Trindade Coelho no “In Illo Tempore”,
escrito há mais de um século, transmite-nos esse petrificado e
formatação nos costumes. Por isso mesmo, o nosso amigo Ribeiro
andou sempre à frente e durante mais de três décadas liderou a
moda em Coimbra. Este “ganda maluco”, como se auto-define, sem
medo de nada, nem de alguém, passou a vida a afrontar o poder
instituído.
Enquanto
trabalhadores do comércio na Baixa, por um lado, é com desânimo
que constatamos que homens de “H” grande como o “Manel” fazem
muita falta na classe dos mercadores, por outro, é com grande
alegria que estamos aqui, juntando-nos aos muitos amigos que tomaram
esta feliz iniciativa, e verificamos que o Ribeiro, cheio de garra em
viver, continua igual a si mesmo!
O
“Manel” é como um ribeiro
que nasce
nos confins da serra,
desliza
humildemente no sendeiro,
cortando o
pó árido, abre sulcos na terra,
por onde
passa deixa marca no arneiro,
depois da
sua passagem tudo se descerra,
garboso,
gera invejas, mas é um guerreiro,
só
quando, cansado, pousando a espada, aterra.
O
“Manel” é como um eldorado,
um ponto
sumido no meio do deserto,
aquela
nota musical perdida num bailado,
a Lua
Cheia em Agosto, o futuro entreaberto
o cantar
do pássaro, a erva verde de um prado,
o irmão,
o protector, o camarada, o amigo certo,
a
espiritualidade da alma, o sacramento, o fado,
a
esperança de liberdade vivida pelo liberto.
O
“Manel” é como o infinito,
o
acreditar no amanhã, a força de um olhar,
andorinha
regressada na primavera, o mito,
o cantar
do grilo no campo, o Sol a brilhar,
a
revolução contra o marasmo, o manguito,
a paz no
mundo, o silêncio de um luar,
a espada
que corta a intolerância, o grito,
uma
estrela no universo sempre a brilhar.
(Fim do
segundo acto -artigo em continuação)
TEXTO RELACCIONADO
"O homem que já foi Infinto, Eldorado e agora é um Ribeiro" (1)
"O homem que já foi Infinito, Eldorado e agora é um Ribeiro" (3)
TEXTO RELACCIONADO
"O homem que já foi Infinto, Eldorado e agora é um Ribeiro" (1)
"O homem que já foi Infinito, Eldorado e agora é um Ribeiro" (3)
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