Numa
organização “ad
hoc”, para esta
finalidade, por parte dos seus conterrâneos, no próximo Sábado,
vai realizar-se “uma merecida homenagem”
a Manuel Ribeiro, que também comemora mais um aniversário, em
Chelo, Penacova, aldeia-natal do agraciado.
Num
jantar em
que as inscrições superaram as expectativas e já se encontram
esgotadas, a cerimónia irá começar pelas 20h00 e prolongar-se-á
até às tantas da noitada. Os muitos amigos do homem que mexeu com a
Baixa durante mais de vinte anos, confraternizando, vão recordar o
“ganda maluco”
que foi o Manuel Ribeiro, mais conhecido como o “Manel do
Eldorado” ou “Manel do Infinito”.
Só
para ilustrar a importância comercial que o Eldorado teve nas
pessoas que por aqui viviam, trabalhavam ou visitavam Coimbra,
lembro-me de, por volta de 1974, o Manel ter lançado uma moda que,
direi, teria vendido milhares de peças a adolescentes. Tratava-se de
um fato de ganga, casaco sem forro, calça à boca-de-sino, e
justinho ao corpo. Lembro-me bem, comprei um destes conjuntos. Tinha
eu então 18 anos. Sei que o fui estrear no Clube das Almas de
Freire, o Alma Lusitana. Foi tal o êxito da vestimenta que arranjei lá uma
namorada.
Numa
crónica que escrevi em 2012, nem que seja para fazer comparações
entre a Baixa de antanho e a Baixa dos nossos dias, vale a pena
recordar a história do Manuel Ribeiro:
O
ELDORADO DA NOSSA RECORDAÇÃO
Decorria
o ano de 1969 quando Manuel Ribeiro, através de um pequeno
empréstimo, e juntamente com um sócio, deu à luz a sociedade Diniz
& Ribeiro, L.ª. Nascia o Eldorado na Rua Eduardo Coelho.
Logo
nos primeiros tempos de existência esta casa, porque rompia com um
situacionismo existente na cidade, passou a ser uma catedral de moda
em Coimbra. Quando noutras cidades do país os comerciantes viajavam
ao estrangeiro para trazerem novidades, aqui, pelo vanguardista
“Manel”, visitavam o Eldorado e ficavam a saber o que se
iria usar durante a próxima estação. “Coimbra foi sempre uma
cidade cinzenta, dividida entre o castanho azul e preto”,
enfatiza Manuel Ribeiro. “Sempre andei muito à frente. Eu tinha
uma grande intuição para as cores. Apesar de frequentemente visitar
as feiras de Paris, Versailhes, Florença e Colónia, era eu que
lançava a moda na cidade. Logo ali, no inicio da década de 1970
–tinha então 30 anos-, e apesar de haver pouco poder de compra,
a minha loja foi um êxito tremendo. Tudo se vendia. Eu era um
“ganda” maluco . Gostava de afrontar. Um dia fui a Paris e
comprei lá um poster grande que colei na montra. Para além de ter a
imagem de um campo de concentração com arame farpado, detinha a
frase: “Liberdade para os presos políticos”. De outra vez mandei
cortar um tronco e enterrei-lhe na madeira um machado, e colei-lhe a
frase: “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. Toda a
gente veio ver. Todos me interrogavam se eu já tinha sido visitado
pela PIDE.
Num
sábado, à tarde, de 1973, fui alertado de que o Eldorado estava a
arder. Apesar do pronto auxílio dos bombeiros, só se salvou a sala
da costura e o escritório. Como tinha seguro, pagaram-me tudo.
Lembro-me perfeitamente do perito. Era um homem já velhote e de
chapéu. Apenas me perguntou se eu tinha letras protestadas e se a
”escrita” tinha ardido. Como neguei, a seguir perguntou-me quanto
tinha feito nesse sábado de manhã. Respondi: 97 contos. Passado uns
dias tinha um cheque de 2400 contos. Mesmo assim fiquei em maus
lençóis. Tínhamos 5 empregados.
Quem
me ajudou foi o Fausto Correia. Foi tão meu amigo que convenceu o
pai –o Fausto “Rolhas”, como era carinhosamente conhecido, e
que já estava velhote- a ceder-me, sem trespasse, metade do seu
estabelecimento de vinhos e rolhas que tinha na Rua Adelino Veiga. Um
ano depois fiquei com a outra parte restante.
Então
ali, na artéria mais movimentada da cidade, senti-me como peixe na
água. Vendia o que queria. Como imperador no seu império, ditava a
moda. Um dia trouxe uma calça de homem de Paris e, para não ir ao
Porto, fui ter com o Eládio, da Santix, e perguntei-lhe se ele
queria fazer aquele modelo exclusivo para mim. Ele disse que sim e
mostrou-me os tecidos. Havia lá 78 cores. Não me servia nenhuma.
Queria tonalidades novas, apelativas, que dessem vida. Só assim se
mudaria a cidade. Havia lá uma encomenda que estava destinada à
Suécia, e foi mesmo essa a cor que eu escolhi: bordeaux. No sábado
seguinte, de manhã, logo que me entregaram a primeira tranche, vendi
40 pares.
Nos
anos de 1980, tinha 43 empregados. Duas lojas na Figueira da Foz, uma
em Aveiro e outra em Coimbra –aqui tinha 27 empregados. Os tempos
mudaram, não há dúvida, as grandes superfícies rebentaram com o
comércio tradicional. Mas, uma coisa afirmo: os comerciantes da
Baixa estão derrotados psicologicamente. Perderam o entusiasmo.
Em
1982 entrei em choque com o meu sócio, e, no ano seguinte, abri o
“Infinito”, na Rua da Sofia”, enfatiza Manuel Ribeiro.
Em
1990 o Eldorado, de Coimbra, foi vendido para um comerciante indiano
que tinha uma loja em Lisboa e outra nos Açores. A fama e o
“espírito” do Eldorado ficaram muito bem entregues. Sob a
gerência de Asslam, um árabe naturalizado português e mais
conimbricense de alma do que muitos nascidos aqui, esta grande casa
histórica continuou a rolar e a dar cartas na rua do poeta operário.
Com a abertura do Continente e da Macro em 1993, esta grande casa,
tal como outras, sofreu o primeiro embate que lhe causou um
fortíssimo rombo. Com o oceano do pronto-a-vestir a ser
continuamente invadido por grandes “Shopping’s”, a
clientela foi-se tornando mais escassa.
No
fim deste mês, neste ano da graça de 2012, fecha-se um capítulo da
história comercial da cidade. A nossa cultura vai ficar mais pobre.
Encerra o Eldorado.
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