Há cidades que não merecem os artífices que
têm. Sem explicação racional, como a parecer que pelo seu intenso brilho
imanente projectam uma sombra sobre os medíocres, são ostracizados e, por maior
talento e riqueza que possam espalhar para desenvolver o meio em que estão
inseridos, são abandonados à sua sorte.
Coimbra, a outrora denominada capital
da cultura, é sem dúvida nenhuma um destes burgos. A Lusa Atenas detém no seu
seio um dos maiores e afamados construtores de instrumentos, desde a guitarra
portuguesa, ao bandolim, à concertina, ao cavaquinho, à viola toeira e até à recuperação
e recriação da sanfona, um aparelho medieval que estava esquecido e poucos
exemplares haveria entre nós para memória futura. O Fernando Meireles, artesão,
investigador, músico de talento indiscutível, membro do grupo “Os Realejo”, e que já tocou com Júlio
Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Amadeu Magalhães, é um exemplo vivo de que a
cidade que o alberga não o merece. Quando o seu “know how”, o seu saber fazer, deveria estar ao serviço da
comunidade, na Baixa, num prédio camarário, e a ser aproveitado como professor
de construção de instrumentos de artes e ofícios, o que se constata é o oposto,
está a trabalhar numa sala esquecida da Associação Académica de Coimbra.
Meireles, autodidacta, instrumentista e estudioso da música tradicional
portuguesa, entrega-se à sua arte de corpo e alma e, felizmente, não tem
dificuldade em sobreviver, mas é triste verificar que, por falta de visão
holística, do todo, os políticos que exercem o poder local percam uma boa
oportunidade de serem úteis e neguem o conhecimento aos vindouros. Ninguém
entende que estamos perante um talento extraordinário, singular e diferenciado,
no modo como fomos habituados a ver muitos músicos saídos dos conservatórios e
escolas de música tradicionais.
UM TALENTO GENÉTICO
Resultado de uma ligação apaixonada com a
Patrícia, uma instrumentista de excelência e que chegou a fazer parte d’Os Realejo, em 2007, viria a nascer o
júnior Fernando. Como não é de admirar, já que filho de peixe só pode mesmo
saber nadar, o agora miúdo de oitos anos, transpira música por todos os poros e
sem dúvida nenhuma, apesar da sua pouca idade, é um bicho de palco. Sempre juntamente com o pai, já actuou em diversos espectáculos
por esse país fora desde Tondela, Cantanhede, Castelo Branco, até Ponte de Lima.
Os vídeos das suas actuações ao vivo, já com um notável à vontade, são
visionados por milhares de internautas no país e em todo o mundo.
Como progenitor que sabe melhor
do que ninguém o que convém ao filho, o Meireles, para sorte de quem os ouve,
tem usado as ruas largas da calçada para que o puto ensaie e assim fique melhor
preparado para o seu futuro que se adivinha. Quando eles se mostram na via
pública é fácil verificar o carinho com que são recebidos. A rua é um mar de
afectos para o pequeno artista. Desde beijinhos até palavras de alento o pequeno
grande homem, para deleite do pai Fernando Meireles, é tratado por todos os
transeuntes com muito amor e ternura.
UM QUI PRO QUO (TOMAR UMA COISA
POR OUTRA)
Na boa tradição nacional e internacional –basta
lembrarmos Jorge Palma nos corredores do metro, em Paris-, naturalmente que
quando se exibem no arruamento, sem pedirem nada a quem quer que seja, aceitam
o que cada transeunte entende doar. Ora é aqui que a porca torce o rabo. Como
temos uma maioria sempre pronta a distorcer a realidade –e no limite a fazer sangue
alheio- confundindo o acessório com o essencial, e, por vezes, apoiada por
técnicos ligados a instituições de protecção que não vêem mais do que parece, o
Fernando Meireles, ainda que indirectamente, tem vindo a receber pressões para
não trazer o filho para a rua.
Junto ao BES, na Rua Visconde da
Luz, ontem, encontrei-o completamente descoroçoado. “Bolas, Luís, isto é completamente desanimador! É uma guerra surda,
entendes? Só falta acusarem-me de eu estar a explorar o meu filho! Não
conseguem ver mais além! Estão focados naquilo. E mais nada! Parece querem
obrigar-me a colocar o meu filho em casa atrás de um écran de computador e a
manusear jogos! Não conseguem ver que eu, através da prática directa, estou a
preparar o meu filho para a música e para o futuro!?! É triste, sabes? Começo a
estar cansado! Vou ter de terminar com estas mostras ao vivo aqui na Baixa!”
1 comentário:
MUITO, MUITO BEM!
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