quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O DRAMA DO MEIRELES





Há cidades que não merecem os artífices que têm. Sem explicação racional, como a parecer que pelo seu intenso brilho imanente projectam uma sombra sobre os medíocres, são ostracizados e, por maior talento e riqueza que possam espalhar para desenvolver o meio em que estão inseridos, são abandonados à sua sorte.
Coimbra, a outrora denominada capital da cultura, é sem dúvida nenhuma um destes burgos. A Lusa Atenas detém no seu seio um dos maiores e afamados construtores de instrumentos, desde a guitarra portuguesa, ao bandolim, à concertina, ao cavaquinho, à viola toeira e até à recuperação e recriação da sanfona, um aparelho medieval que estava esquecido e poucos exemplares haveria entre nós para memória futura. O Fernando Meireles, artesão, investigador, músico de talento indiscutível, membro do grupo “Os Realejo”, e que já tocou com Júlio Pereira, Pedro Caldeira Cabral, Amadeu Magalhães, é um exemplo vivo de que a cidade que o alberga não o merece. Quando o seu “know how”, o seu saber fazer, deveria estar ao serviço da comunidade, na Baixa, num prédio camarário, e a ser aproveitado como professor de construção de instrumentos de artes e ofícios, o que se constata é o oposto, está a trabalhar numa sala esquecida da Associação Académica de Coimbra. Meireles, autodidacta, instrumentista e estudioso da música tradicional portuguesa, entrega-se à sua arte de corpo e alma e, felizmente, não tem dificuldade em sobreviver, mas é triste verificar que, por falta de visão holística, do todo, os políticos que exercem o poder local percam uma boa oportunidade de serem úteis e neguem o conhecimento aos vindouros. Ninguém entende que estamos perante um talento extraordinário, singular e diferenciado, no modo como fomos habituados a ver muitos músicos saídos dos conservatórios e escolas de música tradicionais.

UM TALENTO GENÉTICO

Resultado de uma ligação apaixonada com a Patrícia, uma instrumentista de excelência e que chegou a fazer parte d’Os Realejo, em 2007, viria a nascer o júnior Fernando. Como não é de admirar, já que filho de peixe só pode mesmo saber nadar, o agora miúdo de oitos anos, transpira música por todos os poros e sem dúvida nenhuma, apesar da sua pouca idade, é um bicho de palco. Sempre juntamente com o pai, já actuou em diversos espectáculos por esse país fora desde Tondela, Cantanhede, Castelo Branco, até Ponte de Lima. Os vídeos das suas actuações ao vivo, já com um notável à vontade, são visionados por milhares de internautas no país e em todo o mundo.
Como progenitor que sabe melhor do que ninguém o que convém ao filho, o Meireles, para sorte de quem os ouve, tem usado as ruas largas da calçada para que o puto ensaie e assim fique melhor preparado para o seu futuro que se adivinha. Quando eles se mostram na via pública é fácil verificar o carinho com que são recebidos. A rua é um mar de afectos para o pequeno artista. Desde beijinhos até palavras de alento o pequeno grande homem, para deleite do pai Fernando Meireles, é tratado por todos os transeuntes com muito amor e ternura.

UM QUI PRO QUO (TOMAR UMA COISA POR OUTRA)

Na boa tradição nacional e internacional –basta lembrarmos Jorge Palma nos corredores do metro, em Paris-, naturalmente que quando se exibem no arruamento, sem pedirem nada a quem quer que seja, aceitam o que cada transeunte entende doar. Ora é aqui que a porca torce o rabo. Como temos uma maioria sempre pronta a distorcer a realidade –e no limite a fazer sangue alheio- confundindo o acessório com o essencial, e, por vezes, apoiada por técnicos ligados a instituições de protecção que não vêem mais do que parece, o Fernando Meireles, ainda que indirectamente, tem vindo a receber pressões para não trazer o filho para a rua.
Junto ao BES, na Rua Visconde da Luz, ontem, encontrei-o completamente descoroçoado. “Bolas, Luís, isto é completamente desanimador! É uma guerra surda, entendes? Só falta acusarem-me de eu estar a explorar o meu filho! Não conseguem ver mais além! Estão focados naquilo. E mais nada! Parece querem obrigar-me a colocar o meu filho em casa atrás de um écran de computador e a manusear jogos! Não conseguem ver que eu, através da prática directa, estou a preparar o meu filho para a música e para o futuro!?! É triste, sabes? Começo a estar cansado! Vou ter de terminar com estas mostras ao vivo aqui na Baixa!”