segunda-feira, 10 de agosto de 2015

EDITORIAL: A TOLERÂNCIA DA DESGRAÇA






Hoje, durante a manhã, por causa do continuado abuso de alguns munícipes, de conspurcarem a Baixa com lixo na via pública fora dos horários regulamentados, via telefone, contactei um quadro superior do departamento correspondente na Câmara Municipal de Coimbra para que se criassem soluções para o inconveniente que, sendo diário, para além de ser fastidioso, começar a ser um problema de saúde pública. Ou seja, quanto mais se arrastar a ineficácia por parte da entidade responsável, naturalmente, maior será a sua amplitude e ao ponto de se tornar incontrolável. Ora, perante o meu apelo, o visado respondeu com interrogações: “O que podemos fazer? Acha que podemos colocar um funcionário a fiscalizar cada esquina da Baixa? Compreenderá que não temos meios para ir levantar agora os resíduos? As coimas são da esfera da Polícia Municipal, entende? Na generalidade, os habitantes do centro histórico são de baixa formação cívica, o que podemos fazer? Andou aí um funcionário durante meses, de porta em porta, a sensibilizar a população para cumprirem os pressupostos e valeu de pouco, o que podemos fazer mais? Se não vão pela via formativa, o que se pode fazer para os obrigar a cumprir?”
Agora, por momentos, saiamos deste assunto que fede e entremos nos incêndios que, há décadas e ano após ano, devastam toda a mata nacional. São apresentadas soluções para acabar com esta calamidade? Não, não são! O que é dito pelos governos sucessivos, no início de cada temporada, é que os meios contratados são de modo a acautelarem a catástrofe. No fim de cada verão a área ardida é, quase, sempre maior do que a do ano anterior. O que pensa e como reage o povo a esta constatação? Primeiro, cogita que esta continuada omissão é gato escondido com rabo de fora. Como quem diz, que a negociata com os contratos de meios aéreos está por detrás da pouca vontade governamental para resolver esta tragédia. Segundo, que a justiça, ao serviço de interesses obscuros, não funciona. Terceiro, se mandam e querem assim, deixem arder que o meu pai é bombeiro.
Passemos para o escândalo dos depositantes do BES, que, num país de brandos costumes, teimosamente e não se sabe até quando, continuam a lutar pelos seus direitos. Como são olhados pelo cidadão comum? Com apatia e desligamento. É um assunto deles e não nosso! Se perderam era porque tinham. A classe política e o “zé povinho” continuam a apostar que serão vencidos pelo cansaço e, mais tarde ou mais cedo, acabarão por desistir. Onde começa e acaba a justiça e os direitos constitucionais de cidadania? Ninguém sabe, mas também não é assunto geral, de todos, é apenas de alguns, deles, que foram lesados! E todos, menos os prejudicados, dormimos de consciência tranquila.
Hoje o Jornal de Notícias, em primeira página, apresenta em título que “quase metade das vendas dos híperes são promoções”. Ninguém se questiona o malefício de destruição que estes descontos estão a provocar no pequeníssimo comércio de rua. Fazem “dumping” –vendas abaixo do seu preço de custo? Ninguém sabe nem, aparentemente, se procura saber. Pelo estertor causado, habituamo-nos todos a olhar para isto como uma vulgaridade. Ou seja, da ilegalidade implícita transformámos em legalidade e aceitamos todos ser chicoteados e maltratados pelo mais forte, pela lei da selva. Onde está a entidade reguladora? Onde fica a defesa dos mais fracos pela justiça? Ninguém sabe. O que sabemos é que, diariamente, assistimos a um cruzar de braços de quem deveria intervir e nada faz. E nós? Deixamos correr! Afinal o Estado não é constituído por todos mas apenas por alguns! Enquanto houver riqueza para consumir -e alguns enriquecerem sem escrúpulos-, destrua-se à vontade! Os nossos vindouros que se desenrasquem!


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