terça-feira, 25 de agosto de 2015

COGITANDO ENTRE O CREPÚSCULO E O AMANHECER





POR ALEX RAMOS, EM PARCERIA COM LUÍS FERNANDES


Há dias percorria as ruas da Baixa. O relógio marcava  próximo das 22h30.  Já a noite fazia a cama para se deitar. Tenho para mim que Coimbra vista à noite tem uma beleza inconfundível e transcendental. Acompanhada do manto diáfano do silêncio e as estrelas por companhia, a sombra dos edifícios parece dançar à nossa passagem. Durante o dia, pelo ruído, pelo movimento de pessoas, é difícil  sentir a emoção a entrar pelo coração. Embora a  principal via  da cidade, que  a separa  a meio e divide a montanha sagrada do vale onde se desenvolvem as artes e ofícios, esteja bem iluminada e onde se pode caminhar com segurança, em contraste absoluto, em outras ruas por onde andei há uma luz deficiente que projecta recantos escuros e faz emergir o receio da insegurança. Não será difícil de adivinhar a razão destas veias citadinas serem evitadas por quem conhece cada pedra que calcorreia e outros que nada sabem da história de Coimbra. A escuridão cria mitos na nossa mente, mostra a desilusão, o abandono. É como se andássemos para trás e as trevas retornassem ao nosso tempo. A luz, enquanto mistério da espiritualidade, é ilusão, é vida, alimenta a alma e varre os fantasmas do medo.
Na Praça 8 de Maio  está  uma  das catedrais mais antigas da Europa e das mais visitadas da cidade. Construída no século XII, a Igreja de Santa Cruz é também Panteão Nacional onde repousam os restos mortais dos nossos primeiros Reis de Portugal, Dom Afonso Henriques e seu filho, Dom Sancho I. Paredes meias, no lado Sul, a mostrar que o sagrado e o profano são faces da mesma moeda, está o nosso ex-libris da hotelaria coimbrã, o emblemático, o vetusto e reputado Café Santa Cruz. Do lado Norte, como irmã siamesa, demonstrando que sem lei e sem tributos a Nação, enquanto organização de pessoas com elos nos costumes, nunca teria chegado a Estado, organização política de vontades colectiva, está a Câmara Municipal, erguida como baluarte e de espada em riste pronta a ser desferida nos infiéis que ousam quebrar os ritos citadinos. A propósito, e para meu espanto, está muito bem iluminada com quatro candeeiros possantes pregados na frontaria, inseridos na monumentalidade ancestral, e no prédio em frente, como Sol a irradiar luz, vários projectores de halogénio concentram toda a sua criatividade brilhante e iluminista. Caminhando para a sua direita, para a Rua da Sofia, vemos a nossa mais importante artéria classificada pela Unesco imersa em lusco-fusco. Os seus colégios centenários e igreja da Graça salientam-se pouco numa paisagem ancestral que, até pelo nome de Sofia, deveria estar carregada de luminosidade e cor. É caso para perguntar se esta antiga rua dos colégios teria feito mal a alguém?
Vá-se lá saber o despautério da decisão, também o berço da nacionalidade, o Panteão, uns metros ao lado, no mesmo sol da meia-noite, está imerso numa luz insuficiente e de remedeio. No chão, dois focos de raios amarelecidos parecem cansados de focar o vazio e pedem atenção para trabalhar melhor em prol da cultura e sobretudo o belo arco que, envolto em sombras de séculos, está adormecido pelas linhas da história do Reino. Quem sabe a negritude envolvente tenha a ver com a protecção devida aos animais e ao sagrado descanso que se deve proporcionar aos pombos que, depois de um estafante esvoaçar entre beirais, descansam a sono solto? Lâmpadas led aqui faziam milagres.
Outra coisa, ou melhor outro monstro, entendo uma aberração a piscina (o lago) à frente da igreja. Todas as semanas  mudam a água, como não é oxigenada gera bactérias e o seu aspecto, se não cuidado, passa a repugnante. A motivação para esta recente transformação foi que o projecto inicial de Fernando Távora teria sido desenhado assim. Muito bem! E depois? Quanto custa manter esta ideia do arquitecto nos bolsos dos contribuintes? É ou não uma teimosia do demandante das obras de transformação desta praça central, iniciadas em 1995, Manuel Machado, na altura e actual presidente da edilidade conimbricense?
Por que não colocar no centro do lago uma escultura alusiva à chama da Pátria? Ou, na linha da anterior retirada em 1838, uma fonte sempre a jorrar água com a imagem de Sansão, que dava nome à praça?


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