POR ALEX RAMOS, EM PARCERIA COM LUÍS FERNANDES
Há dias percorria as ruas da Baixa. O
relógio marcava próximo das 22h30. Já a noite fazia a cama para se
deitar. Tenho para mim que Coimbra vista à noite tem uma beleza inconfundível e
transcendental. Acompanhada do manto diáfano do silêncio e as estrelas por
companhia, a sombra dos edifícios parece dançar à nossa passagem. Durante o dia,
pelo ruído, pelo movimento de pessoas, é difícil sentir a emoção a entrar
pelo coração. Embora a principal via da cidade, que a separa
a meio e divide a montanha sagrada do vale onde se desenvolvem as artes e
ofícios, esteja bem iluminada e onde se pode caminhar com segurança, em
contraste absoluto, em outras ruas por onde andei há uma luz deficiente que
projecta recantos escuros e faz emergir o receio da insegurança. Não será
difícil de adivinhar a razão destas veias citadinas serem evitadas por quem
conhece cada pedra que calcorreia e outros que nada sabem da história de
Coimbra. A escuridão cria mitos na nossa mente, mostra a desilusão, o abandono.
É como se andássemos para trás e as trevas retornassem ao nosso tempo. A luz,
enquanto mistério da espiritualidade, é ilusão, é vida, alimenta a alma e varre
os fantasmas do medo.
Na Praça 8 de Maio está uma
das catedrais mais antigas da Europa e das mais visitadas da cidade. Construída
no século XII, a Igreja de Santa Cruz é também Panteão Nacional onde repousam
os restos mortais dos nossos primeiros Reis de Portugal, Dom Afonso Henriques e
seu filho, Dom Sancho I. Paredes meias, no lado Sul, a mostrar que o sagrado e
o profano são faces da mesma moeda, está o nosso ex-libris da hotelaria
coimbrã, o emblemático, o vetusto e reputado Café Santa Cruz. Do lado Norte, como
irmã siamesa, demonstrando que sem lei e sem tributos a Nação, enquanto
organização de pessoas com elos nos costumes, nunca teria chegado a Estado,
organização política de vontades colectiva, está a Câmara Municipal, erguida como
baluarte e de espada em riste pronta a ser desferida nos infiéis que ousam
quebrar os ritos citadinos. A propósito, e para meu espanto, está muito bem
iluminada com quatro candeeiros possantes pregados na frontaria, inseridos na monumentalidade
ancestral, e no prédio em frente, como Sol a irradiar luz, vários projectores
de halogénio concentram toda a sua criatividade brilhante e iluminista.
Caminhando para a sua direita, para a Rua da Sofia, vemos a nossa mais
importante artéria classificada pela Unesco imersa em lusco-fusco. Os seus
colégios centenários e igreja da Graça salientam-se pouco numa paisagem ancestral
que, até pelo nome de Sofia, deveria estar carregada de luminosidade e cor. É caso
para perguntar se esta antiga rua dos colégios teria feito mal a alguém?
Vá-se
lá saber o despautério da decisão, também o berço da nacionalidade, o Panteão, uns
metros ao lado, no mesmo sol da meia-noite, está imerso numa luz insuficiente e
de remedeio. No chão, dois focos de raios amarelecidos parecem cansados de
focar o vazio e pedem atenção para trabalhar melhor em prol da cultura e
sobretudo o belo arco que, envolto em sombras de séculos, está adormecido pelas
linhas da história do Reino. Quem sabe a negritude envolvente tenha a ver com a
protecção devida aos animais e ao sagrado descanso que se deve proporcionar aos
pombos que, depois de um estafante esvoaçar entre beirais, descansam a sono
solto? Lâmpadas led aqui faziam milagres.
Outra coisa, ou melhor outro monstro, entendo
uma aberração a piscina (o lago) à frente da igreja. Todas as semanas
mudam a água, como não é oxigenada gera bactérias e o seu aspecto, se não
cuidado, passa a repugnante. A motivação para esta recente transformação foi
que o projecto inicial de Fernando Távora teria sido desenhado assim. Muito bem! E
depois? Quanto custa manter esta ideia do arquitecto nos bolsos dos
contribuintes? É ou não uma teimosia do demandante das obras de transformação desta
praça central, iniciadas em 1995, Manuel Machado, na altura e actual presidente
da edilidade conimbricense?
Por
que não colocar no centro do lago uma escultura alusiva à chama da Pátria? Ou,
na linha da anterior retirada em 1838, uma fonte sempre a jorrar água com a
imagem de Sansão, que dava nome à praça?
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