“Comportamento
assim, ainda me lembro,
tinha
a Igreja Católica Romana. Sempre que
uma
pessoa colocava fim à vida não tinha direito
a
exéquias realizadas por um padre e muito
menos
oração de encomenda, igual para todos os
que
partem desta vida”
Conforme
escrevi aqui, na quarta-feira da semana passada, um homem de cerca de
35 anos decidiu acabar com a sua vida, pelo salto do 6.º andar, no
edifício denominado Torres do Arnado, com lojas comerciais e de
restauração no rés-do-chão e escritórios nos pisos superiores,
muitos deles afectos a serviços consignados ao Ministério da
Justiça.
Continuando
a justificar-me, como no dia seguinte os jornais diários da cidade
fizeram tábua rasa sobre o autocídio, decidi penetrar na área
envolvente da ocorrência para saber e dar conta aos leitores do
blogue o que se tinha passado. Estranhamente, ou talvez não, deu
para me aperceber da dificuldade em obter qualquer coisinha sobre o
acontecimento. Pelo que apreendi, tinha caído um manto de silêncio
sobre o centro comercial. Se foi compulsivo, isto é, imposto de cima
para baixo, pouco me interessa. O que sei é que a notícia de uma
morte, seja provocada ou não, não pode ficar intencionalmente
enterrada na obscuridade. E sobretudo se este apagamento visa
favorecer alguém, entidade, pessoa, nem que seja por que não gosta
do estigma -como é óbvio, não sei se foi por isto. O que posso
escrever é que é desusado, muito inusitado, os jornais não
publicarem uma linha sobre o assunto com o argumento de que “o
jornal não noticia suicídios” -foi assim que um jornalista
de um dos diários justificou, nas redes sociais, a nuvem de silêncio do matutino em que
trabalha e é jornalista. Vou estar atento para o futuro. Sempre
quero ver se para caso igual o mesmo método.
Para
piorar e me aumentar a suspeita de que algo não vai bem na imprensa
diária é que passados seis dias, continuamos sem saber a identidade
do finado. Comportamento assim, ainda me lembro, tinha a Igreja
Católica Romana. Sempre que uma pessoa colocava fim à vida não
tinha direito a exéquias realizadas por um padre e muito menos
oração de encomenda, igual para todos os que partem desta vida. A
morte, enquanto episódio da esfera pessoal que finaliza um percurso
individual e particular, que pela impossibilidade de mais julgamento,
implica perdão pelos erros e omissões, é também, ao mesmo tempo,
um facto que gera sempre consequências na esfera pública. Por isso
mesmo, tendo o respeito como maxime, o derradeiro, sem
discriminar pela condição social ou outra, deve ser acompanhado de uma obrigatória paridade.
Enquanto
leitor diário, criei para mim próprio uma obrigação: proteger a
imprensa da minha cidade quando merece ser defendida e denunciada
quando me julgo ofendido no meu direito ou de alguém. Isto quer dizer o quê?
Vindo da minha pessoa, pouco ou nada, mas não é por isto, pela
minha condição de anónimo, que deixo de escrever o que me vai na
alma. Porque é assim: se eu verificasse que, até agora, a postura
da imprensa diária era assim para todos, podem crer, não plasmaria este segundo texto. Acontece que não é, nem nunca foi.
Os
leitores da nossa imprensa têm o direito de exigir aos diários da
cidade a identidade do cidadão que morreu nas torres do Arnado. Era
sem-abrigo? Era filho de alguma família que, infelizmente, foi
obrigada a fazer um corte relacional com o finado? Seja lá quem for,
pelo direito à igualdade, mesmo na diferença estatutária, deve ser
sujeito ao mesmo tratamento social.
1 comentário:
Mas que interesse tem em saber se foi o Manuel, o Joaquim ou o Celestino? Se não sabe é porque não era ninguém que lhe interesse nem das suas relações. Deixe lá a família viver o luto em paz sem ter de ver a cara do familiar que perder escarrapachada nos jornais.
A opção de não noticiar suicídios já ocorreu em outros casos, pelo que não é caso ímpar pelo que também não é por aqui que tem por onde pegar.
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