Hoje, e mais uma vez, o executivo camarário
vai analisar um novo Regulamento
Municipal das Feiras, Venda Ambulante e da Restauração ou Bebidas Não Sedentárias.
Há cerca de vinte anos que, é ponto assente, cada novo governo local mexe no
Regulamento da Venda Ambulante para deixar ficar tudo na mesma. É assim uma
espécie de “lei manifesto, isto é,
legislação que se destina a proclamar princípios que, na prática, o Estado não
dispõe de vontade política para aplicar coercivamente ou de recursos materiais
para executar”. Elabora-se e promulga-se a lei apenas para tapar os olhos
ao cidadão sabendo o legislador antecipadamente que não há condições técnicas e
logísticas de a pôr em prática. Tendo por trás a força e o aproveitamento político-partidário,
lança-a ao vento e logo se verá. Ou seja, não se verá nada porque, como livro perdido
e arrumado na estante que não é lido, nunca será colocada em prática.
Há cerca de vinte anos que a venda ambulante é
a vergonha da cidade. Para ver o quadro miserável de quem o exerce e de quem,
passivamente, nada faz para o alterar, basta visitar junto da Loja do Cidadão e
da Praça do Comércio e verificar as condições em que os vendedores exercem o
seu trabalho. Como ressalva, ao escrever isto não estou a dizer que detenha
qualquer excepcional simpatia por estes vendedores ditos ambulantes mas há
décadas fixos no mesmo local –o que só por isso, pela denominação contrária, já
é absurdo. O que defendo é que sejamos justos para com eles. Não podem
continuar a serem tratados pela administração como coisas descartáveis. São
pessoas com família como nós, com mulheres e filhos. Sobretudo, falando de um
vendedor africano, senhor de uma educação e humildade esmerada, instalado na
Praça do Comércio, é um dos primeiros a montar a tenda, ao amanhecer, e às
vezes às 22h00 ainda está a desfazer a exposição. É uma dor de alma ver as
condições em que este homem trabalha arduamente para ganhar o seu pão.
Tenho para mim que, nos últimos anos, estas
pessoas –alegadamente classificadas pela Câmara de segunda classe, parece-me-
têm sido uma espécie de bola de arremesso ao sabor dos executivos camarários. Uns,
os vendedores ciganos, com todos os excessos que se lhes reconhecem em tropear
as regras, têm sido maltratados e só têm resistido pelo seu elevado grau de
resistência que os une enquanto minoria étnica. Outros, os da praça velha, só
conseguem manter-se graças à grande solidariedade que todos nutrem por eles,
incluindo alguns profissionais do comércio vizinho.
A maioria dos comerciantes olharam
sempre estes vendedores, sobretudo mais os ciganos, como concorrentes sem
regras –havendo acusações generalizadas de a administração fiscal não os considerar
como sujeitos passivos de obrigações iguais aos seus congéneres.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Vamos recuar até ao final da década de 1990. Na
Praça do Comércio eram sensivelmente os mesmo que hoje por lá se mantém. Já no
antigo Bota-abaixo –área degradada que servia essencialmente para paragem de
veículos que tinham por destino a Baixa- cerca de uma dezena de vendedores ciganos,
agrupados em pequenas bancas decrépitas e miseráveis, faziam ali o seu negócio.
Em 1998, Manuel Machado, então presidente da Câmara Municipal de Coimbra, em hasta
pública, alienou parte do espaço à firma Bragaparques
por, salvo erro, cerca de um milhão de contos. Com grande celeuma, a transacção
realizou-se e hoje, naquele local, nos pisos inferiores está implantado um
grande parque de estacionamento e à superfície a Loja do Cidadão.
UM CHUTO NOS CIGANOS
Em face da venda do terreno para a empresa de
Braga, por volta de 2000, os vendedores ciganos que estavam licenciados foram
colocados no Largo da Maracha, a cerca de meia centena de metros do antigo
poiso e junto aos estabelecimentos de comércio. A sua instalação era tão
desadequada e sem dignidade para todos que, pela anarquia e afronta, motivou
várias queixas na autarquia por parte de comerciantes. Em 2001, nas eleições
autárquicas, Manuel Machado, do PS, perdeu a autarquia para Carlos Encarnação,
do PSD –este ganhou a edilidade em coligação com outros partidos e fazia parte
do seu programa regular a venda ambulante. Encarnação tinha por vice-presidente
Pina Prata, que à altura era, “ex-aequo”,
também presidente da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra. Com
declarações do então homem forte da ACIC assim “é agora que vamos acabar com este cancro que nos envergonha a todos”, por volta de 2003 foi apresentado
um novo Regulamento para a Venda Ambulante. De certo modo era uma medida avulsa
que, unicamente, tinha por objecto agradar aos comerciantes das lojas que não
viam com bons olhos a venda bruta no Largo da Maracha. O prescrito era tão tão
inovador, tão vanguardista, que, por exemplo, estabelecia que nenhum vendeiro sem
poiso certo poderia estar a oferecer os seus produtos a menos de cinquenta
metros de uma loja instalada e a cem de uma igreja. A intenção era claramente
mandar os vendedores ciganos para o fundo do Parque Manuel Braga. Como é óbvio
este absurdo teve a total oposição dos ditos. Mais uma vez para remediar com
retalhos das vidas destas pessoas, com o argumento de se calcetar a Rua da
Louça e o Largo da Maracha, “empurraram-se”
para o espaço apertado junto ao antigo Armazém Amizade, na esperança de que,
como aquele canto era junto dos contentores de lixo e mal-cheiroso, acabassem
por desaparecer. Mas o tiro saiu pela culatra a quem o disparou. Estes
vendedores, que em analogia são como os gatos e têm mais de sete vidas, de um
recanto desprezado, com o pregão “é só cinco
euros, menina! Compre! Compre!” acabaram por marcar a sua fronteira e revitalizar
toda a área envolvente. E por lá se mantém ainda hoje.
PROMESSAS E MAIS PROMESSAS AO QUILO
Sem nunca ser implementado o Regulamento para
a Venda ambulante, a longo de doze anos de vigência social-democrata, volta e
meia, lá vinha anunciado nos jornais de que desta vez é que era, ou seja,
finalmente a venda ambulante iria ser novamente regulamentada e cumprida. Em
Novembro de 2008, o Diário as Beiras anunciava em título: "PSP e (autarquia) põem ordem na venda
ambulante do Bota-abaixo”. Enquanto os
comerciantes instalados sorriam destes avanços para inglês ver, os visados pelas medidas encolhiam os ombros.
Neste meio tempo, numa
insensibilidade sem limites, a violar os princípios da segurança e a desenvolver
o vínculo precário, os vendedores da Praça do Comércio estão desde 2003 a revalidar
as suas licenças de três em três meses. Será este relacionamento, entre
edilidade e um qualquer licenciado, sério e admissível? Antes das
eleições, em Outubro de 2012, pelo executivo liderado por Barbosa de Melo, da Coligação por
Coimbra, foi anunciado que iriam ser instalados novos quiosques na Praça do
Comércio. Até hoje tudo continua na mesma como a lesma. Do novo projecto nada
de novo.
É agora? É desta que se vai acabar com a
vergonha da venda ambulante na cidade e, que é o que discuto aqui, mais
propriamente na Baixa? Pode ser que sim! Sem grande fé, às vezes, de onde não
se espera, saem surpresas. Vamos aguardar.
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