Começo por confessar que para lhe chegar perto
me vi pior que o governo grego para driblar a Comissão Europeia e o FMI. Por
cá, pelos nossos santos da terra fiz tudo. Desde promessas a Nossa Senhora de
Fátima, uma velinha à Santa da Ladeira, prometer tomar o lugar do “Carlitos
popó” à frente da Procissão da Rainha Santa, tentei tudo. Mesmo quando o Costa,
o convertido e salvador das almas aposentadas, foi recebido pelo Papa
Francisco, em Março último, lá levou o pergaminho com a cunha para o Santo
Padre, o Papa Francisco –sempre tão invocado por Mário Soares- para interceder por
mim. Mas nada! De lá de cima, nem xus
nem bus. Mas eu estava com esta
fisgada. Tinha de lhe chegar e fazer uma série de perguntas que já há muito me
andavam a martelar a cachimónia. Foi
então que me lembrei que detinha a tal escada
para lhe chegar. Às vezes somos mesmos bacocos! Temos tudo o que precisamos em
casa e andamos de mão estendida fora, a molhar a sopa, como se fôssemos pedintes.
Tinha-me esquecido completamente que o “espírito
do Carvalho”, o mediador para as questões transcendentais, fazia parte do
corpo redactorial cá da casa. Também não admira que o tivesse esquecido. Se já
há tanto tempo que perdi a fé em todos os terráqueos, incluindo todos os santos
da casa, como haveria de recordar o intermediário para o metafísico? Mas foi o
que me valeu. Assentei a mesa de pé-de-galo em posição, coloquei incenso a
arder, acendi uma velinha, abstrai-me desta crise que me consome a alma e,
mentalmente, chamei o “espírito do
Carvalho”. Para minha surpresa ele já sabia o que eu planeava. De supetão,
atirou: já sei que queres falar com o
espírito do Bissaya. És mesmo tonto, toino, as voltas que deste para lhe
chegar. Bastava fazeres o recolhimento necessário e eu ajudava-te. Vou
colocar-te na linha do Fernando. Toma atenção, podes levar para contar. O
Fernando Bissaya Barreto anda farto de dar voltas no jazigo pelo estado a que
chegou a cidade, a sua amada Coimbra. Aguenta-te! Vou fazer a ligação.
E na penumbra, lusco-fusco, da
minha saleta, através de vídeo-conferência-transmental tinha o desaparecido
professor de medicina da Universidade de Coimbra:
-B’tarde professor! É um prazer
estar em contacto com V. Ex.ª…
-Deixa-te de salamaleques e vai directo ao assunto. Conheço bem o teu
género, de coimbrinha. Começas na graxa e no polimento até alcançares o que
pretendes e depois de lá chegares esqueces tudo…
-O S’tor desculpe…
-Deixa-te de merdas e entra de cabeça. O que é que queres?
-O S’tor desculpe, mas, em boa
verdade, já há muito que gostava que me transmitisse a sua opinião sobre a
cidade de Coimbra actual. Mas vou restringir as minhas interrogações. Então,
como deve saber, na sua joia mais querida, a obra que mais gosto lhe deu mandar
construir, o seu (nosso) Portugal dos Pequenitos, que está a comemorar 75 anos,
vai inaugurar, na próxima segunda-feira, a “casa de chá”, um bule gigante em
ferro, uma obra da artista plástica Joana Vasconcelos…
-Ai sim? Não me digas, meu labrego! O quê? E ninguém me convidou?
-O S’tor desculpe, mas deixe-me
concluir a minha questão. O S’tor não acha que colocar uma peça gigante de arte
moderna no meio do património em escala reduzida em relação ao original contraria
o espírito que esteve na génese da criação desta obra para os pequenitos?
-Olha lá, estás a fazer-te intelectual? É isso? Ó menino, deixa-te de me
querer impressionar! Para mim vens de elécrico. Explica lá isso com se
estivesses a falar com um morto. Não percebi nada do que me tentaste dizer!
-Queria dizer, S’tor, se não
considera uma pirosice uma obra grande, de arte moderna, que é uma reprodução
ampliada de uma peça pequenina no parque temático. Ou seja, é o contrário do
que o S’tor pretendia quando fundou o Portugal dos Pequenitos, em 1940.
- O quê? Não me digas que vão fazer isso?!? Sério? Nãaa… Tu estás a
mangar comigo!
-Não estou não, S’tor! É verdade!
E até vai ser inaugurada pelo primeiro-ministro, Passos Coelho.
-Ai! Não me digas uma coisa dessas! Tenho de ligar ao Cassiano
(arquitecto Cassiano Branco, autor do projecto). Quem é esse Passos Coelho? É
comunista?
-Não, S’tor, é Social-democrata!
-Ora, ora! São todos iguais! A alma deles é vermelha. Eu lidei com eles
de perto. Pensas que o António (Salazar) era o quê? Era um comunista dos mais
puros que havia. Por isso é que ele não podia com o Cunhal…
-O St’or desculpe, mas estamos a
fugir ao tema que me levou, em transe, a entrar em contacto consigo. Diga-me,
como encara estas modificações na sua magnífica obra infantil?
-Nem tenho resposta! Sinto-me apagado. Falta-me a luz! Reza por Portugal,
dos grandes e dos pequeninos!
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