Cerca das 19h45 de ontem, no relógio da parede onde
funcionou durante décadas o Salão Brazil e agora o Jazz ao Centro, proposta
pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, iniciou-se uma reunião que
tinha por mote “ouvir as sugestões dos
comerciantes, relativamente ao comércio e espaço da Baixa de Coimbra”. Com a bela sala da saudade
praticamente vazia, onde até há cerca de vinte e cinco anos meia Baixa por lá
passou, eram mais os fluídos espirituais do que os humanos presentes. Para
exemplificar melhor, dois fotógrafos de imprensa, três jornalistas, um painel
com cinco elementos da direcção da APBC e na sala uma dezena de comerciantes.
Vitor Marques, o presidente da
direcção da agência de promoção, perante uma assistência tão numerosa (ao
contrário) começou por dizer o que levou a instituição a que preside a efectuar
esta sessão, que há cerca de dez dias que andava a ser publicitada. “A ideia é, disse, debater o futuro da APBC. Por outro lado, também receber os
comerciantes. Tentámos nos últimos seis meses e apareceu uma pessoa. Esta é a
segunda tentativa. Tomámos posse em Abril de 2014. A APBC é constituída por
oito elementos; sete são ligados a actividades comerciais e um faz a ponte
entre os anseios dos comerciantes e a Câmara Municipal. A agência tem 70
associados na actualidade” – salvo erro, no pico, chegou a ter 160 e em finais
de 2013 teria cerca de 120, digo eu.
QUE RAZÕES PARA ESTE
DIVÓRCIO ENTRE COMERCIANTES E A APBC?
Do meu ponto de vista –que para aqui conta
pouco- as razões serão várias e distribuídas pelos comerciantes e a agência.
Sendo sério, não me parece correcto atribuir a culpa apenas a um dos lados.
Poderia explorar melhor a minha opinião, mas a minha intenção é outra e, como
tal, prefiro ouvir razões alheias do que escrever o que penso.
DIGA-ME, POR QUE NÃO
FOI AO BRAZIL?
O que salta à vista é investigar a razão das
razões que levaram os lojistas da Baixa a fazerem ouvidos de mercadores e a não comparecerem ao convite. Como não
quero que falte nada aos leitores –e a APBC também não precisa de agradecer,
ora essa!-, fui para a rua ouvir comerciantes de várias ruas. A todos foram
feitas duas perguntas:
SABIA QUE HAVIA ONTEM UMA REUNIÃO? POR QUE NÃO FOI?
Iva Marina, gerente do restaurante Marcius, na
Rua da Sofia: “Sabia que havia. Não fui
porque era à noite. Tenho de estar com a minha filha. A hora é incompatível. Para
estar presente na reunião tinha de fechar o estabelecimento mais cedo. Encerro
às 22h00.”
Adílio Mendes, patrão da retrosaria Mendes, na
Rua da Sofia: “Não tive conhecimento. Ninguém
me convidou. A rua da Sofia é outra coisa. É uma zona periférica, não é uma
extensão das ruas largas. Excepto as marchas, qualquer evento que se faça na
Baixa nunca vem para a Rua da Sofia. Sinto-me arredado das festas promovidas
pela APBC. Nas marchas é diferente. Este ano, tal como nos anteriores, correu
muito bem.”
Hélder Gonçalves, da loja Gourmet “Coisas & Sabores”, na Praça 8 de
Maio: “Sabia da reunião. Não fui porque
tinha um trabalho em casa que não podia interromper.”
Madalena Martins, do quiosque Espírito Santo,
na Praça 8 de Maio: “Sabia que havia mas
não tive hipótese. Estou no meu estabelecimento desde as seis horas da manhã
até às vinte horas. Mal encerro ainda vou para casa fazer o jantar e arrumar a
casa. Achas que me sobra algum tempo para reuniões?”
Luís Braga, da chapelaria Bragas, L.ª, na Rua
Visconde da Luz: “Sabia mas não me
lembrei. Embora tivesse tido conhecimento, esqueci. Entregaram-me um papel na
semana passada. Se me tivesse recordado teria ido. Apagou-se-me completamente!”
Ana Monteiro, do pronto-a-vestir Namibi, na
rua Visconde da Luz: “Não tive
conhecimento dessa reunião. Os únicos papéis que recebi da APBC foram
referentes à penúltima “Noite Branca” e sobre a recolha do lixo. Sobre esta
sessão não recebi nada!”
José Rénio, da Papelaria Cristal, na Rua
Ferreira Borges: “Não sabia. Não me
entregaram nada. Por desconhecimento não compareci!”
João Braga, da tasquinha “O Gato” e da
retrosaria Ziguezague, nas escadas do Gato e Rua Sargento-Mor: “Sabia mas não pude ir. Estou sozinho aqui.
Encerro o estabelecimento de comes e bebes às 22h00. Não poderia mesmo
comparecer. Se pudesse, claro que iria!”
Helena Gomes, da casa Lena, na Rua
Sargento-Mor: “Sabia sim! Não fui porque
já não acredito neste género de reuniões de comerciantes. Já estive em muitas,
demasiadas, e nunca deu em nada. Para além disso, tudo o que se realiza de
eventos é tudo feito nas ruas de cima. Ainda agora, nestas últimas marchas, só
aqui passaram quatro marchas, de um total de treze, e estavam algumas lojas de
comércio, como a minha, abertas. Estou ressabiada pela forma como são (mal)
distribuídos os eventos na Baixa. Nós, das ruas estreitas, somos enteados –se não
pior. Os filhos queridos estão nas ruas e largos de cima. Estou cansada de
andar a lutar e haver tanto egoísmo. Estou farta de ser carne para abater!”
Docília Soares, da Retrosaria Mateus, na Praça
do Comércio: “Não sabia de nada! Mas,
admito, se soubesse também não teria ido. Sobre o conhecimento do meu marido
sobre o assunto não lhe sei dizer.”
Luís Pereira, da Casa Confiança, na Praça do
Comércio: “Sabia da reunião mas, como
moro em Condeixa, à hora a que se realizou não dava” –sobre qual o melhor
horário para si não soube responder.
Francisco Veiga, Modas Veiga, Rua Eduardo
Coelho: “Sabia da reunião, sim. Não fui
porque estou cansado, saturado de reuniões cujo resultado é sempre igual -ou
seja, nada!- ao longo dos últimos anos. Sinto-me prejudicado pela forma como
dividem os eventos na Baixa. É tudo feito lá em cima, entre os Largos da Portagem
e a Praça 8 de Maio. A Baixa é a Visconde da Luz e Ferreira Borges. Assim não
contem comigo. No inquérito que fizeram há uns meses, escrevi isto mesmo em
impresso próprio. Lá manifestei todo o meu desagrado na forma como os eventos
de promoção são realizados, que deveriam ser para todos e não são só para
alguns.”
Célia Neto, da sapataria “Hush Puppies”, na
Rua Eduardo Coelho: “Sabia sim. Não fui
porque tenho de fazer o jantar em casa e, para mais, ontem chegou a minha filha
da Figueira da Foz. Se não fosse assim, claro que teria ido, com toda a
certeza.”
1 comentário:
Meu Caro Amigo
Li notícia do evento no DC e não estranhei nada a pouca afluência.
O seu comentário, desde logo a informação decorrente do inquérito que se propôs fazer, em nada me estranha. Mais: estranhar-me-ia era o contrário, o saber que um grande número de comerciantes tinha estado presente, manifestando a sua preocupação, as suas ideias e apostando forte no comércio de rua.
Muitos anos de associativismo comercial ensinaram-me que, se há sempre um número reduzido de comerciantes que se preocupa, que dá o seu tempo, muitas vezes com gastos próprios, que enceta lutas e que as leva até ao fim ( arranjando, por vezes, antipatias de pessoas ou entidades ), a maioria esmagadora dos ditos comerciantes de rua desta cidade não tem espírito associativo, apenas se preocupa consigo própria e, se for possível, até prejudica e boicota realizações de mérito. Estão a ter, afinal e tão só, aquilo que merecem.
Pena é que arrastem aqueles que o não merecem.
Quanto à APBC ( sim, porque já não falo da ACIC ), entendo que os seus dirigentes não devem desanimar e interiorizar, isso sim, que esta é a realidade. Continuarem o seu trabalho, pela Baixa de Coimbra, com a certeza que a sua vitória reside na sua consciência de que fizeram o que podiam. E quem faz o que pode, faz o que deve.
Por mim, sempre que possível, vou fazendo as minhas compras na Baixa, começando logo pelo Mercado D. Pedro V.
Um abraço.
António Martins
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