Pouco faltava para o bater das cinco badaladas
no entardecer pachorrento da Baixa quando a quietude de modorra foi cortada
pelo som estridente das sirenes dos bombeiros. Três carros, um deles com
cisterna, ficaram estacionados no Largo do Paço do Conde. Um outro, um jipe dos
mais estreitos, impossibilitado de avançar pela ocupação parcial da via, ficou
retido na Rua das Padeiras. Vários bombeiros seguiram a pé e entraram num
prédio na Rua do Almoxarife, por cima da alfaiataria Montenegro. Segundo um dos
elementos dos soldados da paz, “tratou-se
de um foco de fumo intenso dentro de um micro-ondas”, num andar cujo
proprietário, alegadamente, não estaria presente. O alarme foi dado por duas
estudantes residentes no piso inferior e que se teriam apercebido do cheiro
intenso.
O CONTRASTE ENTRE OS
MEIOS E A ACESSIBILIDADE
Como se este pequeno rebate fosse um exercício
dos métodos de combate a incêndios, deu para ver que, por um lado, a Baixa é uma
preocupação constante para os socorristas, por outro, os meios satisfazem
melhor do que os acessos. As ruas estreitas e até algumas praças, num abuso dos
comerciantes que já vem de longe, estão a ser invadidas e ocupadas muito para
além do que o regulamento camarário permite. Pode até parecer que culpo a
fiscalização municipal por não actuar. Não é isso que pretendo. Até porque
adivinho que, muitas vezes, se não intervém é para não causar mais feridas no
comércio tradicional. Não tenho dúvida de que quem manda sabe muito bem que o
comércio tradicional, mesmo sem chama visível, há muito que arde em fogo lento
e se vai consumindo sem se ver. E esta passividade, a meu ver, deve ser
relevada. Escrevo bastante sobre o que se passa nesta zona velha e, talvez por
isso sendo tantas vezes injusto, adivinho o que é levar pancada por agir e
levar na mesma por não intervir. O problema é que as pessoas abusam. Está-lhes
na massa do sangue –eu também faço parte dos transgressores. Ao procurarem
desenrascar-se, de qualquer modo e jeito, olhando apenas para o seu umbigo, começam
por prejudicar o vizinho, obliterando todo o espaço visual do seu negócio, e
acabam a ser presumíveis concorrentes de uma tragédia anunciada.
DEUS QUEIRA QUE NÃO
HAJA NADA
O problema é se um dia destes um qualquer
incêndio, mal formado, sem contemplações e sem fumo, começa num destes prédios
velhos e lhe dá na veneta de querer mandar tudo para o Inferno. Esperemos que
Deus não durma e, lá do alto, olhe por nós. Mas, pelo sim, pelo não, vale mais
não confiar na sorte e deixar de Lhe colocar tudo sobre a sua alçada.
Basta dar uma volta pelas ruas estreitas para
verificar o que se está a passar. Claro que esta invasão também chegou às
praças, largos e ruas mais largas. Embora não impliquem a obstrução que se
adivinha nas outras ruelas, se calhar, em equidade e respeito por todos, também
precisam de uma medida disciplinadora. Acho que não devemos ser radicais. O
costume de colocar artigos em frente ao estabelecimento, por ventura, virá de
séculos recuados –há quem diga que somos herdeiros do hábito dos países do Norte
de África- e, por isso mesmo, não se deve varrer tudo de qualquer maneira e
feitio. Em nome de uma tradição, pelo menos que cada loja possa expor os seus
artigos junto à fachada e desde que não perturbe a circulação.
Para terminar, e como ressalva, gostava de
deixar aqui plasmado o quanto me custa escrever sobre isto. Era bom que não
fosse necessário e cada um chamasse a si a responsabilidade que lhe cabe. Mas,
por valores que se levantam, tenho mesmo de o fazer.
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