Conforme é tradição desde há alguns anos e com
realização da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, na última
sexta-feira realizou-se mais uma “Noite
Branca” com as tradicionais marchas dos Santos Populares. Alegadamente, milhares
de visitantes teriam aportado a esta parte velha da cidade para visionar os treze agrupamentos pitorescos e aproveitar para comer sardinha e pimentos
nesta altura tão especial. Operadores comerciais e industriais de hotelaria,
todos, ficaram satisfeitos? Ou nem por isso?
COMO VIU AS MARCHAS
ESTE ANO?
Lia Rodrigues, do estabelecimento “João dos Leitões”, na Rua da Gala,
perante a pergunta formulada, respondeu assim: “até já bastante tarde nem uma única marcha passou nesta rua. Foi então
que alguns elementos do grupo de Antanhol vieram aqui cumprimentar-nos e tomar
uma bebida e queixámo-nos. Então, por favor deles, numa grande gentileza,
fizeram desfilar o seu agrupamento nesta artéria. É uma vergonha! Fica tudo
concentrado nas ruas largas, desde a Portagem à Praça 8 de Maio, e nestas, mais
estreitas, abandonam-nos completamente. Não valeu a pena enfeitar a rua. Vou
deixar de ser associada da APBC. Sinto-me completamente enganada. Pagamos 120
euros por ano não nos podem tratar assim. Tive muito prejuízo. Paguei a pessoal
a contar com uma coisa e saiu-me outra. No ano passado estivemos aqui até às
3h00 da manhã. Este ano fomos embora por volta da meia-noite. No ano passado,
oito marchas desfilaram pela Rua da Gala. Estou a pensar para o ano não ter o
restaurante aberto. Por que razão alteraram este ano? Há filhos e enteados?”
Formulei a mesma pergunta na casa de pasto e
taberna Carlos Custódio, na mesma rua, e a responsável respondeu assim: “como não passaram aqui as marchas não tivemos
movimento. Nos anos anteriores era costume fazer desta via um dos trajectos.
Este ano, não sei porquê, não aconteceu. Sinto-me frustrada porque estávamos a
contar, comprámos muito mais produtos e tivemos gastos com pessoal. Foi uma
pena. Sinto que abandonaram a rua. Fazem tudo lá para cima, para a zona VIP,
aqui, como somos mais pobres, não querem saber!”
Sérgio Ferreira, dono do restaurante Padaria
Popular, no Largo da Freiria, respondeu assim: “o trajecto em relação aos anos anteriores foi alterado e só passou
aqui uma marcha, a de Antanhol, por volta das 23h30. Se a APBC me pediu para
estar aberto, certamente, é para cumprirem a parte deles. Tive muito prejuízo
porque estava a contar que fosse igual aos outros anos, isto é, que as marchas
aqui passassem. E não passaram. Algumas, vindas da Praça do Comércio, cortavam
para a Ruas das Padeiras e não atravessavam a Rua Eduardo Coelho toda e como
nos anos anteriores. Sem marchas, neste dia, não há negócio. As pessoas querem
estar sentadas e ver o espectáculo. Pondero não estar aberto para o ano. Não
vale a pena. Foi uma desilusão. Há uma tendência crescente em centralizar tudo
entre a Portagem e a Praça 8 de Maio. Se queriam alterar os percursos que me
avisassem. Até parece que há interesses obscuros para puxar as pessoas para certas
ruas e prejudicar outras. Podem fazer o que quiserem, mas antes avisem! Foi
muito estranho o que aconteceu este ano!”
Na “Tasquinha
da Baixa”, no Largo do Poço, o Nuno, o gerente, também não está muito
contente com o que aconteceu: “Só aqui
passou uma marcha e foi porque o meu parceiro de negócio é de Antanhol. Vieram
aqui beber um copo e comer uma sandes e eu manifestei o meu completo desapontamento.
Foi pela minha decepção bem patente no meu rosto que eles fizeram o favor de mandar
passar aqui o grupo de Antanhol. Se assim não fosse, nem uma marcha eu veria.
Foi tudo completamente ao contrário do ano passado. Não valeu a pena estar
aqui. Nem metade do negócio realizei em comparação com o ano transacto. Se para
o ano fizerem o mesmo não estarei cá. Isso é que era bom! É preciso ver que
temos muita despesa, é mais pessoal contratado, são mais produtos que temos
dificuldade em escoar nos dias seguintes!”
O QUE DIZIAM OS JORNAIS
LOCAIS?
O Diário as Beiras, de Sábado, na última
página, dedicou uma fotografia de uma marcha e o título “Noite Branca e Marchas animam Baixa”, seguido de um pequeno texto: “A Baixa de Coimbra voltou a acolher milhares
de pessoas na noite das Marchas Populares. Esta iniciativa da Agência para a
Promoção da Baixa de Coimbra foi acompanhada de mais uma Noite Branca, onde os
comerciantes estiveram de portas abertas até às 24H00.”
O Diário de Coimbra, de Sábado, com o título
de primeira página “Mar de gente aplaudiu
as marchas”, dedicou duas páginas a este evento. No desenvolvimento, o teor
da notícia é feito em tom épico e com base no inteiro sucesso da iniciativa,
com base no subtítulo: “FESTA Noite do desfile das marchas populares assume-se, cada vez mais, como a
iniciativa “mais bem-sucedida” da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra,
adianta Vitor Marques”. Com várias fotos, o texto era acompanhado com o
depoimento de quatro visitantes. No Domingo, com o título “Marchas populares atraíram milhares de pessoas à Baixa de Coimbra”
este diário publicou duas páginas com fotografias das 13 marchas que estiveram
presentes a convite da APBC.
A TENDÊNCIA DA IMPRENSA
PARA AGRADAR A TODOS
Nos últimos anos, na Baixa, verifica-se uma
orientação crescente por parte da imprensa local de mostrar sempre o lado
positivo de todas as iniciativas. E porque acontece assim? Estou em crer que
tudo começou em 2008 e durante cerca de um ano, quando esta parte da zona
histórica teve um surto de assaltos sem precedentes. Naturalmente e como lhe
competia os jornais noticiavam. Aliás, foi com base nesta informação que a
edilidade, então liderada por Carlos Encarnação, foi obrigada a implantar as
câmaras de vigilância e forçar a PSP a intervir. Mas aconteceu um fenómeno
interessante por parte dos comerciantes; os não afectados por ataques ao
património, com o argumento de que a informação desvalorizava esta zona
comercial e criava um certo estigma de insegurança –o que se veio a verificar- faziam
tudo para que as notícias não saíssem a público e, reclamando activamente,
pressionavam os jornais. Claro que isto só se verificou até ao dia em que
muitos deles também foram atacados. Quando isso aconteceu tudo mudou e eram os
primeiros a barafustar contra a inoperância da PSP, Polícia de Segurança
Pública.
Estou convencido que as
reclamações foram tantas para os jornais -inclusivamente, acusando-os de
parcialidade em relação aos shoppings e de estarem a destruir a Baixa- que os
jornalistas recuaram e passaram a descrever tudo o que se passa por aqui pela
rama, isto é, sem entrar no âmago das coisas e visto pelo lastro da
positividade. Ou seja, passou a fazer-se mais informação e menos jornalismo
–jornalismo é a actividade que consiste em lidar com as notícias sem as tomar
como um fim em si mesmo (informação). Um jornalista, perante uma notícia, parte
do seu conteúdo bruto e, como lapidador, vai investigar, recuando no tempo, e,
comparando dados, vai descobrir o que esteve na sua origem como sequela. Com
base neste conhecimento, por um lado, tenta explicar o eclodir do facto no
momento e, por outro, como cientista de presciência, vai partir para uma
análise de consequência futura. Qualquer jornalista sabe que nenhum caso é
fruto de um acaso mas sim o resultado de vários factos antecedentes. Claro que
falo de uma época normal em que os jornais davam tempo para os seus
profissionais da escrita poderem desenvolver o seu talento e o seu trabalho.
Mas esse período passou. A imprensa local, devido à carência de meios, contrastando
com a nacional, está muito pior. Raramente, excepto nos aniversários, se apresentam
editoriais, escritos com subjectividade, que visem denunciar uma situação
concreta. Devido a não querer ofender susceptibilidades e poderes implantados –porque
é este poder, normalmente político e económico que investe em publicidade-
perdeu-se a independência –é cada vez maior o concubinato, o amiganço entre
jantares de aniversário e outras festas, entre editores de jornais e estes
soberanos que dominam a cidade. Para quem tomar atenção, facilmente nota uma
certa subserviência de quem escreve para o visado e originário da notícia –desde
que este ocupe um lugar de relevo na sociedade citadina. Se acontecer o
contrário, isto é, o poderoso cair em desgraça, dá-se o fenómeno adverso: todo
o ressabiamento acumulado passa a ser despejado durante várias semanas na imprensa local.
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